Rihanna e o complexo problema da apropriação cultural na moda

Rihanna e o complexo problema da apropriação cultural na moda

Na última semana a cantora, empresária e escritora Rihanna, aniversariante do último sábado (20), envolveu-se em uma grande polêmica ao publicar no perfil badgalriri no Instagram uma foto sua de topless usando um colar, um par de brincos e um calção, também conhecido como short, branco.

A postagem tinha nítida intenção de divulgar a marca de lingerie da cantora, chamada SavagexFenty, porém, o colar por ela utilizado constituía-se em um artefato religioso hindu que fazia referência à figura de um importante deus para o hinduísmo chamado Ganesha e por isso muitos indignaram-se com a imagem postada acusando Rihanna de desrespeito e apropriação cultural.

Não há como negar que nos últimos anos o termo apropriação cultural tem sido constantemente associado ao mundo da moda muito mais do que a qualquer outro segmento e por isso torna-se importante uma análise mesmo que superficial sobre essa questão.

De acordo com os especialistas, na maioria das vezes a dificuldade de definição do que seja o termo de apropriação cultural constitui-se no fundamento para essas denúncias, que na grande maioria das vezes não o são, e ao mesmo tempo motivo de esquecimento dos verdadeiros casos.

A apropriação cultural para alguns remete ao simples comportamento de adoção de elementos específicos de uma determinada cultura, tais como formas de vestir ou de enfeitar o corpo por parte de quem não pertence a essa cultura, mas para outros configura-se em resultado de um processo de identificação com outras culturas.

Segundo a professora portuguesa Lígia Carvalho Abreu o termo apropriação “significa apoderamento, usurpação, ocupação, tomada, mas também adequação ou adaptação, remetendo-nos assim para algo que pode ser negativo ou positivo” tratando-se a apropriação cultural em uma questão de inclusão, de combate à pobreza e até de proteção da natureza.

Sustenta ela que a não apropriação cultural, o desenvolvimento sustentável, a rastreabilidade e divulgação da origem, a dignidade da pessoa humana ao princípio da igualdade e não discriminação, a dignidade animal e o respeito dos direitos de propriedade intelectual dos criadores de moda são princípios que fundamentam o direito da moda e que devem ser sempre observados.

Contudo, para ela uma definição clara e precisa do termo apropriação cultural deve ser capaz de demonstrar a diferença entre apropriação negativa, ou seja, a que causa um dano moral e/ou patrimonial aos titulares de uma determinada cultura, dos casos de apropriação positiva, que resulta da identificação e da afinidade com uma outra cultura decorrente do processo natural de desenvolvimento da personalidade ou do exercício da liberdade de expressão e de criatividade artística de acordo com uma interpretação não literal do objeto.

Nesse contexto, a apropriação cultural para ela não pode apenas ser definida como a simples adoção de elementos específicos de uma determinada cultura por parte de quem não pertence a essa cultura, haja vista que para que exista uma verdadeira apropriação cultural negativa será necessário que ocorra cumulativamente  a retirada dos elementos específicos de uma determinada cultura dos seus contextos culturais originários, passando a ter um significado totalmente diferente e até divergente do significado original e que haja a utilização desses elementos de forma a fragilizar determinada cultura, contribuindo assim para a discriminação e empobrecimento dos povos ou tal utilização constitua-se em um aproveitamento econômico não consentido e sem partilha de benefícios, incluindo, o não respeito aos direitos de propriedade intelectual que possam existir.

E para exemplificar essa diferença a professora Lígia Carvalho Abreu nos apresenta três casos que ganharam a mídia nos últimos anos por suposta apropriação cultural na moda. O primeiro deles verifica-se no uso pelo designer Marc Jacobs de rastas coloridas no desfile Primavera-Verão 2017 que de acordo com ela não configura um vínculo exclusivo entre o elemento cultural, as rastas, e uma determinada cultura pois existem registos do uso de rastas ou do cabelo rastafári em momentos históricos muito anteriores ao aparecimento do movimento rastafári dos camponeses descendentes de africanos, nos anos trinta do século XX, como na Grécia Antiga, Índia e Nepal.

No segundo caso citado tem-se a fotografia de Pharrell Williams na capa da ELLE britânica de julho/2014, na qual o cantor usa na cabeça um cocar indígena, elemento sagrado para os indígenas norte-americanos, que Lígia Carvalho Abreu também não considera uma apropriação cultural negativa se tal elemento foi utilizado para reforçar a identidade cultural desses povos ou para alertar para os problemas que estes enfrentam caso contrário se esse elemento cultural provém de uma etnia ou povo cuja cultura está fragilizada ou em perigo de desaparecer ou cujas lembranças de privação de direitos e da igualdade de tratamento ainda subsistem e o seu uso se baseou numa vontade leviana ou de chacota, então ter-se-á um problema de apropriação cultural negativa.

E por último cita a cultura africana retratada na coleção prêt-à-porter, ready to wear ou pronto a vestir na Primavera-Verão de 2016 da casa Valentino e nos esclarece que nesse caso há duas situações.

A primeira situação verifica-se novamente no uso do cabelo rastafári ou uso de rastas no cabelo que não configura-se apropriação cultural porque o seu uso tornou-se muito comum entre os jovens urbanos, em todas as partes do planeta, por razões estéticas ou por identificação com certos valores culturais e religiosos e que por ser um elemento cultural diluído, ou seja, um elemento africano que não é mais ostentado só pela mulher ou o pelo homem africano, mas por todas as pessoas visto que os cabelereiros africanos fazem esse penteado em integrantes de todas as etnias, sem que tal seja considerado uma ofensa à cultura africana fato que também ocorre no uso dos piercings em formato de roda nas orelhas ou as tatuagens no corpo dos jovens que são usados por povos indígenas.

Ligia Carvalho Abreu, porém, nos esclarece que apesar do desfile da coleção da casa Valentino ter sido uma interpretação contemporânea da cultura de diversos povos africanos baseada na liberdade de expressão e criação artística nesse exemplo há uma questão da apropriação cultural negativa devido ao uso de certas técnicas e símbolos, como o uso das máscaras de madeira de ébano e cobre, produzidas na Itália, finalizadas com ouro rosado envelhecido utilizadas em joias, carteiras e calçado, inspiradas numa cultura africana que não se encontra ainda diluída, usados por uma marca com fins comerciais e que em nenhum momento, exceto nas campanhas publicitárias da coleção, o africano foi incluído. Segundo ela nesse caso há sim apropriação cultural negativa pois não se leva em conta as necessidades dos povos que serviram de inspiração de forma a contribuir para a diminuição das desigualdades sociais e da discriminação através da criação artística.

Assim, não nos parece que no caso citado inicialmente, o uso de um colar pertencente ao hinduísmo pela cantora Rihanna, configure-se apropriação cultural negativa porque não encontram-se nele presentes os requisitos caracterizadores, ou seja, a retirada dos elementos específicos de cultura hindu do seu contexto cultural originário, passando a ter um significado totalmente diferente e até divergente do significado original e a utilização desse elemento de forma a fragilizar a cultura hindu, contribuindo para a discriminação e empobrecimento dessa população e tão pouco essa utilização constituiu-se em um aproveitamento econômico não consentido e sem partilha de benefícios, ou desrespeito aos direitos de propriedade intelectual.

Sidelcy Ludovico

Imperatriz das Imperatrizes

2.308 comentários sobre “Rihanna e o complexo problema da apropriação cultural na moda

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