Na Europa o discurso acerca do fashion capital, movimento que se preocupa em conectar o patrimônio cultural da moda europeia com o futuro das marcas e da moda, começa a ganhar importância e força.
Esse movimento tem a finalidade de potencializar o legado da moda europeia, através do European Fashion Heritage Association, associação fundada em 2012 e que reúne mais de 40 instituições europeias, públicas e privadas, combatendo a ideia do que o que fizemos e usamos ontem é algo velho, ultrapassado e deve ser descartado.
A mencionada associação constituiu-se a partir de um projeto prévio financiado pela Comunidade Europeia junto com Dieter Suls do ModeMuseum e outros 18 arquivos e museus, recolhe e coloca em diálogo instituições culturais da moda, arquivos e museus de marcas, pesquisadores, curadores e criativos com os olhos voltados para a valorização do patrimônio cultural digital da moda por meio do acesso online.
O projeto, devido à origem de seus recursos, concentra-se no fortalecimento da cultura de moda europeia, sem deixar, entretanto, de reconhecer todos os que fizeram parte da construção dessa identidade e aliás o próximo passo será tratar da questão da apropriação cultural tendo como centro o tratamento e compartilhamento do patrimônio cultural de comunidades tradicionais não europeias dentro desses arquivos.
Em nosso país temos uma iniciativa pioneira e interessante com a finalidade de preservar e difundir o artesanato nacional a Rede Artesol – Rede Nacional do Artesanato Cultural Brasileiro, localizada em São Paulo, uma organização sem fins lucrativos, fundada em 1998, pela antropóloga Ruth Cardoso, à época primeira-dama do país, que também atingiu e conquistou a moda.
Tal associação surgiu com a finalidade de retirar os grupos de artesãos da vulnerabilidade social por meio da geração de renda, mas também para mostrar que o artesanato não era simplesmente fazer coisas, mas sim uma expressão cultural, que falaria sobre nós brasileiros e sobre o nosso país.
Compõem, atualmente, a Rede Artesol: A) projetos de bordados: 1) Clarearte – MG; 2) Matizes Dumont – MG; 3) Art Ilha – AL; 4) Timbauba – MG; 5) Cabocla Criações – GO; B) projetos com couro: 6) Espedito Seleiro – CE; 7) Irineu do Mestre – PE; C) projetos de tecelagem: 8) Redeiras do Extremo Sul – RS; 9) Central Veredas – MG; 10) Carqueijo – CE; 11) Xique Xique – PI; 12) Aumma – BA; D) projetos com renda: 13) Renda Irlandesa Asderen – SE; 14) Renda Renascença Renasci – PB; 15) Rendeiras Bilro de Ouro – MA; 16) File Inbordal – AL; E) projetos com trançado: 17) Capim Dourado Mumbuca – TO; 18) Buriti Artecoop – MA; 19) Piaçava Copartt – BA; 20) Carnaúba Ipaguaçu Mirim – CE; 21) Cooperafis (Sisal e Caroá) BA; F) projetos de crochê: 22) Artfio – CE; 22) Pampa Caverá – RS; 24) Agulha Mágica – DF.
Para a Rede Artesol o artesanato e a tradição têm potencial para gerar renda para diversas comunidades, muitas vezes afastadas das oportunidades de trabalho como as ribeirinhas, caiçaras, quilombolas e sertanejas espalhadas pelo país.
No momento da criação da Rede Artesol o artesanato tradicional brasileiro era totalmente desconhecido e desvalorizado, nacional e internacionalmente, e as técnicas tradicionais herdadas, dos nativos, dos povos africanos e dos europeus estavam sendo esquecidas sendo necessário a organização de uma estrutura que possibilitasse que as técnicas fossem materializadas em objetos com potencial comercialização e lucro, fundamentos da economia da cultura, na qual bens não materiais adquirem valor de mercadoria.
Com esse foco, a Rede Artesol instituiu um programa para capacitar os artesãos, além de organizar exposições, seminários, oficinas e festivais para levar até as pessoas a importância desses saberes e fazeres, criando conexões do artesanato com outras dimensões da sociedade inserindo-o em temas contemporâneos.
Essa capacitação inclui questões administrativas, de comercialização e de comunicação, interferindo na lógica do produto e criando nos grupos de artesãos a importância de inovação e de desenvolvimento para atender às demandas atuais do mercado com um consumidor cada vez mais exigente.
Com essa iniciativa verificou-se que as técnicas usadas pelo nosso artesanato saíram de lugares até então considerados distantes para alcançar as passarelas brasileiras e internacionais propiciando essa visibilidade a celebração de parcerias que se estabeleceram entre marcas, designers e grupos de artesãos através da articulação promovida pela Rede Artesol.
Para os responsáveis pela Rede Artesol a moda começou a olhar para toda a riqueza de materiais e técnicas do artesanato brasileiro e percebeu que eles são fonte de originalidade e geradores de valor que acrescenta mais valor a moda brasileira diferenciando-a e tornando-a única e especial.
Para a Rede Artesol o artesanato também faz com que a moda mantenha tradição e inovação a cada novo produto fazendo com que ele dialogue com o tempo atual.
Ademais, como a indústria da moda tem sido cada vez mais e mais chamada à responsabilidade socioambiental pelo seu consumidor o artesanato tornou-se um recurso eficiente em sua dimensão prática, estética e simbólica.
Nota-se, contudo, que a Rede Artesol é uma excelente iniciativa, mas a moda brasileira precisa de diversas outras, a exemplo do projeto europeu descrito no começo desse trabalho, para unir o antiquado e o contemporâneo conectando nossas marcas ao nosso patrimônio cultural para que consigam um diferencial para se manterem competitivas no cenário internacional.