“Como muitos magistrados e integrantes de órgãos de controle vêm agindo como se fossem administradores públicos, a nova Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (Lindb) buscou garantir que eles suportem os ônus dos integrantes do Executivo caso extrapolem suas competências. É como o professor Carlos Ari Sundfeld, da FGV Direito SP, resume as intenções do texto.
Um dos principais nomes do Direito Administrativo brasileiro, Sundfeld é, junto com o professor Floriano de Azevedo Marques, diretor da Faculdade de Direito da USP, autor da lei. Em palestra nesta quarta-feira (29/8), Carlos Ari Sundfeld explicou que a lei apenas obriga ao juiz que pretender desenhar políticas públicas com suas decisões avaliar as consequências de seus despachos.
Em evento sobre os impactos da nova Lindb no Direito Tributário ocorrido na FGV Direito SP, na capital paulista, Sundfeld disse que a norma buscou reduzir a interpretação casuística do ordenamento jurídico e dar coerência à aplicação do Direito Público.
Alguns órgãos de controle, especialmente o Tribunal de Contas da União e a Procuradoria-Geral da República, reclamaram das mudanças na lei. Alegaram que ela atrapalharia o combate à corrupção, já que exigiria fundamentação e avaliação de consequências de decisões.
Segundo o professor Sundfeld, a tendência é que cada ramo do Direito se justifique com a própria peculiaridade para deixar de aplicar a nova Lindb
Nessa linha, o também professor da FGV Direito SP André Rodrigues Corrêa manifestou ceticismo quanto à adoção de um rigor metodológico pelas instituições públicas. Para ele, enquanto não se acreditar que decidir da maneira mais coerente com o ordenamento jurídico é o melhor para o sistema, nada vai mudar. Sem essa convicção, analisa, magistrados e integrantes de órgãos de controle darão um jeito de não aplicar as diretrizes da nova Lindb.
Fim da hierarquia
A hierarquia das normas não está mais funcionando, afirma o professor da USP Tercio Sampaio Ferraz Júnior. No lugar da pirâmide de Kelsen, que organiza as leis de acordo com seu peso no ordenamento jurídico a partir da Constituição, passou a vigorar um sistema em rede, onde não há gradações.
No entanto, ressalta o jurista, há quem diga que a rede foi superada por um modelo de rizoma. Voltado para si mesmo, este sistema funciona em sucessões progressivas. Cada decisão se alastra até um certo ponto e se interrompe. Depois, pode ser retomada, e dar origem a uma nova cadeia normativa, explicou Ferraz Júnior.
“A Lindb é uma tentativa de lidar com esse rizoma. É algo que a gente percebe no meio constitucional: hoje não sabemos mais o que é válido e o que não é válido. A própria noção de validade tem que ser substituída”, opinou.
O professor também disse que as normas da Lindb, em geral, têm natureza interpretativas – são “normas de normas”. Mas nem sempre. Ao estabelecer que “o agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”, a lei criou um ônus para os gestores estatais. “Com esse artigo, tem que ter coragem para assumir um cargo público”, declarou Ferraz Júnior.
Aplicação ao Carf
Já Eurico Marcos Diniz de Santi, professor de Direito Tributário da FGV Direito SP, afirmou que a Lindb é aplicável a todas as autoridades fiscais, órgãos administrativos e judiciais, nas esferas federal, estaduais e municipais.
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) está debatendo se as normas da lei se aplicam a processos administrativos tributários. Recentemente, o órgão entendeu que a Lindb só tem efeito em suas decisões administrativas, mas não nos processos.
De Santi, contudo, lembrou que Carlos Ari Sundfeld já opinou pela incidência da norma aos processos do Carf. O especialista em Direito Administrativo deu o exemplo do Fisco que fica inerte por muito tempo sobre a incidência de um tributo e depois diz que ele deveria ter sido cobrado em anos passados. Nesse caso, ao se manter inerte durante anos, há uma prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público, citou Sundfeld.
Logo, na visão do autor da Lindb, aplica-se o artigo 24. O dispositivo estabelece que a revisão de ato ou processo administrativo levará em conta as orientações gerais da época. E estas são as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.”
Sérgio Rodas é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
https://www.conjur.com.br/2018-ago-29/lindb-responsabiliza-juiz-agir-gestor-sundfeld