Direto de Brasília-DF.
Profa. Dra. Paula Meyer Soares (UnB-FGA)
Laura Vieira Maia de Sousa (UnB-FGA)
O ano de 2020 ficará marcado para a história da humanidade como sendo o ano em que o medo, a incerteza, a tristeza e o isolamento social se tornaram as principais companhias do cidadão comum.
No Brasil, as cifras de óbitos decorrentes da infestação do COVID-19 já somam mais de 143 mil mortes, sendo que o número de infectados já ultrapassa a casa dos 4,5 milhões de brasileiros. De acordo com o Boletim Focus, publicação do Banco Central, as previsões econômicas para o ano de 2020 refletem esse cenário de pandemia, a previsão de expansão do PIB do Brasil é de -5,5%, a produção industrial é de -,6,3%.
Além das perdas materiais, as perdas afetivas empurraram uma legião de pessoas ao vale sombrio da ansiedade, depressão e outros males mentais. Dentro desse contexto o governo brasileiro apressou-se em tomar as providências cabíveis para evitar o avanço do contágio em várias localidades no país com orientações relativas ao isolamento social, uso de EPIs, ações de combate a disseminação do vírus como o uso do álcool em gel 70% e ações de identificação dos grupos contaminados. Tais medidas mudaram a rotina de vários cidadãos no Brasil e no mundo. As residências transformaram-se em home offices, as crianças passaram a ter aulas ‘online’ e os pais tornaram-se professores e tutores de suas proles.
Além de medidas para conter o avanço da contaminação entre os cidadãos, o governo adotou várias medidas que resguardassem e assegurassem a continuidade na prestação de serviços considerados essenciais.
Nessa coletânea de 3 artigos faremos uma exposição clara e objetivas acerca das ações e iniciativas adotadas pelo governo brasileiro em relação à prestação de serviços do setor elétrico. O primeiro artigo discorrerá sobre as medidas adotadas de cunho econômico e financeiro, direcionadas aos segmentos que compõem a cadeia produtiva do setor elétrico (geração, transmissão e distribuição). O segundo artigo tratará sobre os efeitos de algumas dessas medidas para conter a inadimplência, desequilíbrio econômico das distribuidoras, leiloes de energia em 2020. O terceiro artigo tratará sobre as perspectivas para o setor elétrico pós-pandemia.
Em março de 2020, tão logo o país reconheceu a gravidade do avanço do COVID-19 e seu efeitos devastadores sobre a população de uma maneira geral, o governo brasileiro de forma descentralizada instituiu várias medidas que resguardassem ou que minimizassem os danos decorrentes dessa pandemia.
No que tange à prestação de serviços da cadeia do setor elétrico, o governo tão logo decretou uma série de medidas provisórias e decretos que assegurassem a continuidade dos serviços nesse cenário de pandemia. A MP 926, por exemplo, incluiu o setor elétrico no rol de setores essenciais da economia, isso significa dizer que as atividades e serviços que englobam a cadeia devem seguir o curso normal de oferta haja visto que tantos outros setores, como os da área de saúde nesse momento crítico pandêmico requer continuidade de suas atividades.
Dentro desse contexto a ANEEL instituiu em março 2020 uma série de medidas que socorressem alguns segmentos do setor e que garantissem o suprimento energético àqueles usuários mais vulneráveis economicamente falando.
Por meio da MP 950 que abriu crédito extraordinário de R$ 900 milhões para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) objetivando financiar a conta de luz dos consumidores de baixa renda, teve prazo estendido até 04/10/2020.
Por meio da edição da MP 950, mais um socorro financeiro é direcionado às distribuidoras de energia. O isolamento social provocou uma queda na demanda de energia estimado em -9,3% da carga de energia comparada com 2019. A paralisação de alguns setores da economia, a indústria e o setor de serviços, por exemplo, tem uma projeção de redução de suas atividades de -4,5% e -5% respectivamente para 2020.
Os contratos de compra e de venda selados entre distribuidoras e geradoras por sua vez mantiveram-se e as “sobras’ de energia não consumida foram negociadas no mercado livre a preços módicos. Esse diferencial entre os preços – o contratado e o comercializado – provocou desequilíbrios econômico-financeiros aos balanços de várias distribuidoras de energia. Dentro desse contexto, preveem-se empréstimos da ordem de R$ 600 milhões oriundos do Tesouro Nacional e bancos privados e BNDES. Essa engrenagem financeira de socorro cairá no colo do consumidor de energia a partir de 2021 quando os reajustes tarifários forem permitidos.
Quadro 1 – Carga de energia (Taxa de crescimento % anual)
Revisão Extraordinária 2020-2024
Subsistema | 2020 | 2021 | 2022 | 2023 | 2024 |
Norte | -1,5 | 5,5 | 4,4 | 3,2 | 3,9 |
Nordeste | -2,3 | 5,0 | 4,4 | 4,3 | 4,3 |
Sudeste/CO | -3,6 | 3,9 | 3,7 | 3,6 | 3,4 |
Sul | -1,9 | 3,7 | 3,8 | 3,6 | 3,7 |
TOTAL | -9,3 | 18,1 | 16,3 | 14,7 | 15,3 |
Apesar dos esforços em socorrer as distribuidoras, os reajustes tarifários previstos para 2020 foram vetados. O estado de calamidade pública decretado reconhece que não é um período de ajustes monetários e mais uma vez as distribuidoras saem perdendo. E para tornar a situação financeira mais instável das distribuidoras, a Resolução 878/2020 expedida pela ANEEL impede quaisquer categorias de corte de energia devido à falta de pagamento. Essa medida mantêm intocável a situação de 10,8 milhões de unidades consumidoras reconhecidas como consumidores de do grupo de baixa renda. Essa medida nocauteia o segmento de distribuição que é obrigada por lei adquirir 100% do montante de energia anos antes da sua posterior distribuição. Essa exigência busca garantir o suprimento energético dos consumidores cativos nós.
Em suma esse ano de 2020 ficará marcado como sendo mais um ano em que o setor energético teve que buscar mecanismos para garantir a continuidade dos serviços e mais uma vez a conta será paga pelo usuário.
Essa não será a primeira e nem a última vez que o setor de energia brasileiro atravessa períodos de crise. A crise hidrológica iniciada em 2012, a aprovação da MP 579/2012 que autorizava a renovação de algumas concessões de energia e a retirada de alguns encargos setoriais da tarifa de energia, a inserção das termelétricas no despacho de energia durante o período seco trouxe novamente a discussão do GSF abaixo de 1 e a exposição financeira das geradoras ao risco.
Essa e outras questões foram vivenciadas pelo setor elétrico brasileiro desde então. Todavia, percebemos que apesar da complexidade da cadeia produtiva do setor, o marco regulatório é consistente e tem se adequado as situações mais diversas. Em suma, esse ano mesmo diante das intempéries do COVID-19, as instituições têm-se mostrado eficientes para tomar as decisões necessárias garantindo e minimizando os danos causados pelo avanço da COVID-19.
Continua…