Direto de Brasília-DF.
O Socialismo já sabemos o que é, em razão dos artigos passados. Agora, Socialismo Cristão, que doutrina sócio-teológica é esta? Não é estranho que algo tão paradoxal possa surgir? Afinal, o que pretende o Cristianismo no terreno dominado pelo ateísmo? Pretendia ou pretende convertê-lo também? Talvez, a resposta passe por esta última indagação.
Três grandes movimentos sociais solaparam a influência que a Igreja Católica (que governava parte do mundo) exercia. O Renascimento, a Reforma Protestante e o Iluminismo. Em todos esses movimentos sociais (do séc. XIV a XVIII) houve um despertar da razão humana para a ciência. O ser humano passou a olhar mais horizontalmente e a fazer de um mundo outrora teocêntrico (Deus no centro de tudo), uma existência mais antropocêntrica(o homem no centro de tudo).
Para acender mais velas na escuridão da história, veio a Declaração Universal dos Direitos do Homem (Virgínia/EUA-1776), a Revolução Francesa de 1789 e a Revolução industrial, nesse mesmo período. Não foi a lâmpada que Thomas Edison acendeu, mas o despertar da luz da razão que fez o ser humano enxergar a sim mesmo com alguém capaz de dirigir seu próprio destino, sem a interferência clerical.
Os muitos movimentos econômicos e doutrinas sociais, entretanto, não têm sido capazes de suplantar no homem essa fagulha da falta de ética, essa ganância que faz do Liberalismo, do Capitalismo, do Capitalismo de Estado, do Marxismo, do Socialismo, do Comunismo, do Sindicalismo e agora, do Socialismo Cristão, estratégias políticas para o lucro pessoal, familiar ou de amigos e desconhecidos escolhidos como “laranjas”, tudo afim de saquear os cofres do Estado e enriquecer às custa do trabalho e taxação do povo.
Porque o Cristianismo se imiscuiu nessa seara? Foi uma questão de percepção de perda de espaço por parte de alguns e questão de humanidade por parte de outros clérigos. Afinal, convertendo a ideia socialista seriai possível fazer nela adaptações úteis sem perder espaço e poder, o que no final significa que seria possível lucrar em todos sentidos com a nova estratégia, à luz dos ensinamentos de Cristo, uma autoridade que não podia nem pode ser desprezada por sua revolucionária forma de pensar.
Alguns membros da classe eclesiástica de forma astuta e brilhante perceberam que o Socialismo havia ignorado o lado espiritual do ser humano com todas as suas promessas materiais e como o Socialismo era doutrinariamente a ante sala doComunismo, enxertar o Cristianismo nessa base seria como dar um xeque-mate no avanço do ateísmo. Nessa tarefa de “cristianizar” o socialismo tanto o credo católico e protestante se uniram inicialmente.
Na França, o pastor protestante (que de início recebeu apoio do Papa LEÃO XII) Robert de Lamennais percebeu que o “clima” europeu de tantos movimentos de protesto contra a pobreza em que viviam os trabalhadores, não era favorável à religião. Somado a esse panorama o despertar da ciência e o humanismo racional, ou a classe religiosa aproximava a teologia do bem estar social ou perderia de vez o lugar na galeria dos interesses humanos. Foi assim que o pastor Robert de Lamennais começou a pregar por toda a França, que o Cristianismo deveria assumir como sendo sua a luta pela liberdade, pela igualdade e pela fraternidade. Em outras palavras, o Cristianismo seguiria construindo sobre da Revolução Francesa.
Do outro lado do Canal da Mancha, na Inglaterra, foi lançado em 1848 o Socialismo Cristão, por John Ludlow, Frederick Denison e outros cristãos anglicanos revoltados com a miséria sócio-econômica na qual viviam os trabalhadores por toda a Grã-Bretanha.John Ludlow e os demais fundadores do movimento pretendiam como socializar os recursos privados e colocá-los nas mãos de trabalhadores, organizados cooperativamente e com justa divisão entre seus membros.
A crença entre os Socialistas Cristãos era de que os ensinamentos de Jesus Cristo possuem como fundamento a socialização dos meios econômicos, assim como das relações interpessoais, sem a sordidez hipócrita de Judas Iscariotes (como registrado no evangelho de João 12:4) que falava em vender o bálsamo que Maria, irmã de Lázaro, derramara sobre os pés cansados de Cristo, para supostamente “distribuir aos pobres”. Talvez a ética cristã fosse mais fiel a uma justa distribuição, atestado por Cristo ao dizer a um garoto que o interpelou sobre o reino dos céus: “Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, e segue-me”
O imperativo categórico do Socialismo Cristão (bem mais antigo que o imperativo categórico de Kant, que já citei em artigos anteriores) era reconhecer que o Cristianismo deve operar sua ética na economia, no social e no campo pessoal ou, do contrário, é doutrina estéril, imprestável aos verdadeiros fins ensinados por seu fundador.
O Socialismo Cristão, por óbvio, rejeitou o Marxismo e sua cultura ateísta e chegou a nossos dias como “Teologia da Libertação”. Aqui pelas terras da América Latina seu movimento também não prosperou ao ponto que desejava, ou seja, tomar o Poder e exercê-lo plenamente de modo a coletivizar todas as propriedades privadas e não funcionou por várias razões.
De um lado a história nos leva a pensar que teólogos modernos como Leonardo Boff e os demais que pregaram com fervor a Teologia da Libertação, podem não haver compreendido bem as propostas originais dos Socialistas Cristãos que, na essência, jamais quiseram acabar com a liberdade individual e a propriedade privada, de outro os pioneiros do Socialismo Cristã não criaram sua doutrina social para ser atrelada ou mesmo “devorada” por espécie alguma de comunismo nacional como aconteceu como o comunismo oriundo da Revolução Bolqueviche levada à cabo na Rússia por crápulas genocidas como Joseph Stalin.
Certamente para Robert de Lamennais, John Ludlow, Frederick Denison e outros cristãos anglicanos, se alguma associação pudesse ser feita entre a ética cristã e a ética dos comunistas russos, a mais provável seria associar a ética destes à de Satanás (sem importar se verdade ou mito) que é a ética do: roubar, matar e destruir. Tais lemas não poderiam e não podem teologicamente serem associados à ética de Jesus Cristo. Pelo menos, não para quem tenha estudado e compreendido os elementos básicos da Teologia Cristã, que prega os ensinamentos de Cristo, como ideal a ser perseguido vida a fora.
Esses ensinamentos básicos extraídos, por exemplo, do “Sermão da Montanha (registrado no evangelho de Mateus 5:3-16), que segue abaixo transcrito e que espero que você leia sem preconceito (Afinal, as pessoas leem tanta “merda” em todas as redes sociais…) sem fazer juízo de valor, que me causa pavor quando cito a Bíblia, o Corão ou o Bhagavad-gitã e vejo que alguns fazem “beicinho”, só porque são livros religiosos. “Quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê”, já dizia sabiamente Monteiro Lobato!
Eis um texto literário que qualquer escritor do mundo gostaria de ter sido o autor. Eis o “sermão da montanha”. Leia:
“3 Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus;
4 Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados;
5 Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra;
6 Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos;
7 Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia;
8 Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus;
9 Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus;
10 Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus;
11 Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e mentindo, falarem todo mal contra vós por minha causa.
12 Exultai e alegrai-vos, porque é grande o vosso galardão nos céus; porque assim perseguiram os profetas que vieram antes de vós.
13 Vós sois o sal da terra; e se o sal se tornar insípido, com que se há de salgar? para nada mais presta senão para se lançar fora, e ser pisado pelos homens.
14 Vós sois a luz do mundo; não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte,
15 Nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas no velador, e dá luz a todos que estão na casa.
16 Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras, e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus.”
De qualquer forma, o que começou como um movimento se cristalizou em um monumento, virou busto na praça pública da História. O Socialismo Cristã não durou muito e o Cristianismo voltou a defender o bem-estar social sob os cuidados do capitalismo, por reconhecer que o socialismo tende à abolição da liberdade individual e à coletivização da propriedade privada.
Agora que estamos chegando ao fim desta série de artigos (serão 40 artigos) espero que você esteja gostando e que recomende a leitura a seus amigos, e que eles estejam auxiliando você a conversar a partir de fundamentos científicos como o histórico, o político, o filosófico e não apenas com opiniões de rua, de boteco e de quem tenta colocar “cabresto” em você. Um abraço e até o próximo episódio.