Direto de Montmagny, França
Em 2012, entre os dias 27 e 31 de março, tive o prazer de conhecer a escritora, jornalista e tradutora Maggy De Coster, na Cidade do Panamá por ocasião do “X Encontro Internacional de Escritoras” onde também lancei meu livro “A mulher e sua luta épica contra o machismo”.
Em 2014, o encontro de escritoras foi realizado pela primeira vez em um país de língua portuguêsa, e aconteceu em Brasília. Maggy De Coster veio à Brasília e fizemos a festa que os amigos fazem quando se reencontram. Ao final do encontro de escritoras ela foi para Parnamirim, no Rio Grande do Norte, visitar seu amigo professor e escritor Roberto da Silva.
Nossa amizade cresceu tanto que em 2017 marquei o lançamento de três dos meus livros em Lisboa-PT e antes do evento fui à Paris para que pudéssemos passear pelas ruas da “Cidade Luz” trocar impressões literárias e de vida. Nesse mesmo ano ela me incentivou a publicar um livro de poemas em Paris, do qual se tornaria minha tradutora.
Traduzi os poemas do português para o espanhol e Maggy se encarregou de traduzi-los para o francês. O livro “Rasgos no véu da Solidão/Déchirrures du voile de la solitude” foi publicado pela Edytion Du Cygne em 2018 e quando eu e minha esposa fomos ao lançamento em Paris, apesar de insistirmos ficar em hotel, ela e sua família nos hospedaram de forma extremamente gentil, em sua linda casa na cidade de Montmagny.
Quando entrei em contato com Maggy e contei sobre esta série de entrevistas motivacionais, ela ficou imediatamente animada a participar. Você vai gostar, pois ela é uma daquelas “histórias de quem não desiste”, cuja carreira é inspiração para quem quer alcançar êxitos na vida.
Senhoras e senhores, com vocês Maggy De Coster:
Judivan Vieira: Fale em pouco sobre você.
Maggy De Coster: Nasci em Jérémie (Haiti), cidade localizada no sudoeste do país e capital do departamento de Grand-Anse e chamada “Cidade dos Poetas” por ter visto nascer muitos grandes poetas haitianos como Jean F. Brière, Emile Roumer, Etzer Vilaire, Robert Lataillade, Edmond Laforest, Roland Chassagne e muitos outros. É também o local de nascimento do general Alexandre Dumas. É uma cidade que já teve um passado cultural de prestígio e que infelizmente viveu o genocídio da burguesia mestiça, perpetrado pelo sanguinário “Pai Duvalier”.
Meu nome de solteira é Lizaire e minha ascendência é Joseph LIZAIRE, marido de Renotte YOBENNE ambos mestiços nascidos em Jérémie durante a colônia francesa. Meu antepassados foram libertos da escravidão. Venho de uma família de classe média para a qual os estudos contam muito. Meus pais tiveram dois filhos: meu irmão mais novo que é cego, mas formado em Direito. Depois meu pai veio a ter filhos de outro casamento que são meus irmãos e irmãs que administraram bem suas vidas.
Minha mãe era uma mestiça nascida em Santiago de Cuba e embora não conheça o país tenho um grande apego, pois foi onde nasceram meus pais(meu pai nasceu em Camagüey).
Tive paixão pela escrita desde a mais tenra juventude, quando coloquei meus primeiros versos no papel. Eu adorava ler. Descobri os autores franceses antes mesmo dos haitianos porque no Haiti se aprende primeiro a literatura francesa.
Aprendi as Fábulas de La Fontaine que inspiraram meu primeiro poema, depois Apollinaire, Rimbaud, Leconte de Lisle, Paul Claudel, André Lévesque(uma poetisa canadense), os surrealistas, os essenciais como Baudelaire, Verlaine, Rimbaud e muitos outros. Sou inclassificável, disse-me o poeta haitiano Dominique Batraville, mas me considero universal.
Como tantos outros poetas da minha geração tive a sorte de ser publicada na adolescência pelo poeta e professor de letras Christophe Charles, que tinha uma editora. Essa precocidade se explica pelo fato de todos estarmos preocupados com a deterioração da situação sócio-política do país e pela necessidade de expressar nosso repúdio às condições materiais de vida em que vivia o povo haitiano.
JV: Como nasceu a ideia de imigrar do Haiti para a França?
MC: Vim para a França com uma bolsa do governo francês para estudar jornalismo. Todos os anos, o governo francês concedia bolsas de estudos em várias disciplinas para estudantes ou profissionais haitianos no âmbito da cooperação francesa.
As bolsas da Embaixada da França no Haiti são da ordem de duas por ano e éramos dois jovens que obtiveram cada um uma bolsa do governo francês através da Embaixada da França no Haiti. Depois, consegui uma bolsa do Conselho Ecumênico de Igrejas da Suíça para continuar meus estudos universitários até obter um DEA(Diploma de Estudos Avançados) em Sociologia do Direito e das Relações Sociais, terceiro grau de estudos universitários.
JV: Há quanto tempo vive e como foi sua adaptação na França?
MC: Cheguei na França em 1987. Não tive problemas para me adaptar, pois sou francófona e tinha amigos franceses do Haiti com quem aprendi a conhecer o estilo de vida francês. No começo quando você tem bolsa a adaptação é mais fácil. Sempre estive em um ambiente intelectual com alunos ou profissionais da imprensa.
Fiz meu estágio na Radio France-Hérault no sul da França e é preciso saber que quando você tem que procurar emprego tem que demonstrar sua capacidade profissional.
No entanto, enquanto esperava a minha segunda bolsa que demorou tanto a chegar foi um período difícil para mim porque tinha de encontrar alojamento, mas sempre me vinha uma solução providencial. Sabia porque estava ali e tinha o otimismo de que tudo poderia melhorar com paciência e vontade.
JV: As pessoas tendem a olhar para quem colhe êxitos sem refletir sobre a longa história de construção da vida pessoal e profissional. Qual foi o processo de construção para se tornar jornalista, escritora e tradutora?
MC: No começo eu queria ser médica, mas fui reprovada na prova e depois escolhi cursar jornalismo. Escrever sempre foi uma paixão para mim porque comecei a escrever poemas aos doze e treze anos. Eu era muito boa em francês e ainda na escola fiz parte de uma revista chamada “La Jeune Muse”(A Jovem Musa).
Como jornalista trabalhei em vários jornais na França e exterior. Por alguns anos trabalhei como jornalista no “Le Journal de L’Ariège”, um semanário do sul da França no qual era responsável por cobrir tudo relacionado à cultura em Paris.
Em 2000 criei a revista e associação literária “Le Manoir des Poètes”(A Mansão dos Poetas), uma revista cultural muito eclética que durou 14 anos. Através da “Associação Le Manoir des Poètes” que continua existindo apresento os poetas e seus livros que traduzi do espanhol para o francês. (https://www.lemanoirdespoetes.fr/)
Em 2019, a “Academia Claudine de Tencin” me concedeu o Prêmio Internacional de Tradutora e Editora de Poesia.
JV: Você é autora de quantos livros? Existe dentre eles um que goste mais ou cuja história tenha algum significado especial para você?
MC: Sou autora de 33 livros, poesias, romances, ensaios na imprensa, contos infantis. Meus poemas estão traduzidos para 10 idiomas e em 1993 obtive uma bolsa do Centro Nacional do Livro (CNL) para o meu manuscrito “Rêves et Folies”(Sonhos e Loucuras).
Livros premiados.
Na poesia tenho uma coletânea de poemas inspirados nos atentados de Paris e Nice e meu editor ficou encantado com o material. Este livro está traduzido para o inglês por uma pesquisadora haitiano-americana chamada Danielle George que ficou tão seduzida por esta coleção que a traduziu para o inglês para publicação em sua coleção para mulheres poetisas.
Gosto das histórias que escrevo para crianças e também gosto dos meus ensaios na imprensa porque são úteis e agradam aos leitores. Assim, não tenho especial preferência por um ou outro livro. Creio que com o tempo escrevemos cada vez melhor. Do contrário, seria melhor parar de escrever e como escrevo livros de gêneros diferentes devem ser considerados separadamente.
Recebi vários prêmios e distinções na França, Itália, Brasil, Colômbia, Panamá, Argentina e Venezuela. Minha poesia bilíngue, assim como meus contos foram objeto de estudos de graduação, mestrado e doutorado em andamento na Universidade de Cagliari, na Sardenha, sob a autoridade do professor Mario SELVAGGIO.
JV: Porque resolveu se tornar tradutora do Espanhol ao Francês e quantos autores latino americanos já traduziu?
MC: Posso dizer que me foi imposto ser tradutora. Estudei espanhol na escola por sete anos e participei de um colóquio sobre mulheres. Lá fui obrigada a falar espanhol e isso contribuiu para me aperfeiçoar no idioma. Então, um amigo peruano me pediu para ajudá-lo a traduzir documentos do espanhol para o francês e percebi que era capaz da tarefa.
Por fim, quando a poetisa Bella Clara Ventura me convidou em 2010, na Colômbia, por ocasião do “IX Encontro de Mulheres – Matilde Espinosa”, comecei a traduzir os poemas deste encontro de escritoras e foi um sucesso. A partir deste momento fui solicitada a traduzir para poetas latino-americanos seduzidos pela língua francesa.
Escrever em espanhol é para mim uma forma de homenagear meu pai que fala espanhol desde que morou em Cuba, onde nasceu e lá ficou até os dez anos de idade.
Autores latino americanos traduzidos por Maggy
JV: Além de sua obstinação pessoal para vencer há alguma pessoa ou pessoas que te inspiraram para perseguir a realização de seus objetivos e metas?
MC: Não posso apontar ninguém. Me construí sozinha. Desde pequena sabia o que queria e que só se consegue êxitos na vida através dos estudos.
Sempre fui uma pessoa perseverante e desde cedo gostava de estudar. Era boa aluna e na maioria das vezes a primeira da turma. Ninguém nunca me disse para ler e sim para parar de tanto ler e descansar um pouco dos livros. Era assim que era. Sempre cultuei o conhecimento e o amor pelo trabalho bem feito.
Na França, desde que cheguei em 1987 conquistei trabalho por ser responsável, por minha seriedade e diligência no que faço. Sou alguém com quem você sempre pode contar porque não gosto de decepcionar. Sou muito exigente comigo mesmo. Assim, se diz que “sou uma mulher de dever”.
JV: Qual foi o período mais difícil em seu processo de construção até chegar a ser essa pessoa de êxito que hoje é? Alguma vez pensou em desistir?
MC: Nunca pensei em desistir porque queria honrar meus pais e permanecer fiel a mim mesma. Minha vida é uma luta constante e acho que tudo que conquisto não é por sorte, mas graças à minha perseverança.
Sempre contei com os estudos para ter sucesso na minha vida, apesar dos recorrentes problemas de saúde que posso ter.
“O homem é um aprendiz, a dor é uma professora, e ninguém se conhece até que tenha sofrido”, diz o poeta, novelista e dramaturgo francês Alfred de Musset.
JV: O que te manteve firme no cumprimento de seus objetivos e metas e impediu de se render diante das adversidades da vida?
MC: Em princípio, faço o que digo. Nunca desisto de nada que começo! Sempre quis ser honesta comigo mesma e com os outros.
Acredito que todos temos recursos suficientes dentro de nós que devemos usar para superar as dificuldades. Ademais, sabia que não tinha o direito de cometer erros.
JV: Em quantos países já proferiu seminários e palestras?
MC: Dei conferências literárias na França, também na Universidade de Cagliari na Sardenha(Itália), conferência sobre imprensa e América Latina: Colômbia, Panamá, Brasil, Argentina, Venezuela(por vídeo chamada) e organizei oficinas de escrita (poesia e narração) em Montmagny, minha cidade aqui na França. Intervi no liceu no âmbito de fóruns sobre profissões jornalísticas e sou membro da “Society of Literary People (SGDL)”, e membro do “P.E.N. Clube francês”. Também fui membro da “Comissão executiva da Sociedade dos Poetas da França”(SPF) por 9 anos.
Conferencia en la Universidad de Cagliari, Cerdeña (Italia), 2016
Como jornalista fui editora-chefe da revista “l’Agora” e membra do comitê científico e editora da revista feminista internacional “Le Pan Poétique des Muses”( http://www.pandesmuses). Ainda, contribuí com artigos para várias revistas acadêmicas na França, América Latina e Itália e faço parte do conselho editorial da revista “Rose des temps”.
JV: Como é sua relação com o Brasil e o que mais gosta em nossa cultura?
MC: Gosto da culinária brasileira, da mandioca frita, do pão de queijo, da peculiaridade arquitetônica de Brasília, da bossa nova.
Tenho um amigo de longa data, o professor e escritor Roberto da Silva que mora em Parnamirim-RN e com quem sempre me comunico em francês.
JV: Erasmo de Roterdã, um dos mais influentes pedagogos do mundo, diz que conselho não se dá a quem não o pede. Sempre gostei de pedir conselhos a quem possui experiência e cujos êxitos estão expostos na vitrine da vida. Sendo assim, que conselhos você dá a quem está começando a construir a vida e sonha conquistar êxitos?
MC: É preciso ser sempre perseverante, um lutador incansável. Como se diz em francês: A paciência é amarga, mas seus frutos são doces.
Você deve ter determinação porque como diz Victor Hugo: “Quem vive é quem luta” e como diz Sócrates: “Conhece-te a ti mesmo”. Muito obrigado, Judivan Vieira, por me entrevistar.
Siga Maggy De Coster: https://www.maggydecoster.fr/