Recife, 10 de novembro de 2023 – Como garantir os direitos de povos e comunidades tradicionais do Nordeste frente à expansão das energias renováveis na região? A resposta, segundo juristas reunidos nesta sexta (10) no Recife, está em uma convenção da Organização Mundial do Trabalho (OIT) ratificada pelo Brasil em 2002.
Com o mesmo status de uma lei, a Convenção Nº 169 da OIT foi promulgada em 1989 pelo organismo das Nações Unidas voltado aos trabalhadores e assegura aos povos e comunidades tradicionais o direito de serem consultados previamente sobre empreendimentos que possam alterar seu modo de vida ou o território.
“Assim, essas populações devem ser ouvidas mesmo antes de iniciado o processo de implantação de empreendimentos de energia renovável, e têm, inclusive, a prerrogativa de não aceitarem o arrendamento de suas terras”, diz Rárisson Sampaio, pesquisador da UFPB e consultor do Plano Nordeste Potência, iniciativa não-governamental que promoveu o debate.
Junto ao Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Rárisson analisou recentemente 50 contratos de parques eólicos assinados entre empresas e moradores do Nordeste, observando cláusulas que beneficiam apenas os empreendedores.
O estudo, encomendado pelo Plano Nordeste Potência, abrangeu BA, CE, PB, PE e RN. Rárisson verificou que em alguns empreendimentos são pagas quantias irrisórias pelo arrendamento (em média R$ 1,00 ou R$ 2,00 por hectare) da terra para implantação de turbinas eólicas na região.
“Há uma constante violação da Convenção 169 da OIT nos contratos aplicados em projetos de energias renováveis em territórios tradicionais”, diz Flavianne Nóbrega, da UFPE. Na opinião da pesquisadora, é preciso estabelecer protocolos de consultas nessas comunidades e que esse processo seja contínuo, não apenas no início do empreendimento.
“E que tenhamos prática do controle de convencionalidade em todas as esferas estatais para efetivação de direitos dos povos e comunidades tradicionais, pois a convenção 169 da OIT e jurisprudência da Corte IDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos) são vinculantes para o Brasil em toda administração pública do executivo, legislativo e judiciário.”
Algumas comunidades já utilizam as diretrizes da Convenção Nº 169 da OIT, como o Quilombo Serra dos Rafaéis, localizado na Chapada do Araripe, região de altitude mais elevada entre os Estados de Pernambuco, Piauí e Ceará.
Uma das líderes do quilombo, Maria das Dores Nonato, conta que a comunidade elaborou seu protocolo de consulta em apenas quatro meses, sob pressão de empresários e dos órgãos licenciadores. O documento estabelece desde questões gerais, a exemplo da escolha do local e da data para a consulta prévia, detalhadas, como a linguagem a ser utilizada no processo de ouvida da comunidade.
Maria das Dores participou, ao lado de outros representantes de comunidades afetadas por parques eólicos, do 1º Seminário Nordeste Potência “Povos e comunidades tradicionais e projetos de energia renovável – Convenção 169 da OIT e o direito à consulta e ao consentimento livre, prévio e informado”.
Ao todo, 13 integrantes de povos e comunidades tradicionais estiveram reunidos no Recife entre os dias 8 e 9 de novembro debatendo o assunto. Entre as entidades de base participantes do evento está a Articulação de Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme). Ao final, essas lideranças puderam ouvir a opinião de juristas, no seminário do dia 10. O evento foi realizado na Faculdade de Direito do Recife, estando a gravação disponível no Youtube:
https://www.youtube.com/live/
Participaram representantes da OAB e Ministério Público Federal, professores universitários, além de estudantes de Direito.
Realizador do evento, o Plano Nordeste Potência é uma iniciativa de cinco organizações civis brasileiras: Centro Brasil no Clima, Fundo Casa Socioambiental, Grupo Ambientalista da Bahia, Instituto ClimaInfo e Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), com apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS).