A inclusão de representantes da Justiça Militar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é uma opção política que, caso seja aprovada, não vai contrariar a Constituição, de acordo com o entendimento de magistrados e especialistas no assunto consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico.
Uma proposta de emenda constitucional (PEC 43/2023) sobre o tema está avançando no Senado e conta com o apoio da oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do Centrão. O principal articulador da PEC é o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RR).
O objetivo da proposta é aumentar o número de cadeiras do CNJ de 15 para 18, garantindo lugares para um ministro do Superior Tribunal Militar, um juiz da Justiça Militar da União e um magistrado da Justiça Militar dos estados e do Distrito Federal.
Atualmente, as 15 cadeiras do CNJ são ocupadas pelo presidente do Supremo Tribunal Federal; por ministros do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Superior do Trabalho; por um desembargador representando os Tribunais de Justiça; e por juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho e dos Tribunais Regionais Federais. Por fim, há duas vagas para integrantes do Ministério Público, duas para a advocacia e duas para cidadãos de “notável saber jurídico e reputação ilibada”.
Uma queixa já antiga da Justiça Militar é sobre a falta de representatividade no Conselho, a despeito de o órgão contar com integrantes dos vários ramos da Justiça, inclusive da especializada, como é o caso da Justiça do Trabalho.
“Quando exerci a presidência do STM, tomei a iniciativa de solicitar ao Congresso que propusesse uma PEC para que pudéssemos entrar logo nessa discussão. Porque nós nos submetemos às decisões do CNJ, cumprimos as metas impostas, mas não temos voz ali dentro”, disse a ministra do STM Maria Elizabeth Rocha.
A primeira tentativa, recorda ela, acabou não indo adiante. Agora a iniciativa voltou a ganhar força e conta com o apoio de ministros do STM.
“Quando a Emenda Constitucional 45 criou o CNJ, ficou definido que haveria representantes de todas as Justiças, menos a Militar. Não é justo que fiquemos de fora, porque somos especializados tanto quanto a Justiça do Trabalho, por exemplo. Então não há justificativa”, afirmou a magistrada.
O presidente do STM, tenente-brigadeiro Francisco Joseli Camelo Parente, é um dos principais defensores da PEC. A ideia, segundo apurou a ConJur, é garantir ao menos um lugar no Conselho e que a proposta tramite ainda neste ano.
Lícito. Mas convém?
Quando o CNJ foi criado, em 2004, cogitou-se a possibilidade de inclusão de integrantes da Justiça Militar. À época, no entanto, as discussões caminharam para que só fosse possível admitir membros civis. Parte dos militares, em especial os da ala militar do STM, não aceitou essa condição e o tribunal acabou sem representação.
Atualmente, o STM é composto por 15 ministros, sendo dez militares e cinco civis. Com isso, os julgamentos são feitos a partir da experiência que os juízes militares trazem dos quartéis, enquanto o conhecimento jurídico propriamente dito parte dos juízes civis. O que se entendeu nos idos de 2004 foi que não faria sentido incluir militares sem formação jurídica no CNJ.
Para o constitucionalista Eduardo Ubaldo, alterar a composição do CNJ para incluir representantes da Justiça Militar é uma opção política que não contraria a Constituição.
“Parece-me não haver qualquer vício de constitucionalidade aparente. Enquanto órgão de controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, o CNJ tem em seus quadros membros pertencentes, por exemplo, às Justiças Federal, estadual e do Trabalho, de modo que alargar sua composição também aos membros da Justiça Castrense não parece ir de encontro à escolha do Constituinte originário.”
O também constitucionalista Lenio Streck concorda. Segundo ele, faz parte do “jogo democrático” aprovar alterações desse tipo.
“O sistema constitucional do conselho foi concebido como um controle funcional sobre os diversos ramos do Judiciário e do MP. Para tanto, há liberdade de conformação do legislador constituinte-derivado.”
De acordo com ele, assim como não há limitações para alterar, por meio de PECs, a composição atual do CNJ, não há também como impedir que o Parlamento, por liberdade de conformação, inclua juízes e ministros dos tribunais militares no Conselho, caso queira.
O advogado Fernando Augusto Fernandes, porém, discorda dos colegas. Para ele, o Brasil não está no momento de discutir novas atribuições para integrantes da Justiça Militar, sejam eles civis ou militares, mas, sim, de pensar em formas de fazer com que esse ramo seja incorporado pela Justiça comum e pelo Superior Tribunal de Justiça.
“O momento é de pensar na extinção da Justiça Militar em tempo de paz. A ideia de ampliação de competência da Justiça Militar vai em absoluto contrassenso com a democratização, de uma Justiça corporativa. Em uma reforma judicial e administrativa, pelos gastos exagerados da Justiça Militar, é o caso de o STM ser absolvido pelo STJ, criando-se turmas especializadas.”
O criminalista José Roberto Batochio também é contra a entrada no CNJ de integrantes da Justiça Militar, mas por outros motivos. De acordo com ele, a composição atual do órgão já está bem equilibrada.
“Sem nenhum desrespeito ou desprestígio, considero a atividade da Justiça Militar muito restrita. Devemos prestar a devida referência, mas integrar o CNJ não se justifica, pelas dimensões e pelo volume de trabalho jurisdicional desempenhado pela Justiça Militar.”
Proposta mais controversa
Além da PEC para aumentar a composição do CNJ, integrantes da Justiça Militar estão se movimentando para ampliar sua competência em casos cíveis.
Essa discussão também não é nova. Ela existe desde a Emenda Constitucional 45/2004, que estabeleceu a competência da Justiça Militar estadual para julgar “ações judiciais contra atos disciplinares militares”. A Justiça Militar da União, no entanto, ficou fora do texto.
A proposta sobre esse tema, porém, caminhou pouco em comparação com a que busca alterar a composição do CNJ. O texto está em fase de coleta de assinaturas e conta até o momento com 18 das 27 adesões necessárias para ser numerado e começar a tramitar no Senado.
Na visão de especialistas, um trecho da proposta é problemático: o que amplia a competência da Justiça Militar para julgar civis que tenham cometido crimes militares.
O texto ainda está sendo desenhado. Parte da versão mais recente propõe que passe a constar na Constituição que compete à Justiça Militar “processar e julgar civis nos casos previstos nos incisos I e III do artigo 9º do Decreto Lei 1.001, de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar), e militares, quando estes forem acusados juntamente com aqueles no mesmo processo”.
A premissa do texto, segundo uma fonte no Senado, é a de que a Justiça Militar não julga crimes de militares, mas crimes militares previstos no Código Penal Militar.
Esse trecho, segundo os advogados consultados pela ConJur, é inconstitucional. “O dispositivo da Constituição que trata da Justiça Militar até delega para a legislação complementar a abrangência da competência militar. Mas não me parece constitucional essa abrangência só por haver uma coautoria”, disse Eduardo Ubaldo.
Para Fernando Fernandes, a competência da Justiça Militar só é constitucional quando restrita aos crimes de militares contra militares e entidades militares.
“A competência da Justiça Militar deve-se fazer levando em conta o bem jurídico tutelado. Quando eles ofendem a vida de um civil ou a democracia, bens jurídicos fora do escopo militar, devem ser julgados por aqueles que o empregam, que são os civis.”
O Supremo Tribunal Federal, porém, tem entendimento que caminha em sentido diverso. Em julgamento recente, a corte formou maioria para estabelecer que a competência penal da Justiça Militar da União não se limita aos integrantes das Forças Armadas.
O caso concreto trata de um réu acusado de corrupção ativa militar, crime previsto no Código Penal Militar. Ele teria oferecido propina a um integrante das Forças Armadas.
#FOCONAFOTO Lucas Castor/Agência CNJ