A progressão do regime de pena das pessoas condenadas simultaneamente por crimes comuns e hediondos deve ser regida, em cada caso, pela lei que trouxer maior benefício ao apenado.
Essa é agora a posição pacificada das turmas criminais do Superior Tribunal de Justiça. O entendimento é de que uma nova lei que altere a situação pode retroagir apenas em parte, quando a condenação envolver mais de um crime.
Essa jurisprudência foi construída especificamente para tratar da aplicação retroativa do pacote “anticrime” (Lei 13.974/2019), que trouxe mudanças substanciais na maneira como a progressão do regime de cumprimento de pena é calculada.
Em alguns casos, a lei tornou a progressão mais demorada. Em outros, mais rápida. E abarcou tanto os crimes comuns, que se submetem a uma regra geral, como os crimes hediondos, cuja passagem de regime de pena é mais criteriosa.
Nos casos em que o réu for condenado no mesmo processo por crimes comuns e hediondos, o pacote “anticrime” pode retroagir apenas na parte em que for mais benéfico ao réu. No resto, continua valendo a redação anterior do artigo 112 da Lei de Execução Penal.
A unificação da jurisprudência foi promovida pela 5ª Turma do STJ, onde ainda havia divergência de entendimento. A 6ª Turma já havia firmado a interpretação.
Uma ação, dois crimes
A definição na 5ª Turma foi construída em recurso especial ajuizado pela defesa de um homem condenado por lesão corporal em contexto de violência doméstica (crime comum) e homicídio qualificado tentado (crime hediondo).
Para o crime comum, a aplicação do pacote “anticrime” seria prejudicial. A progressão de regime para a lesão corporal em contexto de violência doméstica passou de um sexto da pena (16,66%) para 30%. Essa é a nova redação dada ao artigo 112, inciso IV da LEP.
Já no crime hediondo, o pacote “anticrime” seria benéfico. A regra anterior exigia cumprimento de três quintos da pena (60%). Atualmente, a exigência baixou para 40% para aqueles que são reincidentes genéricos – que têm condenações anteriores, mas não por crimes hediondos.
Ao julgar o caso, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina decidiu que a lei só retroage no que for mais benéfico ao réu. Ou seja, uma das progressões pode ser feita pela lei antiga, que vigia no momento em que o crime foi cometido. A outra já pode ser regida pelo pacote “anticrime”.
O Ministério Público de Santa Catarina recorreu ao STJ alegando que isso representaria a vedada combinação de leis — a união de duas ou mais normas que são contraditórias e, assim, acabam formando uma terceira, formalmente inexistente.
Cálculos diferentes
Relator do recurso, o ministro Messod Azulay notou a dispersão jurisprudencial na 5ª Turma e propôs ao colegiado pacificar o tema, aderindo à posição da 6ª Turma. Para ele, é mais adequado que os cálculos para a progressão de regime sejam feitos de modo independente, quando houver, em uma mesma execução, crimes comuns e hediondos.
“A aplicação de uma só lei, nesse caso, contraria o princípio da não retroatividade da lei penal maléfica, pois o crime comum será regido por norma mais rigorosa, que leva em consideração parâmetros não contemplados na lei anterior, como a reincidência e o cometimento de violência à pessoa ou grave ameaça”, explicou.
Ele afastou o argumento da ocorrência de combinação de leis, uma vez que o objetivo da lei é de que os crimes hediondos recebam tratamento distinto dos comuns, ainda que o legislador tenha optado por reunir os temas em um mesmo dispositivo de lei.
Entender diferente abriria a possibilidade de que o tratamento diferenciado entre crimes hediondos ou comum dependeria sucessão de leis no tempo e não de critérios objetivos traçados pela norma jurídica. A votação na 5ª Turma foi unânime.
REsp 2.026.837
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