A noção de um Estado responsivo ganha especial relevância no estudo sobre a consolidação de uma gestão estatal desenvolvimentista, a qual reconhece a importância do mercado para o crescimento econômico ao mesmo tempo que não descuida do papel distributivo das políticas públicas [1]. Dentre os arquétipos de Estados desenvolvimentistas destaca-se o modelo híbrido, composto por três partes equilibradas: 1) as fortes instituições públicas burocráticas, que agem com impessoalidade e racionalidade; 2) o mercado, que emite sinais de onde melhor alocar o dinheiro; e 3) a participação democrática, cujo exercício empodera os administrados para que manifestem seus interesses e controlem as decisões públicas [2]. Nessa dinâmica, a noção de responsividade se aplica tanto na relação Estado-Mercado como na relação Estado-Administrados.
No primeiro caso, a responsividade surge no papel do Estado-Empresário [3], que passa a assumir riscos na alocação do dinheiro, aumentando sua responsabilidade na captação correta dos sinais emitidos pelo mercado e no aporte eficiente dos investimentos. No segundo caso, a responsividade é entendida como “a capacidade dos governos de responder às preferências dos cidadãos por meio das políticas públicas postas em prática” [4], conferindo meios para que os administrados expressem seus interesses, exijam sua ponderação e controlem os resultados. Percebe-se, pois, que em ambos os casos, a responsividade exige a aproximação das partes para que seja desempenhada.
A regulação responsiva segue em linha com os ditames de um Estado responsivo. De um lado, as agências reguladoras devem compreender as limitações do mercado em cumprir com determinados comandos regulatórios que se deseja implementar, evitando o delineamento de regras inexequíveis ou que possam gerar milionários sancionamentos, prejudicando as empresas de forma irreversível. De outro, devem levar à cabo as políticas públicas de universalização e qualidade do serviço prestado, em atendimento ao interesse público.
Nesse sentido, a teoria da regulação responsiva idealizada por Ian Ayres e John Braithwaite [5] (que é flexível e permite se amoldar aos mais variados contextos jurídicos, sociais e econômicos) é delineada em forma de pirâmide, cuja base é composta por meios consensuais de cumprimento do comando regulatório e o ápice representa o meio mais severo de intervenção regulatória. Essas medidas — leves e severas — dependerão do arcabouço jurídico e regulatório de cada país e de cada agência reguladora.
Na tranche inicial, a agência reguladora compreende as razões pelas quais o comando não foi obedecido e, em conjunto com o agente regulado, sopesa soluções que possam endereçar o problema, de acordo com os limites e capacidades da parte.
À medida em que o agente regulado descumpra os compromissos que firmou, reitere as infrações ou demonstre má-fé (dentre outros fatores que possam ser elencados quando da implementação da teoria), a agência poderá escalar a pirâmide em busca de instrumentos coercitivos e mais onerosos de cumprimento das obrigações [6]. Não se trata, contudo, de via de mão única: caso entenda pertinente, a agência reguladora pode descender a pirâmide, voltando a utilizar meios menos intrusivos.
Tudo isso feito a olhos públicos — desde o planejamento cooperativo até a aplicação da sanção mais severa — deve ser conferida publicidade necessária para que haja acompanhamento e controle dos interessados.
Trata-se, assim, da manutenção dos comandos regulatórios (que buscam exigir ações benéficas às políticas públicas que se intenta cumprir), mas que oferece como primeira opção, a tentativa dialogada da solução do problema (buscando entender as razões do mercado/agente regulado), com a possibilidade de controle por parte dos demais administrados.
Na prática, algumas agências reguladoras se mostraram inclinadas à implementação da teoria da regulação responsiva [7], conferindo maior permeabilidade às suas ações e abrindo-se para adoção de soluções consensuais. A adoção da teoria demonstra um amadurecimento regulatório, que não se fia exclusivamente na aplicação de sancionamentos, mas na tentativa de verdadeiramente solucionar o problema a partir da correção acordada da atividade do regulado. Trata-se, ao fim e ao cabo, de um modo mais eficiente de se fazer cumprir o arcabouço regulatório.
Nada obstante, para que haja segurança jurídica a todos, é necessário que se delineiem precisamente as características da teoria da regulação responsiva no âmbito de cada agência reguladora, conferindo-a, de preferência, uma certa uniformidade de tratamento.
Destacam-se alguns pontos que merecem estabelecimento de regras claras quando da implementação da teoria: as soluções consensuais que possam ser adotadas na base da pirâmide; a forma de negociação dessas soluções consensuais; o monitoramento dos compromissos assumidos; a frequência sobre adoção de soluções consensuais em relação a um mesmo tema ou a um mesmo agente regulado (admite infrações reiteradas?); as razões que justificam a escalada na pirâmide em busca de intervenções regulatórias mais onerosas; a gradação dos sancionamentos ao longo da pirâmide regulatória; a possibilidade de impugnar a decisão da agência reguladora de escalar a pirâmide; o grau de publicidade que será conferida às informações do processo; o nível de controle de terceiros; os prazos e competências; e a aplicação de precedentes.
Apesar de louvável a abertura em prol de novos modelos regulatórios, existe um longo caminho a ser percorrido para que a teoria seja colocada em prática. Não é possível agir com base na teoria da regulação responsiva sem que haja respaldo em regras previamente postas, as quais devem, inclusive, ser colocadas a escrutínio público através de consulta pública e sopesadas no âmbito de uma Análise de Impacto Regulatório (em obediência aos artigos 6º e 9º da Lei nº 13.848/2019).
A segurança jurídica deve advir da expressão das regras do jogo, as quais devem dispor de previsibilidade, uniformidade, racionalidade e transparência. Só assim é possível se falar em uma verdadeira incorporação da teoria da regulação responsiva.
[1] COUTINHO, Diogo R. Direito, Desigualdade e Desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2014, p.185.
[2] EVANS, Peter. Harnessing the State: Rebalancing Strategies for Monitoring and Motivation. In: LANGE, M.; RUESCHEMEYER, D. (eds). States and Development: historical antecedents of stagnation and advance. New York: Palgrave Macmillan, 2005. p. 26-47. p. 30).
[3] EVANS, Peter. O Estado como problema e solução. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64451993000100006. Acesso em 10 mai. 2021.
[4] DINIZ, Eli. Desenvolvimento e o Estado Desenvolvimentista: tensões e desafios da construção de um novo modelo para o Brasil do século XXI. IN: Revista de Sociologia e Política v. 21, nº 47, setembro, 2013, p.13.
[5]AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation: transcending the deregulation debate. Oxford: Oxford University Press, 1992.
[6] BALDWIN, Robert. BLACK, Julia. Really Responsive Regulation. LSE Law, Society and Economy Working Papers 15/2007, p. 8.
[7] Especificamente a Aneel, a Anatel, a ANTT e a ANM.
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