Advogado especialista em Compliance alerta sobre novas práticas que podem terminar em demissão e prejuízos para empresas
Se engana quem pensa que o assédio sexual se refere apenas a toques indesejados, convites indiscretos e olhares maliciosos cometidos por líderes contra seus subordinados. O comportamento sexual inadequado se adaptou à era das redes sociais e dos aplicativos de mensagens e pode se manifestar em práticas como stalkear as redes sociais de colegas de trabalho e compartilhar fotos pessoais, e até mesmo íntimas, em grupos do WhatsApp.
Há mais de 10 anos o advogado especialista em Compliance e autor do livro Comportamento Indevido no Trabalho, André Costa, investiga casos de fraudes e assédio nas empresas e diz que as novas tecnologias também são usadas como veículo para comportamentos impróprios. “Certa vez investiguei um caso em que o colaborador procurou a rede social das colegas de trabalho e curtia só as fotos em que elas apareciam de biquíni ou trajes menores, curtia todas as fotos com esta caraterística. Ele fez isso com várias mulheres com as quais convivia no trabalho. Foi desligado da empresa”, conta.
O advogado explica que, neste caso, mesmo que a conduta tenha ocorrido fora do expediente e na vida privada dos colaboradores, há reflexos no ambiente de trabalho. “Quando o assédio ou importunação na vida privada se origina por um contato ocorrido na empresa, ela deve agir para mitigar riscos. Por isso é preciso que as companhias se posicionem diante de condutas adotadas por seus colaboradores na vida pessoal que impactem a imagem e posicionamento ético da organização, no caso acima, por exemplo, o contato das redes sociais foi conseguido através do nome completo das funcionárias e este dado só foi possível pela sua identificação na assinatura de e-mail das funcionárias”, observa.
Tecnologia muda a dinâmica do assédio e importunação sexual no trabalho
O especialista defende que as empresas criem manuais e políticas para impor limites e regras. “A organização pode responder objetivamente por excessos praticados por um colaborador sobre o outro, excessos que, embora tenham ocorrido na vida pessoal, originaram-se da desvirtuação de um contato disponibilizado pela empresa”, completa.
Dependendo da gravidade do ato e das consequências que a prática provocar, a empresa pode até demitir o autor ou autores por justa causa. Foi o que aconteceu com um grupo de funcionários que mantinha um grupo no WhatsApp para compartilhar fotografias feitas das colegas de trabalho sem a sua permissão durante o expediente. “Todo dia um dos colaboradores recebia a missão de fotografar uma mulher quando ela se abaixava para pegar um objeto ou em alguma outra posição com conotação sexual. Até que um dia um dos trabalhadores postou a foto da esposa de um novo colaborador que estava no grupo. A confusão foi gigantesca e todos os envolvidos foram todos dispensados”, relata.
Segundo o advogado, outra prática que tem ocorrido com frequência no mundo corporativo é o compartilhamento de fotos íntimas em grupos de colaboradores do trabalho. “Em hipótese alguma um colaborador pode compartilhar imagens íntimas de uma pessoa com a qual trabalha para que outros colegas vejam. Pouco importa como essa imagem foi obtida e a relação que este profissional tem com a pessoa da foto, ela não pode ser compartilhada com terceiros, principalmente no ambiente de trabalho”, explica.
Costa explica que, diante destes casos, a empresa pode ser condenada a pagar indenização por dano moral, caso seja omissa diante do cenário. “Por isso que as empresas têm que agir rapidamente e punir os funcionários que tenham comportamentos inadequados. Se ela se omitir, pode ser responsabilizada judicialmente”, reforça.
O advogado especialista em Compliance André Costa
À moda antiga
O comportamento sexual impróprio pode se materializar também por gestos, piadas e questionamentos que se refiram à vida íntima de outro funcionário. Pode ocorrer não só entre chefe e subordinado, mas também entre pessoas do mesmo nível hierárquico, o chamado assédio horizontal.
Pela atual redação do artigo 216 A do Código Penal, o assédio sexual ainda precisa da relação hierárquica para ficar configurado, mas já tramitam, na Câmara Federal e no Senado, dois projetos de lei que pretendem alterar essa exigência. Costa entende que a mudança é necessária, mas ressalta que já há formas de punir o assédio praticado por pares.
Importunação sexual
Na esfera criminal, o assédio entre pares pode ser enquadrado como importunação sexual (praticar ato libidinoso sem consentimento para satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro), que prevê pena de 1 a 5 anos de reclusão, mais dura que a do assédio sexual, que varia de 1 a 2 anos.
Segundo definição do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ato libidinoso engloba não só o ato sexual, mas toques, “beijo lascivo, contatos voluptuosos, contemplação lasciva, dentre outros”. “O assédio consiste em gerar constrangimento com intuito de obter favorecimento sexual. Pode ocorrer pela troca, quando o líder oferece alguma vantagem, ou pela intimidação, quando ele mostra o que a vítima poderá perder se não ceder. Nesse caso, a vítima costuma ter prejuízos como receber as piores escalas, cancelamento de férias, transferências de local de trabalho para longe de casa e más avaliações”, completa o especialista em Compliance.