Direto de Brasília-DF.
Surge a Escola Sofista
Ao novo modo de pensar em Atenas, antepõe-se a crítica e o pensamento dos intelectuais que não queriam mudanças.
Essas reações seguem o passo dos séculos e milênios até hoje. Há sempre quem deseja ser como o “pau que nasce torto e morre torto”, os que resistem à mudança sem sequer abrir espaço para compreendê-las.
A escola sofista inicialmente deu um grande contributo à educação e ao ensino. Isto não deve ser negado.
A Contribuição da escola Sofista
A ênfase na Retórica, para a qual a gramática e literatura tornar-se-ão meios, vai criar classes de filósofos, mestres e pensadores para as quais o discurso e o saber superficial soa como símbolo da nova “inteligência”.
Eles são chamados de Sofistas, palavra derivada de sophia, que em grego significa “sabedoria”. Todavia, essa sabedoria na medida concebida pela filosofia como conhecimento dirigido à essência de algo e ética nas relações humanas, era tida por desnecessária diante da possibilidade de se adquirir um conhecimento superficial capaz de vencer o debate dialético com qualquer pessoa.
Na escola filosófica Sofista, que tem no relativismo do filósofo Heráclito de Éfeso sua inspiração, destacam-se nomes como Górgias, Hípias e Protágoras, autor da máxima mais famosa do relativismo, ao ensinar que “O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são”, ou seja o que é, é enquanto durar. E o que não é, não é se não durar”.
O poeta Vinicius de Moraes, consciente ou não, foi sofista em seu poema “Soneto da Fidelidade”, ao dizer “Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama, Mas que seja infinito enquanto dure”. Esta parte final nos remete às palavras sofistas de Protágoras.
Os sofistas aproveitaram-se do novo espírito cosmopolita, do crescimento comercial grego e da ascensão de uma nova classe social e econômica (classe média) para fundar escolas em inúmeras cidades, sempre cobrando pelo ensino que ministravam. O relativismo sofista fez bem em alguns aspectos tais como:
1 – Incentivou o espírito crítico;
2 – Incentivou a que os alunos duvidassem ao invés de se apegar às antigas verdades;
3 – Incentivou o abandono dos costumes e tradições antigas;
4 – Incentivou mudança dos valores sociais e morais de modo a transformar o homem no fim de todas as coisas;
5 – Incentivou o homem a um novo modo de pensar a relação entre si e o conhecimento universal.
Os sofistas ensinavam que a sociedade precisava se preparar para um novo tempo em que a finalidade da educação e do ensino preparasse alunos exclusivamente para assumir a vida pública. Esta seria a nova medida do êxito e do fracasso de todo e qualquer aluno. Aliás, essa dicotomia entre êxito e fracasso faz-me lembrar a forma como o norte americano divide sua sociedade entre vencedores e fracassados. Por lá, ou você é uma coisa ou você é a outra. Se a pessoa conseguiu realizar o “sonho americano” então é vencedor. Se não é rico, é um fracassado.
Às vezes penso que esta fórmula pode fabricar legiões de pessoas deprimidas, de sociopatas e de psicopatas, porque inculcar em alguém que o sucesso depende exclusivamente de ser rico me parece fruto de um pensar pequeno e vesgo, ante as possibilidades de realizações e de felicidade que a eudemonística aristotélica e o hedonismo epicuriano nos levam a compreender como dádivas, que estão além da riqueza monetária. Em outras palavras ser rico é maravilhoso e desejável, mas ser pobre ou um classe média com dignidade social, também não é estar no inferno!
Voltando ao nosso tema, registro que Thomas Giles diz que o sofismo ensinava que “a verdade, a bondade, a justiça, a beleza são todas relativas às necessidades e interesses da situação e do momento concreto (…) já que tanto os sentidos como a razão podem nos induzir ao erro, conclui-se que não há verdade universal, tampouco normais morais absolutas”.
O triste legado da escola Sofista
O processo de ensino e aprendizagem na Escola Sofista era de entendimento que só há verdades particulares. Por isto a escola sofista do século V, a.C., ensinava que a educação como eles concebiam, poderia tornar o homem em tudo que ele desejasse ser.
Esta ideia, com pequenas variações me remete à atual teologia da prosperidade ensinada em inúmeros templos religiosos e, também, a outros modismos no mundo do coaching, da programação neurolinguística, da inteligência emocional e da auto-ajuda, quando baseados na ingenuidade daqueles que sem a medida certa do equilíbrio ou da instrumentalização adequada ao atingimento do sucesso que apregoam, pretendem mobilizar as massas no grito e no emocional para o “ter”, sem a adequada ênfase no “fazer” e no “ser”.
Para os sofistas a superficialidade de qualquer conhecimento que fosse suficiente para vencer uma discussão bastava. Eles cobravam caro de seus alunos para fugir aos salários miseráveis dos antigos professores, sem que houvesse qualquer preocupação com o conteúdo ou qualidade do ensino.
Para os sofistas, o importante era dominar a arte da “falação”, independente de conteúdo provável e profundo. Não havia interesse em temas profundos, razão porque os alunos dos sofistas assemelhavam-se, em certa medida, aos alunos do Facebook, do Twitter, Instagram e de outras redes sociais, que hoje optam por verdades “picotadas”, “dilaceradas”, descontextualizadas, tudo em nome do saber diminuto e, de minuto.
A verdade como a filosofia buscava, ou seja, como conhecimento sobre a essência de algo ou alguém não tinha importância alguma. Aliás, fazer um sofisma significava e significa ainda hoje esconder ou ocultar a verdade sobre algo. Um sofista, portanto, é alguém que procura induzir outrem em erro.
Tal forma de pensar vai pavimentar a estrada dos políticos oportunistas e demagogos gregos e do resto do mundo em todas as formas de governo até os dias de hoje. Observe que a política é a arte de sofismar, ou seja, de esconder a verdade, de mentir!
Certa vez, o festejado presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso para justificar acusações da imprensa brasileira, inclusive que dava “mensalão ou mesada” a deputados federais para aderir a interesses de seu partido, sofismou de forma magistral dizendo que “uma é a ética e outra é, a ética política”. Uma frase desta arrancaria aplausos de Heráclito de Éfeso, Górgias, Hípias e Protágoras, mas certamente horrorizaria Sócrates, Platão e Aristóteles.
A Ética é a Ética! Ela não abre mão da Justiça para justificar uma verdade momentânea forjada sobre interesses pessoais! A Ética não existe para justificar uma ou várias doses de desonestidade! A escola sofista especializou a seus alunos em esconder a verdade verdadeira e em construir verdades momentâneas capazes tão somente de vencer a discussão de momento.
O ato de estratificar a ética em ética política, ética médica, ética jurídica, etc., foi um “jeitinho” mundial que os políticos deram para fazer o errado parecer certo, o desonesto parecer honesto e o injusto parecer justo, pois como ensina Aristóteles “Nem o corrupto nem o virtuoso tem poder sobre seu comportamento moral, mas eles tinham, antes, poder para se tornarem uma coisa ou outra; assim também alguém, que arremessa uma pedra, tem poder sobre ela antes de arremessá-la, mas não o tem depois de tê-la arremessado”.
De qualquer forma, a filosofia sofista deu sua contribuição ao processo educativo e de ensino, com seu método chamado de Paideia, que apregoava que o processo educativo está ligado às necessidades práticas e à eloquência capaz de convencer a qualquer opositor.
O método de ensino sofista, chamado de Paideia, adotou a Dialética Eurística que apregoava que o importante era entrar na discussão para vencer. Você, leitor, deve conhecer algumas pessoas assim. Aquelas que não querem conversar e sim impor o ponto de vista como se fossem donas da verdade absoluta. Como são desagradáveis pessoas assim… não?!? Com elas a conversa é uma selva repleta de armadilhas…
Mas, os filósofos gregos clássicos logo perceberam os perigos que vinham arraigados com o sofismo e conseguiram alertar a uma boa parcela da população grega. Foi assim que os cidadãos gregos acusaram o novo tipo de escola de “dessacralizar” a moral fundamentada na tradição oral e homérica e “profanar” a educação e o ensino por meio da introdução de novos objetos e conteúdos criadores de uma nova concepção superficial.
O que os filósofos clássicos opositores dos sofistas lutaram e conseguiram implementar foi convencer aos gregos antigos que a escola necessitava mesmo era dar um salto de qualidade na forma de se relacionar com o conhecimento, de criar um novo conceito de “excelência” baseado no pensamento crítico e lógico.
Apesar da resistência por parte de uma parcela de intelectuais e da população por eles “catequizada”, o currículo escolar ateniense foi sendo enxugado e objetivado ao ponto de no ano de 335 a.C., o treinamento militar deixar de ser obrigatório, para que a formação linguística pudesse ganhar maior destaque.
À partir desse momento histórico, tanto no ensino elementar quanto nos estudos superiores o objetivo passa a ser a formação do homem livre e literário, com domínio da gramática e da literatura a partir da redução do alfabeto de mais de 2.000 símbolos para apenas 24 letras. O método crítico-lógico de Sócrates, Platão e Aristóteles, com suas convergências e divergências pavimentarão a estrada do conhecimento e, por ela, a ciência entre marchas e retrocessos seguirá a caminhada que nos trouxe até aqui.
Se você teve ou tem, mesmo com extrema dificuldade, a oportunidade de se deixar educar e ensinar por pais, mestres, professores e não se permite ser humilde para aprender, então seu destino é uma variável sobre a qual você não tem nem terá o menor controle, porque a ignorância não é uma brisa, mas uma tempestade que afasta os sábios e as oportunidades que a vida deseja descortinar para você…
Até breve!