O ditado deveria ser exatamente o inverso, ou seja, esses são temas que se discutem o tempo todo, e, não raramente, elas descambam para uma atmosfera perigosamente hostil.
No futebol, na data de hoje, o trending topics é a máfia das apostas; na política o atual assunto do momento é a cassação, à unanimidade, pelo TSE, do mandato de deputado federal pelo Paraná do ex-procurador da República Deltan Dallagnol.
A cassação do registro de candidatura foi à unanimidade, ou seja, todos os seis membros julgadores deram provimento ao recurso eleitoral interposto contra o registro da candidatura deferido no âmbito do TRE-PR. A cassação se deu pela aplicação da regra do artigo 1º, inciso I, alínea “q”, da Lei Complementar n. 64/90 e o voto do relator, do qualificadíssimo ministro Benedito Gonçalves, foi acompanhado pelos demais pares e me pareceu bem fundamentado, técnico, escorreito e coerente com a linha da jurisprudência (pro societate) que vem sendo sedimentada a respeito do assunto.
Particularmente, não concordo com algumas hipóteses de inelegibilidades inseridas na Lei nº 64/90 pela Lei da Ficha Limpa, mas este é um problema do poder legislativo, não do Judiciário.
Embora tenha dado o meu pitaco sobre o assunto acima, descumprindo o ditado popular, este breve ensaio não versa sobre qualquer análise jurídica ou um juízo de valor se estaria correto o TSE, que cassou o registro da candidatura, ou o TRE-PR, que deferiu o registro da candidatura do ex-deputado, que, sabemos, ainda pode recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal) para voltar a ocupar o cargo eletivo.
O que me chama a atenção neste caso não é a decisão em si, relativamente simples e coerente com a linha do TSE para quem acompanha de perto o tema, mas sim as chamadas candidaturas sub judice e o quanto que isso impacta a sagrada liberdade do voto do eleitor.
Será que o eleitor é devidamente informado de que determinado candidato está com registro sub judice e que pode perder o mandato caso futuramente tenha um revés processual? Ao eleitor é dada a informação clara e precisa de que se votar naquele candidato o seu voto também está sob risco?
Obviamente que toda a qualquer candidatura sub judice envolve uma situação jurídica indesejável, seja para a justiça eleitoral, seja para o eleitor, seja para o próprio candidato, seja para seus adversários e, porque não dizer até mesmo para a coletividade. Exatamente por isso, juridicamente falando, a regra é a da candidatura definitiva e a exceção é a da candidatura provisória.
Contudo, infelizmente, há situações em que não há tempo suficiente para o Judiciário julgar definitivamente todas as ações de registro de candidatura e pode acontecer de um candidato submeter-se ao sufrágio eleitoral com a candidatura sub judice.
A lei prevê estas situações, como se observa no artigo artigo 16-A da Lei das Eleições (Lei nº 9.504) quando diz que “o candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior”.
Como se observa acima a situação indesejável é prevista na lei e por ela regulamentada e está muito claro para o candidato e para o seu partido que “a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior”.
Mas, será que isso está claro para o eleitor quando assiste o horário eleitoral no rádio e na televisão ou quando observa o tal candidato a pleno pulmões em campanha eleitoral? Será que ele sabe que se ele votar naquele candidato, o seu voto nele também estará sub judice?
Por outro lado, sob a perspectiva do candidato sub judice, será que ele dirá ao eleitor que ele deseje conquistar o voto que a sua candidatura está sub judice? Deveria dizer isso, sendo sincero e transparente?
Está obvio na lei que entre proibir ou permitir o sujeito de candidatar-se sub judice, optou-se pelo caminho do mal menor, daí porque transparência e sinceridade com o eleitor da situação jurídica sub judice não é um favor, mas um dever garantidor da livre expressão do voto.
Imagine-se proibir alguém de participar do processo eleitoral e no julgamento final dos recursos, após as eleições, verificar-se que seria legítima a sua candidatura? E, ao contrário, imagine-se deferir a candidatura sub judice, o sujeito ser eleito, e ao final ser reconhecida a ilegitimidade do registro da sua candidatura? Adotou-se esta última solução, mas não é imune de consequências como as que estamos vendo.
Pensando por mim, como eleitor, digo sinceramente que teria minhas muitas dúvidas em votar num candidato sub judice com candidatura provisória, mesmo sabendo que poderiam existir recursos temerários interpostos por partidos adversários apenas para criar uma imagem negativa no eleitorado de que a candidatura seria provisória.
Meu voto é sagrado, meu instrumento mais poderoso de participação democrática, e confesso que eu não o daria a um candidato com registro provisório que, se fosse eleito, estaria numa situação jurídica de limbo: provisoriamente empossado, porque sujeito a confirmação do registro pelo tribunal superior como expressamente diz a lei.
É verdade que todos perdem com este tipo de situação, mas perde mais o eleitor e a coletividade quando não são informados com clareza e transparência de que o candidato que ele pretende escolher está com um registro provisório de candidatura. Não é justo, nem lícito ferir a intocável liberdade de escolha do eleitor.
Voltando aos trending topics, se hoje alguém afirma que foram “calados” centenas de milhares de eleitores que votaram no sujeito que foi eleito que estava com candidatura sub judice é preciso identificar a causa da mordaça, se é que ela aconteceu.
Certamente não é do TSE que julgou um recurso que foi interposto, antes das eleições, contra o deferimento da candidatura provisória.
Seria do candidato que não informou na campanha eleitoral, com transparência e publicidade máxima, ao eleitores de que sua candidatura estava sob risco porque era uma candidatura provisória? Seria do partido que não trocou o candidato sub judice antes das eleições e assumiu o risco de a candidatura não ser confirmada pelas instâncias superiores?
Enfim, a provisoriedade da candidatura está prevista em lei e nela também estão previstas as consequências, como a que aconteceu no TSE no caso Deltan. Se o candidato sub judice não for eleito, zero problema; ser for eleito, perderá o mandato como já predeterminava a lei.
O que precisa ser discutido no âmbito jurídico — até para que os eleitores desses candidatos sub judice não se sintam “calados” — é saber se sabiam ou não que estavam votando em alguém que tinha uma candidatura provisória. Se sabiam, assumiram o risco e “segue o baile”; se não sabiam, se não foram devidamente informados e se sentiram enganados então essa conta não é do judiciário eleitoral.
Talvez seja hora de retomar a discussão sobre a quem favorece o encurtamento do tempo de campanha eleitoral e se não é o caso de deixar um calendário mais longo para julgamento da impugnação dos registros de candidatura. Mas este é assunto para outra prosa.
#FOCONAFONTE : https://www.conjur.com.br/2023-mai-21/abelha-rodrigues-eleitor-liberdade-voto-candidatura-subjudice