Direto de Brasília, DF
Antonio Carlos de Novais também é uma dessas “Histórias de quem não desiste”. Construiu sua vida literalmente sob sol e chuva, honrosamente trabalhando como vendedor de cachorro-quente.
Nesta segunda-feira, dia 17 de abril, após muito estudo e várias tentativas passou na concorrida e difícil prova da OAB e por isto recebeu sua Inscrição (a carteira) na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Distrito Federal. Estivemos presentes para testemunhar mais esse êxito em sua vida, pois é no Distrito Federal que vem construindo sua trajetória de lutas homéricas pela sobrevivência, razão porque foi fácil compreender o orgulho de seus familiares, amigos e admiradores na solenidade de entrega de sua inscrição na Ordem.
Vencer não é fácil, ainda mais vindo de família pobre e com pais analfabetos, mas, Antonio Novais, que além de tudo é bom filho, tem alma no corpo, segue cuidando dos pais e é uma daquelas pessoas que não se rende ante as dificuldades da vida, pois tem como foco jamais desistir de seus sonhos. E, porventura, não está provando que consegue realizá-los?!
Seus pais, baianos, são típicos “candangos”, aqueles que vieram de diversas partes do Brasil, principalmente do Nordeste, para a construção da nova capital e aqui ficaram misturados entre todos os sotaques e matizes, o que faz de Brasília uma cidade linda e singular. Aqui, somos de todos os lugares e, exceção feita aos tolos, convivemos bem com as diferenças.
Quando fala de luta pela vida, Antonio se descreve assim: “negro, 55 anos, PCD-Pessoa com deficiência”, e convence como pessoa que tem a noção exata do tamanho das batalhas diárias que segue tendo de enfrentar para colher os êxitos que tem alcançado.
Há quem queira ser somente bacharel, Antônio Novaes queria mais, e conseguiu. Estudou e passou na concorrida prova da OAB, condição sem a qual a pessoa não pode exercer a advocacia. Aliás, nos discursos ouvi o paraninfo e o presidente da OBADF afirmarem que há os que querem apenas o diploma; os que querem apenas a carteira e o status, mas não advogam, esquecendo que “advocacia não é para covardes”; os que têm medo ou preguiça de arregaçar as mangas e trabalhar, e até aqueles que vão abandonar a carreira. Sem dúvida foi um discurso duro e realista.
Mas, Antônio Carlos de Novais afirma que para ele é diferente, pois está no mercado trabalhando e seguindo adiante convicto que vencer não é questão de sorte, nem tampouco ficar esperando que as condições sejam perfeitas, é questão de arregaçar as mangas, ou melhor, no seu caso colocar o paletó e partir para o trabalho como um faminto parte em busca do próximo prato de comida.
Senhoras e senhores, com vocês Antonio Carlos de Novais:
Judivan Vieira: Fale um pouco sobre você.
ACN: Sou Antônio Carlos de Novais, negro, 55 anos, PCD-Pessoa com deficiência. Sou nascido em Brasília, caçula de 8 filhos, sendo 3 homens e 5 mulheres. Infelizmente, minha mãe teve dois abortos espontâneos(um, de gêmeos) de modo que restaram cinco filhos. A família, pobre, veio da Bahia e sendo meus pais analfabetos a vida nunca foi fácil.
JV: Quanto tempo passou vendendo cachorro-quente e quais dificuldades enfrentou?
ACN: Vendi cachorro quente por mais de 20 anos no mesmo local (QI 22, Guará 1). Mas antes de fixar nesse ponto foram vários desafios: ir às festas e não vender nada, a eventos e passar por apuros e ter que ir embora. É uma realidade de quem enfrenta sol, chuva e inúmeros outros fatores difíceis para ganhar o pão e cada dia. Vender é apenas a ponta do iceberg. Há um trabalho grande por trás, desde escolher o pão, fazer o molho, se deslocar para o ponto e, às vezes voltar para casa sem vender o suficiente para pagar o gasto do dia.
Há, também, a dificuldade de conseguir montar um quiosque, pois os gestores públicos dificultam muito para liberar o local de venda. O fato é que ninguém valoriza trabalho de ambulante e ainda há os clientes que não têm o menor respeito por quem trabalha nestas condições. Impossível não achar que haja preconceitos.
JV: Alguma vez se sentiu discriminado por ser vendedor de cachorro-quente, em razão de no Brasil as pessoas valorizarem muito a “casca” e gostarem de status? Se positivo, conte-nos algum episódio.
ACN: Sim. Dá para perceber o preconceito no olhar, na forma de tratar quem alguns clientes empregam. Afinal, nada é tão excludente quanto a pobreza! Acho que as pessoas pensam de imediato que o fato de estar ali, vendendo na rua, indica necessariamente ser uma pessoa que não sabe fazer outra coisa e que não possui qualquer grau de instrução. Sigo vendendo cachorro-quente no mesmo ponto, até que possa um dia me estabelecer em definitivo como advogado.
Estudei por anos a fio e sigo estudando e a cada dia sinto que ser trabalhador é que dignifica. Ao contrário, vejo gerações de jovens que passam por meu carrinho de cachorro-quente, inclusive estudantes que são mortos de preguiça, verdadeiros parasitas que vivem sugando os pais e a sociedade e discriminam a mim e a quem mais trabalha, só por sermos ambulantes. Pessoas que têm boas condições de vida e reclamam de tudo.
JV: Como nasceu o desejo de cursar Direito?
ACN: O sonho de fazer Direito vem de infância. Desde criança achava a profissão bonita e como meu pai trabalhava com advogados, me aproximou ainda mais do meu sonho. Sempre gostei de entender como funcionam as leis, como são feitas, sua aplicabilidade e como posso usá-las para ajudar os menos favorecidos. Afinal, como negro e pessoa com deficiência sei o que é ser um desfavorecido.
JV: Para você qual a importância de estabelecer objetivos e metas para colher êxitos pessoais, acadêmicos e profissionais?
ACN: O planejamento é tudo na vida de uma pessoa, pois sem ele tudo fica muito solto, vago. Objetivos e metas, objetivos são o combustível para realização de sonhos, já que você tem para onde olhar. Está tudo ali, escrito e impulsionando teu cérebro. Gritando para que você faça, ao invés de ficar só falando!
JV: O que o manteve firme no cumprimento dos objetivos e metas e impediu de se render diante das adversidades da vida?
ACN: O que me manteve firme nos meus objetivos e metas foi entender que ou estudava para mudar de vida e ter alguma condição financeira melhor ou ficaria acomodado esperando e aceitando o que viesse ao acaso. Nunca foi isto que quis para minha vida. Foram muitas adversidades e ainda as tenho, mas elas são uma injeção de ânimo para passar à próxima etapa. Vou viver tentando melhorar até o último suspiro de vida!
JV: Além de sua obstinação pessoal para vencer que pessoa ou pessoas mais te inspiraram para perseguir a realização de seus objetivos e metas?
ACN: Foram várias. A primeira inspiração vem Deus, pois me fez capaz, deu inteligência, sabedoria, visão, olfato, audição, 2 pernas, 2 braços. Meus pais são fonte de inspiração, pois mesmo sendo analfabetos, sempre foram empreendedores e nunca fizeram dessa condição um obstáculo. Isto faz com que mesmo eu sendo deficiente físico por ter encurtamento em uma das pernas, siga em frente sem fazer disto uma desculpa, como muitas pessoas fazem para se fechar em si e deixar de lutar com garra.
Por fim, cito o Professor Doutor e escritor Judivan Vieira, com sua história de superação e perseverança que chegou ao cargo de Procurador Federal e hoje é aposentado desta função e segue realizando sonhos em várias outras atividades e colhendo êxitos e prêmios internacionais. (Aqui, parei para agradecer ao entrevistado a referência generosa que me faz)
JV: Você acaba de conquistar um grande êxito. As pessoas tendem a olhar para quem colhe êxitos, sem refletir sobre a longa história de construção da vida pessoal e profissional. Qual foi, e continua sendo, seu processo de construção do êxito?
ACN: Realmente foi uma grande conquista, pois todos que fazem direito sabem que depois da graduação há, ainda, uma etapa dificílima que é a prova da OAB. Para vencer essa barreira comecei a encará-la como algo atingível. É fácil enxergar somente os resultados que alguém produz. Difícil é querer enxergar o processo que aquela pessoa percorre para alcançar os mínimos êxitos!
Somente quem percorre a jornada sabe dizer como é solitária, dolorida, às vezes desesperadora. Mas, ao final é extremamente gratificante colher êxitos. Isto não é coisa que um preguiçoso queira enfrentar. O meu processo de construção foi e continua sendo o de estudar, adquirir mais conhecimento para em breve obter êxito em concurso público e conciliar com a atividade da advocacia.
JV: Hoje como advogado sente que o tratamento que lhe dão é mais respeitoso que davam como vendedor de cachorro quente? O que pensa disto?
ACN: Hoje o tratamento é bem diferente de alguns anos atrás. Sinto que as pessoas me olham com outro olhar, um olhar de mais respeito, de alguém que faz parte de uma classe que tem poder. Se por um lado fico feliz em haver alcançado estes êxitos, por outro isto me deixa triste porque demonstra que para alguns o que vale não é a pessoa, seu caráter, e sim, seus títulos.
JV: Quais foram ou são as maiores dificuldades que enfrentou e segue enfrentando para se suceder bem no mercado de trabalho e, também agora, como advogado?
ACN: As dificuldades que encontrei e encontro hoje são: idade, preconceito e falta de oportunidade para os iniciantes. Agora, como advogado creio que terei os mesmos obstáculos, mas nenhum deles me desanimam. Ao contrário, só me incentivam a seguir perseguindo meus sonhos.
JV: O Brasil é o país do mundo com o maior número de advogados. O que fazer para superar mais esta dificuldade que terá de enfrentar em meio a tanta concorrência?
ACN: Com tantos advogados no Brasil terei que me especializar em uma área específica de atuação, ser um dos melhores para me destacar e ser visto para ter ascensão na advocacia. Mas, creio que é assim com todo profissional que deseja se destacar no mercado de trabalho. O treinamento e capacitação são imprescindíveis.
JV: Você crê que uma pessoa pobre realmente pode vencer na vida? O que essa pessoa deve fazer para alcançar o mínimo de dignidade social e econômica, ou seja, ter o mínimo para custear moradia, saúde, educação, transporte, lazer, segurança, etc., como promete a Constituição Federal?
ACN: Eu creio que uma pessoa pobre pode vencer na vida sim. Sou um exemplo vivo. Uma vez ouvi um comentário de uma pessoa que penso merecer registro. Ela disse: – Quem vem de família pobre, tem que praticar o ¨S.E¨! O que significa isto? Sentar e Estudar! Tenho seguido o conselho e veja, está dando certo.
JV: Aproveitando a ocasião, o que você pensa quando a Constituição Federal diz em seu artigo 6 e 7 que o salário mínimo é suficiente para custear todo aquele mínimo de dignidade social e econômica que citamos na pergunta anterior? Isto te parece real ou te soa como uma grande falácia?
ACN: Se o salário mínimo recebesse os reajustes corretos acompanhando a inflação a promessa talvez fosse cumprida. Mas, isto está longe de acontecer. Não passa de uma falácia! Os direitos sociais descritos na CF/88 em seu artºs 6º e 7º não passam de utopia. Tudo é lindo no papel, mas sem aplicabilidade substancial.
JV: Erasmo de Roterdã diz que “conselho” não se dá a quem não o pede. Sempre gostei de pedir conselhos a quem possui experiência e cujos êxitos estão expostos na vitrine da vida. Sendo assim, que conselhos você dá a quem que realizar sonhos na vida?
ACN: Não desista, não pare de crer! Os sonhos de Deus para você jamais vão morrer, como diz a cantora Ludmila Ferber, no gospel “Os sonhos de Deus”. Creio assim.
Parabéns, Antonio Novais!
Para segui-lo no Instagram: @antoniocarlosdenovais