Direto de Brasília-DF.
Nesta terceira parte deste artigo que trata da lealdade dividida, tema já discutido na Grécia clássica, inicio por lembrar as palavras de Thomas Paine, considerado um dos “pais” dos Estados Unidos da América do Norte: “Quando o Estado teme o povo, nós temos liberdade e democracia, mas quando é o povo que tem medo do Estado, então estamos diante de uma tirania”.
Em que pé estamos nesta momento da história do Brasil? Quem tem medo de quem?
Já passamos por cinco Repúblicas desde 1889 até hoje. Convém lembrar que mesmo com um governo de exceção, ou seja, uma ditadura de esquerda como houve na antiga URSS, como a que ainda existe em Cuba e Venezuela (países em que estive no ano de 2008 e 2011 respectivamente) ou com uma ditadura de direita, como foi o caso da militar no Brasil, um país não necessariamente deixa de ser uma República. Desta forma podemos traçar uma linha de tempo histórica de forma resumida das repúblicas que tivemos no Brasil, assim:
Começamos com a República Velha de 1889 a 1930. Esta foi a tal república do “café com leite”. Depois veio a república ditatorial de Vargas de 1930 a 1945, criadora da Consolidação dos Direitos do Trabalhador (CLT) e derrubada pelo Exército, em 1945. Seguiu-se a chamada República Populista de 1945 a 1964, cujo poder esteve em mãos diversas, inclusive na de Getúlio Vargas que após derrubado voltou ao poder nos braços do povo em 1950 e, por relação de importância vale citar também Juscelino Kubitschek, eleito em 1955 com fundamento em sua promessa dos 50 x 5 (fazer o Brasil avançar 50 anos em 5).
A república segue com a Ditadura Militar que durou de 1964 a 1985, quando o general João Batista Figueiredo, ano em que decreta a anistia, ampla geral e irrestrita, restabelece o pluripartidarismo e sai de cena com sua famosa frase publicada na Folha de São Paulo de 02 de abril de 1987: “(…) Eu fiz essa abertura aí, pensei que fosse dar numa democracia, e deu num troço que não sei bem o que é.”.
Por fim, instalou-se a Nova República no ano de 1985 e esta passou a governar politicamente a Nação brasileira. Esse novo período é chamado de redemocratização, porque conseguimos o sonho de sair da ditadura militar que durou 21 anos e voltamos a ser uma democracia que já dura 33 anos de governos civis aos quais foi entregue a responsabilidade de redemocratizar politicamente a Nação e garantir os direitos básicos constitucionais de segurança pública, saúde, educação, transporte, moradia, previdência social, etc,. O que não pode jamais deixar de ser dito é que estes direitos é que garantem em qualquer país do mundo o que estudiosos políticos como Quentin Skinner chamam de “mínimo de dignidade social”.
Especificamente no que diz respeito ao desenvolvimento econômico-social do Brasil parece-me inegável que o pouco que avançamos a corrupção política, sistêmica e generalizada nos fez retroceder o triplo.
Quando lancei a primeira e única Enciclopédia do mundo sobre corrupção com dinheiro democrático (procure no Google como: Coleção Corrupção no Mundo em português ou Encyclopedia Corruption in the World, recentemente traduzida e lançada nos EUA) fiz questão de lembrar que “Não há democracia de ladrões, mas há ladrões que se tolerados podem derrocar a democracia”.
O Estado brasileiro foi constituído como um Estado Democrático de Direito. Democracia tem a ver com politica e o Direito com a ordem que deve haver, com a obediência às leis para que haja paz tato dentro de nosso território quanto com os demais Estados mundiais. É por esta razão que o artigo 1º da nossa Constituição diz que “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
“I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
Esse texto constitucional merece ser repetido: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Observe que o poder não está nas mãos do Estado mas da Nação, porque esta é composta do “povo”. Povo é Nação e Nação é Povo!
Observe, também, que o “Contrato Social” que a Nação brasileira (o Povo) assinou com o Estado Democrático de Direito (Órgãos e Instituições) impõe ao Estado que ele tutele ou proteja integralmente nossa soberania, cidadania, o mínimo de dignidade social a que cada um de nós tem direito como pessoa humana e os demais valores listados. Mas, que dignidade tem um povo que não tem emprego remunerado, segurança alguma para sair às ruas ou moradia nem mesmo de baixa renda?
Que dignidade tem um povo que não tem saúde pública e cujos prefeitos e governadores superfaturam licitações públicas, fraudam a merenda escolar ou constroem salas de aulas, mas não equipam as escolas nem contratam nem tratam com respeito aos professores?
Entenda que a Nação Brasileira instituiu “três Poderes” para realizar o governo em nome do Estado Brasileiro. Esses Poderes são os que estão descritos na constituição. Leia:
“Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”
Agora, observe que em nosso “Contrato Social” materializado em nossa Constituição, a Nação concede legitimidade ao Estado para que este atinja objetivos específicos. Eis os objetivos que os governos Federal, Estadual, Municipal e do Distrito Federal devem atingir:
“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
Você não traça objetivos para sua vida? Pois bem, os governantes já tem os objetivos previamente traçados na Constituição e demais Leis antes mesmo de entrarem nos cargos. Então, você deve estar se perguntando: eles não cumprem tais objetivos porque são burros ou porque não querem?
De minha parte a pergunta que faço é: Se o Governo possui todos os meios, se possui toda a máquina administrativa poderosa como ela é para realização dos fins que lhe está proposto na Constituição e não cumpre sua parte no pacto ou contrato social que celebramos, esta ação ou omissão desses governos não deve ser vista como quebra do pacto?
Se um Governo legitimado pela Nação (o Povo) não age com a honestidade e probidade prometida e dele exigida pelo “pacto social”; se o governo seja ele qual for trai a confiança que conquistou com o empenho de sua promessa que governaria para cumprir os objetivos fundamentais instituídos pela Nação, não está contradizendo seu juramento eleitoral e se deslegitimando perante o Povo que o elegeu?
Humberto Theodoro Junior diz em seu livro “Novo CPC – Fundamentos e Sistematização” (Saraiva, 2015, p.178), citando o político e jurista Ludwig Enneccerus e sua clássica teoria da “proibição do comportamento contraditório” que “a ninguém é lícito fazer valer um direito em contradição com sua conduta anterior, quando esta conduta foi interpretada objetivamente segundo a lei, os bons costumes ou a boa-fé”.
O Direito moderno cada vez mais se curva ao princípio da Boa-fé e da Tutela de confiança, reforçado no novo Código de Processo Civil brasileiro que entrou em vigor em 2016 (apesar que nesse país uma lei entra em vigor e poucos dias depois já tem de ser reformada).
Eu vou dar uma de “besta” aqui, e vou citar em Latim uma regra das mais importantes sobre Contratos em todo o mundo, como costumava ensinar a meus alunos (nem precisa ler em latim! Pode pular lá pra frente e ler somente o significado dela). A regra é: nemo potest venire contra factum proprium. Em palavras simples, se você celebrou um pacto ou um contrato com alguém e entre as partes houve o estabelecimento da confiança mútua, estas partes têm o dever de manter a palavra empenhada e garantir a confiança conquistada.
Uma das partes não pode se contradizer e querer no futuro fazer coisa diferente do que foi combinado inicialmente e, ainda mais, tendo sido o contrato assinado de de boa-fé, ou seja, ninguém foi obrigado a assinar com uma “arma na cabeça”.
Você acha que os políticos que vimos elegendo ao longo desses tempos têm sido fieis ao pacto social ou a preocupação deles tem sido com seus interesses pessoais?
O escritor Louis Wassermann ao analisar essas muitas doutrinas políticas discutidas por aí, tais como socialismo, comunismo e capitalismo diz que as eleições existem como forma de o eleitor cobrar responsabilidade de quem ele elegeu. em outras palavras, o mínimo que devemos fazer é trocar de candidato quando ele não trabalha em prol da Nação e sim de seus interesses pessoais, sejam estes quais forem
Sendo assim, porque nós brasileiros aceitamos tão ingenuamente as milhares de promessas vazias que todos os candidatos e todos os partidos nos fazem? Como podemos classificar um povo que há mais de 200 anos de fundação da sua República se deixa enganar eleição após eleição?