Direto de Brasília-DF.
Para entender o surgimento do Sindicalismo como doutrina social é imprescindível entender o panorama francês durante o Século XIX. Eis quinze fatos históricos indispensáveis ao entendimento do surgimento do Sindicalismo:
1 – As guerras napoleônicas haviam terminado em 1815 com a derrota da Império Francês;
2 – A França adormece seus desejos imperiais, mas não os de colonização da África e América;
3 – Em fevereiro de 1848 a segunda república francesa é proclamada com inspiração no socialismo, no romantismo e no cristianismo, relembrando sentimentos humanitários da Revolução de 1789;
4 – Esse movimento de 1848 pretende colocar os trabalhadores no cenário político, em relação a uma burguesia que vencera as eleições e voltara com tudo ao Poder;
5 – A Assembleia Constituinte francesa queria uma república liberal e os trabalhadores uma república social. O conflito se instalou;
6 – Querendo pôr fim aos conflitos radicalizados pelos trabalhadores e à crise econômica, a Assembleia chamou Luis Napoleão Bonaparte III para resolver os problemas. Ele resolveu de imediato, mas em 1851 deu o golpe de estado e assumiu plenamente o poder. Em 1852 o Segundo Império foi proclamado à força e os sonhos imperiais de dominar o mundo voltam à tona;
7 – A França vai à guerra com Crimeia, Itália, China, Síria, reforça o poder colonizador na Argélia, Nova Caledônia, Camboja, Senegal, instala-se no Mar Vermelho e constrói, no Egito, o Canal de Suez em 1869. Vem o desenvolvimento econômico também ás custas dos territórios conquistados e da riqueza deles expropriada. Mas, internamente os trabalhadores seguiam com jornada de dez horas dia, salários miseráveis e proibição de greve ou qualquer outra manifestação.
8 – Napoleão III promoveu guerras de conquista desastrosas entre 1861/1867 e cometeu o erro maior ao declarar guerra à Alemanha de Bismarck, sendo vergonhosamente derrotado em 1870, quando então é proclamada a Terceira República;
9 – A França guardou rancor da derrota para a Alemanha. Sua fome por novos territórios a fez intensificar a política de colonização de países africanos. Em 1879 é eleito Jules Grevy para Presidente e ele decide separar o Estado em definitivo do Clero. Nesta época o prestígio da religião desce ladeira a baixo no país, como se vê até hoje;
10 – A França continua em crise de identidade entre ser República e Monarquia. Em 1875 surge uma nova Constituição e os republicanos maçônicos conseguem, por fim, separar Estado de Igreja, inclusive com a laicização das Escolas que passam a ser públicas e gratuitas, antes dominadas por grupos católicos;
11 – No período imediato após a Constituição de 1875 o nacionalismo exagerado vai tomar conta da França. Paralelamente o Socialismo segue crescendo e nessa confluência de movimentos, surge o Sindicalismo, como uma força só vista antes em outra doutrina revolucionária, o Marxismo;
12 – A questão social e religiosa segue causando conflitos e entre 1907-1910 a situação dos trabalhadores franceses era pior que dos alemães e ingleses. A “esquerda” se dividiu em várias facções. Marxistas, Socialistas, Comunistas, Anarquistas e Sindicalistas, todos apontando para a tomada do poder das mãos dos liberais Capitalistas;
13 – Em 1890 o governo da Terceira República da França se alia à Rússia. Passados dois anos eles celebram um acordo político com a Inglaterra (a “entente cordiale”), isolando a Alemanha;
14 – Em 1913 o novo presidente francês, Jules Henri Poincaré estabilizou a moeda, investiu num império colonial vasto e produzia carvão, ferro e aço com sobras, inclusive para exportar. Em meio ao crescimento seguia sequioso de se vingar da Alemanha pela perda da Alsácia e da Lorena. Havia, também, uma enorme ponta de ciúme da Alemanha porque esta tinha uma indústria mecânica, química e elétrica mais desenvolvida (esse quadro segue até hoje, em 2019, com raras exceções, como a indústria para exploração do fundo do mar);
15 – O isolamento imposto à Alemanha, associado a seu desejo imperialista, a levou a declara guerra contra a Rússia, dois dias depois contra a França e em seguida contra a Inglaterra. Estoura a Primeira Grande Guerra Mundial, em 28 de julho de 1914.
Creio que o restante da história você vem acompanhando. Observe que a França foi por quase 200 anos o berço de importantes movimentos sociais que terminaram por se cristalizar como se fossem um monumento histórico. Afinal, o lema do tempo parece ser evoluir ou virar estátua de sal…
Alguns cientistas políticos como Louis Wasserman e Quentin Skinner creem que o solo francês foi riquíssimo em produzir movimentos sociais cujos raízes profundas, são capazes de atravessar séculos influenciando o restante do mundo.
Um desses movimentos surgido no final do Século XIX, foi o Sindicalismo e ele, talvez tenha sido o mais autoconfiante dentre os movimentos que brotou da classe trabalhadora.
Como relatei anteriormente, os trabalhadores europeus em geral eram proibidos de fazer greves e de se organizarem em grêmios. A hostilidade de seus empregadores terminou por criar a atmosfera que os levou a criar sociedades secretas de trabalhadores e, por fim, a abraçar o terrorismo como forma de forçar negociações entre governo, empregadores e empregados.
Nesse período os ideais anarquistas de Bakunin se tornaram a palavra de ordem dos trabalhadores, inclusive o de abraçar o terror para se livrar da onipotência do Estado.
Foi nesse cenário que o Sindicalismo apareceu e viu a oportunidade certa para catalisar os sentimentos mais profundos dos trabalhadores, em relação a má distribuição de rendas, o fortalecimento do Estado, o crescente enriquecimento dos empregadores e a miséria econômica a qual eram submetidos os trabalhadores.
O Socialismo, mais antigo, ganhava adeptos a cada dia. Não demorou para que os dois grupos enxergassem o quanto possuíam em comum. Em 1886 criaram a Federação Nacional de Sindicatos. Eis porque em pleno 2019 quando olhamos movimentos como os dos “Coletes Amarelos” as pessoas pouco estranham por saberem que na França, o protesto é uma constante desde a revolução de 1789. Mas, há aí uma contradição quando a análise é feita a partir da extrema tolerância com o islamismo, que silenciosamente vai colonizando o território francês.
Fernand Pelloutier que presidiu a Federação Nacional de Sindicatos Franceses entre 1894 e 1901, deu ao Sindicalismo o objetivo que o norteia até nossos dias. Sob sua visão os Sindicatos focaram em abolir o sistema de negociação por salários e criarem a Democracia do bem estar de quem realmente produz, ou seja a Democracia dos Trabalhadores. Afinal, como dizia Daniel Webster “O trabalho é o grande produtor de riquezas, pois é ele que move todas as demais causas”.
Como já dissemos, por quase 200 anos a França ditou a cultura mundial, antes de entrar em declínio. E não se pense que o declínio pleno ocorreu com a queda de Napoleão em 1815, pois se decaíra belicamente, na moda, na literatura, nos ideais humanitários, Direitos Humanos e nos costumes, ainda influenciava o mundo.
Em 1902 a Federação Nacional de Sindicatos dá lugar à CGT – Confederação Geral dos Trabalhadores, à partir de uma fusão entre Anarquismo e Socialismo e, tendo como pilares o desenvolvimento da indústria nacional e o foco na mútua ajuda entre sindicato de trabalhadores, Mas, nenhum lema era tão forte quanto a hostilidade ao Estado.
O Sindicalismo se espalha por Espanha, Itália e EUA e Grã Bretanha. Nele surge a tática da Greve Geral usada até hoje para quebrar a resistência de governos e empregadores.
Para o Sindicalismo o trabalho é um “evangelho moral”, a mais nobre expressão individual de quem cria e produz riqueza. Como consequência exige a merecida e justa recompensa. Era recorrente entre os criadores do movimento que os empregadores haviam invertido a lógica moral do trabalho como fonte de prazer e prosperidade e o tornara um “mal necessário” à sobrevivência, na medida em que o trabalhador produzia toda a riqueza, sem dela usufruir.
A lógica capitalista de transformar tudo em meio de produção, inclusive o trabalhador, tendo por fim a produção da riqueza somente para o Capitalista, passou a ser condenada com veemência e a defesa desse modo de pensar fez o Sindicalismo abraçar o Marxismo e radicalizar seu posicionamento contra DOIS INIMIGOS bem definidos: o Estado e os Empregadores.
Quais as táticas e armas para enfrentar aqueles inimigos? O Sindicalismo elegeu TRÊS ARMAS: o boicote, a sabotagem e a greve.
Enquanto isto, os grêmios e sindicatos passaram a acumular dinheiro com as contribuições dos trabalhadores, objetivando promover o bem estar social da classe. Afinal, não bastava falar de cuidados com os trabalhadores. Era necessário demonstrar esse cuidado com planos de saúde, pensões, aposentadorias. Não demorou e a Europa exportou o Sindicalismo para a América.
Nos EUA foi criado em 1905 o super sindicato IWW – Industrial Workers of the World, cujas táticas são Socialistas e Anarquistas até hoje. Entretanto, diferente da França, eles não conseguiram radicalizar totalmente. Por exemplo, a sabotagem nunca foi prática aceita pela sociedade norte americana.
O IWW adotou Greves por períodos curtos ou greves gerais sem atos violentos e, com o surgimento da Lei Trabalhista de 1938, chamada “FLSA-Fair Labor Standards Act of 1938 29 U.S.C. § 203” fica determinado que o salário mínimo por hora nos EUA passa a ser de $7,25, quando o trabalhador vai além de 40 horas semanais.
O Salário Mínimo e CCT – Convenções Coletivas de Trabalho se tornam políticas paliativas para tentar minimizar a demasiada exploração dos trabalhadores, em países capitalistas.
Como doutrina social, o Sindicalismo segue escrevendo sua história pelo mundo. Por vezes contradizendo até mesmo suas origens marxistas, como aconteceu com o Solidarność ou Solidariedade dirigido por Lech Walesa, que ajudou a destruir o Comunismo na Polônia.
Seus inimigos não mudaram: o Estado e os Empregadores. Suas táticas não mudaram: o boicote, a sabotagem e a greve. Talvez, porque o homem não mudou.
De minha parte sigo convicto que cada doutrina social tem algum valor a ser considerado, mas se quisermos mesmo mudar o mundo, torná-lo um pouco mais ético (justo), então temos de mudar o ser humano, deixarmos de coisificar o “homem” e humanizar as coisas.