Direto de Brasilia-DF.
JV: A senhora é Procuradora Federal de carreira, desde quando?
Ana Salett Marques Gulli: Sou Procuradora Federal da Advocacia Geral da União – AGU, desde 1995.
JV: Tendo em vista que as pessoas confundem muito as duas carreiras públicas, qual a diferença entre Procurador Federal e Procurador da República?
Ana Salett Marques Gulli: Procurador Federal é uma das carreiras que integra a Advocacia Geral da União – AGU, que é a instituição que representa a União, judicial e extrajudicialmente, e presta consultoria e assessoramento às autoridades e dirigentes do Poder Executivo, para dar segurança jurídica aos atos administrativos que serão por eles praticados, na implementação das políticas públicas.
O Procurador da República, por sua vez, integra a carreira do Ministério Público Federal que tem como atribuição a defesa dos direitos sociais e individuais indisponíveis, da ordem jurídica e do regime democrático.
JV: O mundo é paternalista e nele o machismo é uma realidade a ser combatida. A senhora se sente contribuindo com o empoderamento das mulheres, ao ocupar cargos tão importantes, como o de Procuradora Federal e Procuradora-Chefe da Procuradoria, na Fundação Nacional de Saúde, ou acha que ter atingido esse patamar é apenas consequência de esforço pessoal e que qualquer mulher também pode vencer as barreiras impostas pelo machismo?
Ana Salett Marques Gulli: Inegavelmente, tanto ingressar na carreira de Procuradora Federal como assumir a Chefia da Procuradoria Federal Especializada da FUNASA, são consequências de estudo, dedicação e muito trabalho. Creio que toda mulher pode alcançar tal patamar, desde que tenha oportunidade de desenvolver suas aptidões. Considero relevante para a sociedade o empoderamento feminino, e me sinto feliz por contribuir desempenhando bem meu papel.
JV: Para que o leitor se situe melhor no contexto desta entrevista, o que significa “FUNASA”, e em quantos municípios brasileiros está presente?
Ana Salett Marques Gulli: A FUNASA é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Saúde, entidade de promoção e proteção à saúde, que atua com o fomento de soluções de saneamento para prevenção e controle de doenças. Tem sede em todas as capitais do país e atende municípios brasileiros de até cinquenta mil habitantes, cerca de 4.897 municípios.
JV: Que tipo de serviço público a FUNASA está obrigada, por lei, a prestar à Nação brasileira?
Ana Salett Marques Gulli: A FUNASA é um dos órgãos federais responsáveis pela implementação da Política Federal do Saneamento Básico, através de repasse de recursos financeiros para municípios pequenos, com ênfase para o saneamento rural.
Importante destacar que o saneamento básico, no Brasil, é conceituado pela Lei nº 11.445/2007 – Marco Legal do Saneamento -, como o conjunto de serviços públicos, infraestruturas e instalações operacionais de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, além de drenagem e manejo das águas pluviais urbanas.
A FUNASA financia sistemas de abastecimento de água, sistemas de esgotamento sanitário, melhorias sanitárias domiciliares, melhorias habitacionais para o controle de doença de chagas, resíduos sólidos urbanos, saneamento rural, projetos de laboratórios, estudos e pesquisas.
JV: como a Procuradoria contribui para o desempenho desse relevante papel da FUNASA.
Ana Salett Marques Gulli: A Procuradoria garante a legalidade dos procedimentos de transferência de recursos da autarquia, para os municípios, consórcios ou entidades privadas sem fins lucrativos, mediante a análise dos processos administrativos em todas as suas fases, bem como presta consultoria e assessoramento às autoridades administrativas através de audiências, reuniões e “workshops”.
O controle da legalidade também é exercido pela Procuradoria ao término dos instrumentos jurídicos, quando após a análise da prestação de contas se faz necessária a adoção de medidas com fins de obtenção de ressarcimento aos cofres públicos, decorrente de dano, ou até mesmo proposição de ação de improbidade, se houver suspeita de ato de corrupção.
Além disso, a Procuradoria contribui com a atividade regulatória da Autarquia analisando a adequação dos atos normativos propostos.
JV: O que é essa tal de “legalidade”, que os profissionais do Direito tanto falam?
Ana Salett Marques Gulli: Legalidade vem de legal, que significa a característica daquilo que está de acordo com a lei. A Constituição de 1988 dispõe sobre o princípio da legalidade limitando a atuação do Estado, de modo a proporcionar a garantia dos direitos individuais e coletivos nela previstos, conferindo proteção aos cidadãos.
O princípio da legalidade consagra a segurança jurídica no Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, importante destacar que a administração pública só pode fazer aquilo que a lei permite.
JV: Quantas residências brasileiras têm acesso à água potável e esgotamento sanitário, e como isto nos coloca em relação aos países desenvolvidos?
Ana Salett Marques Gulli: Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento do Ministério do Desenvolvimento Regional/MDR – SNIS/2018, divulgados pelo Instituto Trata Brasil, 83% dos brasileiros são atendidos com abastecimento de água. Resta, portanto, quase 35 milhões de pessoas sem acesso a esse serviço básico.
Em relação ao esgoto, apenas 53% dos brasileiros têm acesso à coleta, sendo quase 100 milhões de pessoas sem acesso a esse serviço.
JV: Qual percentual diferencia o Brasil dos países desenvolvidos, na área de saneamento básico, e o que nos impede de alcançar o patamar deles?
Ana Salett Marques Gulli: Infelizmente o percentual é significativo, especialmente no que se refere ao esgotamento sanitário. Posso citar o exemplo do Japão, que com base em planejamento de longo prazo; cooperação entre setores públicos e privados; baixo índice de perdas de água e racionalização dos subsídios estatais praticamente universalizou o acesso à água tratada, alcançando o percentual de 98%.
Continua…