Direto de Brasília-DF.
Continuação: Isócrates versus Platão e o que a Aristocracia e Democracia têm à ver com educação e ensino.
Isócrates divergia da superficialidade do ensino dos demais sofistas, apesar de ter sido aluno direto de Protágoras e Górgias, os dois mais influentes sofistas da antiguidade. Isócrates estabeleceu um programa de quatro anos para graduação na Escola de Oratória e Retórica que fundou e resolveu bater de frente com seus mestres sofistas afirmando que:
1 – Os sofistas exigiam dos alunos o que eles mesmos não faziam, ou seja, não tinham profundidade nos estudos dos temas que defendiam ou expunham;
2 – Instrumentalizar, ou seja, transformar a Retórica apenas em um meio para falar bem era superficializar o ensino e a aprendizagem, desprezando-se que o conhecimento por si só é sem valor;
3 – A instrução oral é insubstituível pela instrução escrita, pois os manuscritos existentes são poucos e difíceis de ler. Em palavras de hoje, existiam pouquíssimos livros disponíveis e a leitura era de difícil compreensão;
4 – A Retórica deveria ser uma disciplina para treinar chefes políticos, pois a política é a alma do Estado e esta tem sobre o Estado o mesmo poder que a mente tem sobre o corpo;
5 – A Retórica e a Oratória deveriam ser usadas para formar as multidões com o ensino da justiça e sabedoria e não para meras discussões de temas cotidianos e sem relevância;
6 – O processo educativo sofista deve formar o homem em seu físico e em seu caráter. Portanto, a Ginástica e a Filosofia devem ser disciplinas curriculares. Aliás, foi para isto que fundou sua Escola de Oratória e Retórica em 392 a.C.;
7 – O Sofismo deve treinar o homem para ser educado e, educado é o homem honesto e de boas maneiras, que não se deixa dominar nem mesmo pelos desejos de riqueza;
8 – A educação formal (educação e ensino se confundem no entendimento de Isócrates) a ser ministrada e adquirida na Escola de Oratória e Retórica, no período de quatro anos, será fundamentada nas seguintes disciplinas: Lógica, História, Ciência Política, Arte, Poesia, Música e Ética.
Na Escola de Oratória e Retórica é mandamento isocrático que a educação formal deve desempenhar papel secundário no processo educativo, pois o fim deve ser a formação do homem de bom caráter para as relações públicas e privadas. Por isto, isócrates não aceitava em sua escola de Oratória e Retórica alunos de caráter duvidoso. Ele preferia trabalhar com alunos com os quais pudesse acompanhar desde cedo porque entendia que não estavam viciados por outros conhecimentos duvidosos.
A Escola de Oratória e Retórica fundada por Isócrates, diferente dos demais sofistas, ensinava que a Oratória e a Retórica seriam a medida de todas as coisas. Tais disciplinas preparariam o homem para a justiça, para a sabedoria e para a manifestação da “verdade”.
Esse pensamento isocrático parecia inverter a lógica do ensino de Protágoras, um dos pais do sofismo tradicional, pois ao invés de se ensinar que “O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são”, mais certo seria dizer que a Oratória e a Retórica são a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são e das coisas que não são, enquanto não são.
Em todo caso deve-se observar que Isócrates deslocava parte da atenção sofista da arte do engano, mas seguia trilhando o caminho da excelência na Oratória e na Retórica como o fim a ser perseguido pelo aluno.
Esta busca pela excelência o distanciava do método lógico-crítico de Sócrates, Platão e Aristóteles, para os quais a dúvida e o questionamento não deveriam voltar-se subjetivamente contra o interlocutor ou, em palavras fáceis, contra a outra pessoa que fazia parte da discussão. A lógica e a crítica deveria ser como um coador de café que filtra a borra e libera o líquido apto a ser bebido. Esse líquido final não seria a verdade absoluta. Seria mais um passo dado em direção a ela, por mais inatingível que seja.
Para Isócrates o ato de se graduar na faculdade de Oratória e Retórica, por si, era indicação de que o aluno dela sairia como um humanista literário, porque ao dominar a Oratória e a Retórica o aluno, além de ler e escrever sairia com a compreensão da arte da comunicação racionalizada entre os “homens”, comunicação racional esta que faz do “ser humano” o mais evoluído dentre os seres. Mas, será mesmo que nos tornamos mais humanos porque dominamos a arte de nos comunicar? O que serás mesmo que caracteriza o “humano” que há em nós?
A ideia do que é um “humanista” adquiriu vários significados até nossos dias e segue quase invariável em relação ao conceito que recebeu do grande orador romano, Cícero, para quem o título de humanitas deve fazer referência a um processo educativo mais literário e menos voltado às ciências exatas.
Até o filósofo pré-clássico, Tales de Mileto, o mundo era deísta, ou seja, tudo é deus e deus é tudo. Os homens não gozavam de autonomia ou independência de seus deuses, tivessem eles características totalmente divinas ou forma antropomorfa(a que mistura forma de animais e humanos). Tales deu o primeiro grande passo para o iluminismo que viria com Sócrates, Platão e, sobretudo, Aristóteles e no que toca ao saber lógico e crítico, o ser humano é posto como o centro de seu próprio universo. O centro dessa compreensão padrão de que é o cérebro que produz a consciência e é ela que devemos usar para filtrar as informações que nossos cinco sentidos nos emitem.
O método crítico-lógico dos filósofos clássicos nos foi oferecido para fazer frente aos sofistas que de nada disto queriam e até hoje não querem saber. Uma parcela mínima da população mundial exerce o magnífico poder de “pensar”. A maioria prefere abrir mão do poder da leitura e da escrita, prefere seguir o caminho sofístico do muito falar, esquecendo que só o “verbo divino” é criador e transformador. A nós, simples mortais, não bastam palavras, mas a ação, o fazer, que transforma a realidade física…
Até breve!