Direto de Brasília-DF.
A consciência não pode ser privatizada por terceiros. O que alguém pensa, como fruto do raciocínio lógico e crítico pode ser opinião ou ciência, e ambos estão amparados pelo direito ou liberdade de expressão, bastando para livre veiculação que a manifestação não seja ofensiva aos costumes e à lei.
Há homens que temem somar à causa feminista por medo do discurso raivoso de algumas mulheres, que por se julgarem detentoras exclusivas do lugar de fala contra o machismo, usam a violência verbal como método de defesa e ataque.
Não tenho dúvida que às vezes medidas extremas são necessárias para agir em legítima defesa de si e de alguma causa. Mas, a beligerância constante mata amigos e inimigos debaixo do mesmo fogo. Lutar sozinhas contra homens machistas empoderados há milênios, não é inteligente.
Algumas mulheres e homens usam a teoria do lugar de fala, com a pretensão de criar “reserva de domínio” para si ou para suas instituições. Essa prática guetifica, ou seja, cria muros dentro dos quais o discurso, por mais eloquente que seja, é como manequim de vitrine. É humano só na aparência.
A mudança de cultura exige que o convencimento seja multitudinário, ou seja, só mudando a mentalidade geral, com todos convencendo a todos e todos se deixando convencer de determinada verdade, é que paradigmas novos substituem os antigos, e costumes novos tomam o lugar de tradições antigas e nocivas.
Afinal, falamos tanto em evolução, mas parece que alguns campos da vida queremos que sejam intocáveis. Será que é por isto que na região do Rajastão, Índia, ainda hoje os pais estão amparados por lei para matar as filhas, logo no nascimento? Constatou que é mulher, é imprestável e pode matar! Que cultura! O triste é ver tanta gente louvando tais costumes e tradições como o supra sumo da evolução espiritual.
Lugar de fala, lugar de nascimento, lugar de origem, são todos delimitadores físicos ou psíquicos que enfeixam, encerram, de alguma forma. É certo que toda e qualquer pessoa possui um lugar de origem e um lugar de nascimento. Onde você nasceu é uma pergunta presente em documentos que nos qualificam civilmente. De onde você procede pode ser motivo de muita discriminação.
O Estado através de seus órgãos e também o setor privado, por seus cadastros de crédito, querem saber a cidade e o estado de onde viemos. Essa divisão geopolítica ajuda nos censos que são feitos para controle social, há milênios. Por volta do século XV antes de Cristo, já havia registro de censos demográficos.
Lugar de origem ou procedência tem seu lado chique e seu lado humilhante. Por exemplo, quem aprecia vinho sabe que são controlados pelo lugar de origem. Importa ao apreciador ler o rótulo e ver se é francês e, se, na França, é um “Bordeaux”, como importa saber se é de origem italiana, portuguesa, etc.
Por outro lado, quando se trata de pessoas, no Brasil, se você é nordestino é discriminado por alguns tolos da região sudeste, tanto quanto se você é sulista nos Estados Unidos, termina por ser taxado sempre de “caipira”, por quem mora em Nova Iorque ou em Los Angeles. Às vezes o lugar de procedência de uma pessoa atua como as estrelas que Hitler mandava afixar no peito dos judeus.
Estar aberto ao conhecimento pode dilatar nossa percepção individual. Quanto, o somatório dessas percepções individuais pode contribuir para melhorar nosso derredor? Devemos valorizar mais a estratificação, a guetificação ou a universalização do conhecimento e de nossa humanidade?
Se decidirmos valorizar mais a “guetificação”, então, melhor parar de criticar Hitler e aceitar que tinha razão, em seu lugar de fala pela “raça superior”; melhor aceitar como benéfica a estratificação norte-americana, que separa a sociedade em brancos, negros e latinos, cada um dentro de seu “gueto”, com permissão para transitar, mas com a liberdade que os muros sociais estabelecem e que todos fingem não ver a linha divisória que os separa.
Certa vez eu passava por um parque, em Londres e vi um palanque no qual estava escrito “Speaking Corner”, que é não passa de outra forma de “lugar de fala”. Perguntei a um Londrino que por ali passava e respondeu que aquele era um lugar de fala para qualquer pessoa que tivesse uma mensagem importante a ser transmitida.
Eis porque entendo que o seu e o meu lugar de fala deve ser a defesa do humano, e, se fala com conhecimento do tema, então, não se intimide com quem quer que pretenda ter reserva de domínio. Quem assim age pode inclusive ter dezenas de diplomas, mas, como diz o dicionário da Real Academia Espanhola, “é um burro carregado de letras”.
Você tem uma mensagem importante a ser transmitida em prol da humanidade, então fale!