Professora Gevani Maria da Silva. 2.º Ano do Ensino Fundamental. Centro De Ensino Fundamental Juscelino Kubitschek-Planaltina-DF.
Com o cenário da Covid -19, o ano de 2020, está sendo marcado por incertezas, insegurança, medos, perdas, desafios, reflexões, aprendizados e transformações para todos nós.
Como profissional da educação, professora do Ensino Fundamental das Séries Iniciais, de escola pública, estou vivenciando experiências nunca imaginadas. Estou aprendendo, me adaptando, refletindo e indagando os impactos no processo de educação e ensino em meio a este cenário atual de isolamento social, necessário para a nossa segurança e preservação da vida.
Através desse diário de bordo, registro ações e reflexões da minha prática pedagógica no contexto das aulas através de plataformas remotas, partindo de observações cotidianas, por um período de sete dias.
Sou professora do Centro de Ensino Fundamental Juscelino Kubitschek em Brasília-DF, atuando no 2.º ano do Ensino Fundamental, com crianças de 7, 8 anos. Tenho 28 alunos na turma. Todos estão inseridos na plataforma Google Sala de Aula/Escola em casa DF, da Secretaria de Educação do Distrito Federal. Porém, três alunos não acessam e não realizam atividades pela plataforma, por não possuírem meios para isso (celular, computador, “internet”, acompanhamento familiar etc), outros 5 alunos, por demandas diferentes, demonstram muitas dificuldades em acompanhar e desenvolver todas as atividades da plataforma, diariamente.
O diário de bordo é um instrumento que colabora para a prática reflexiva do profissional, na medida em que promove o pensar crítico sobre o cotidiano de uma prática a partir dos processos de observação, descrição e análise do que foi vivenciado em determinado contexto (LIMA; MIOTO; DAL PRÁ, 2007).
Segundo Alves (2001, p. 224): O diário pode ser considerado como um registro de experiências pessoais, em que o sujeito que escreve inclui interpretações, opiniões, sentimentos e pensamentos, sob uma forma espontânea de escrita, com a intenção usual de falar de si mesmo.
Terça-feira, 8 de setembro de 2020.
Comecei o dia com mensagens no celular, vinda da mãe de um aluno que não acessa a plataforma Google Sala / Escola em Casa-DF. Enviei fotos das atividades realizadas pelo aluno. Em seguida, recebi mensagem de um pai, com dúvidas quanto a uma atividade de “gamificação” (interage com jogos eletrônicos) na plataforma, pois o filho não conseguiu verificar as opções nessa atividade.
Acessei a plataforma e com meu computador fiz as orientações necessárias e baixei as atividades recebidas do celular para o meu computador, para serem corrigidas e devolvidas ao aluno. Mandei uma mensagem para a mãe, indicando que ela agora poderia deletar as fotos enviadas, para não sobrecarregar a memória do celular, pois ela já havia relatado que tinha esse problema. Os alunos que não acessam a plataforma realizam atividades impressas por meio de brochuras elaboradas pelos professores com o apoio da escola.
O dia passou com o acompanhamento das atividades da plataforma virtual e o planejamento das aulas, em meio ao recebimento e envio de novas mensagens pelo WhatsApp. Uma dessas mensagens veio de outra mãe que gostaria de rever os trabalhos pendentes porque sai cedo para trabalhar, chega à noite e deixa o filho com o irmão mais velho e gostaria de saber se as atividades estão realmente sendo realizadas e quais estão pendentes; outra mensagem veio de um colega professor, lutando para usar um de seus aplicativos.
Também recebi um amontoado de mensagens para agendar aulas “online” para grupos de alunos, aos quais tenho de atender durante a aula. Outra mensagem era sobre aplicação do teste de psicogênese (estudo dos processos mentais e de personalidade) para o segundo semestre letivo.
Como professora vejo ainda mais claramente a desigualdade social que existe no Brasil. Os alunos que possuem recursos próprios podem acessar a plataforma virtual com aulas “online”, atividades diversificadas, interativas, “gamificadas”, vídeos, etc., que estimulam e ajudam a melhorar o ensino e a aprendizagem.
Enquanto quem não tem meios e recursos financeiros fica privado desse direito, como é o caso dos meus alunos que não acessam à plataforma virtual. Eles recebem apenas atividades impressas ou realizam atividades em livros didáticos. Desta forma vejo que a plataforma falha, com seus pontos de exclusão. E meus alunos? Penso que eles não estão tendo as mesmas oportunidades que os outros. Esse é um problema social e econômico brasileiro, e julgo que global, que continua atrasando o desenvolvimento pessoal e de muitas Nações.
O mesmo ocorre com os professores, que também estão se adaptando de forma desigual, pois enquanto uns possuem ferramentas e conhecimento tecnológico, outros não possuem recursos financeiros ou não têm facilidade para se adaptar à tecnologia. Penso ser necessário mais investimento em treinamento. São tantos os pensamentos simultâneos… A todo instante é preciso organizá-los na agenda mental…
Com o início das aulas à distância, senti que era necessário comprar um novo celular com mais memória e uma boa câmera fotográfica, pois o que eu tinha não suportava as funcionalidades do que faço hoje. Também tive que comprar um pacote de dados móveis, aumentar a velocidade da “internet” doméstica e aumentar a memória do meu antigo “notebook”. Pena que por mais que você pague pelos pacotes de “internet”, no Brasil o serviço é muito caro e a qualidade péssima, pois a Internet trava a todo momento. Todas as empresas fazem belos anúncios, mas o serviço de todas é muito caro e ruim.
A cada dia me preocupo em fazer pesquisas e estudos de diversas ferramentas e recursos tecnológicos, pois sei que meu papel não é só ensinar, mas também cuidar da formação do caráter de meus alunos. Pelo menos, não sinto tanta dificuldade com o funcionamento da plataforma remota, pois tinha alguma experiência com alguns recursos audiovisuais que utilizava nas minhas aulas presenciais. Por um instante, minha mente vagueia pensando que meu orçamento financeiro está curto em razão de tantos gastos pessoais que faço com algo que os governos é que deveriam se importar: compra de computador, celular novo, quadro branco, pincéis especiais, iluminação, entre outros…
Sacudi minha cabeça para parar de pensar sobre isso e sigo. Se uma professora também se preocupa com isso tende a ficar deprimida.
Continua…