Três mulheres contam tudo que enfrentaram, e ainda enfrentam, nesse segmento ainda muito masculino
A presença feminina no segmento da Construção Civil vem crescendo de forma animadora. Cada vez mais mulheres ocupam espaços tanto na execução de obras, como na gestão de negócios. Segundo dados, de 2021, do Ministério do Trabalho e Emprego, a participação feminina na construção civil cresceu cerca de 50% nos últimos anos. Atualmente, são mais de 200 mil mulheres ocupando cargos nos escritórios de engenharia, indústrias e no canteiro de obras.
Um exemplo de quem conquistou seu espaço nesse ambiente que ainda é dominado por homens, é Flávia Sá, filha de um dos fundadores da rede de lojas Tintas MC, a maior rede do segmento do país. Hoje, Flávia é diretora de Marketing e Franquia do Grupo Aliar, que detém as marcas Tintas MC, Tintas MC Franchising, Distribuidora Premium e MC Export. Mas a sua trajetória profissional não começou dentro da empresa da família.
Formada em relações públicas, Flávia decidiu trabalhar em outras empresas, ganhar experiência em vários segmentos e ter o seu nome já consolidado antes de ingressar na empresa da família. “Eu sabia que poderiam me julgar por ser filha e herdeira e que só estava ali, em decorrência dos laços familiares. Por isso, chegar com uma bagagem de outros mercados, já madura e segura, foi essencial para a minha gestão”, explica.
Apesar de não ter enfrentado um ambiente hostil, quando começou a trabalhar na Tintas MC, ela explica que precisou se colocar de forma diferenciada, principalmente em reuniões com clientes, para que a ouvissem e a enxergassem como uma profissional de experiência consolidada, e que estava ali porque conhecia o mercado.
Atuante no Grupo Aliar desde 2009, Flávia começou como Coordenadora de Marketing e Televendas, na Distribuidora Premium. Tornando-se gerente poucos anos depois. Em 2015 assumiu o cargo de Diretora de Marketing no canal de distribuição. Nos anos seguintes, abraçou novos desafios na busca do crescimento do Grupo, conquistando a Diretoria de Marketing e Franquias do Grupo Aliar.
“Foi um caminho longo, eu não assumi um cargo de diretoria logo no início. Tive a oportunidade de conhecer bem as empresas, suas características e necessidades. E isso, só meu deu força para ser o que sou hoje dentro do Grupo: uma profissional que conhece seu segmento e é respeitada por isso”, analisa Flávia.
O pioneirismo da Tintas MC
Mesmo sendo cansativo ter que provar sempre a capacidade da mulher, é fato que as colaboradoras oferecem algo a mais para uma empresa. A organização, foco, olhar crítico e a paciência, são características que contribuem muito em uma gestão. E a Tintas MC percebeu isso lá nos anos 70, quando passou a contratar mulheres para serem atendentes de balcão.
Esse pioneirismo da empresa mudou o mercado, dando a ele a oportunidade do público feminino frequentar as lojas de material de construção, que antes era um ambiente quase hostil para as mulheres. “Meu pai me contou que foi um tremendo desafio. Que muitos homens não acreditavam na capacidade profissional e nas informações dadas por elas. Mas eles insistiram e hoje, nossas lojas têm 24% de mulheres atrás dos balcões. E na parte administrativa somos 62 % “, pontua Flávia.
“Sei que ainda temos um longo caminho a percorrer, mas estamos na direção certa. Estamos provando que podemos estar em qualquer posto ou profissão. E o mercado já está entendendo isso”, finaliza Flávia.
Abrart tem sua primeira presidente
A Associação Brasileira dos Revendedores de Tintas (Abrart), uma instituição que existe desde 1960, será comandada, pela primeira vez, a partir deste ano, por uma mulher. A escolhida foi a diretora e sócia da Distribuidora Safari, Valquíria Teixeira. O convite partiu do ex-presidente, Jeanderson Ricardo Santaguita, que queria trazer um novo olhar para a Associação e viu que uma mulher poderia realizar grandes ações para desenvolver ainda mais a Abrart.
Com um mandato de 2 anos, a primeira coisa que a Valquíria fez foi trazer mulheres empoderadas e respeitadas no mercado para compor a diretoria. Fazem parte da diretoria Flávia Sá, do Grupo Aliar, Renata Passo, da rede Varejão das Tintas e Juliane Duarte, proprietária da D´Cores. “Somos 4 mulheres em uma mesa com cinco homens. Não estou pensando na proporcionalidade, mas no equilíbrio que começamos a ter dentro da Associação, com pessoas tão capacitadas. Quem sabe, um dia chegaremos a ser maioria”, diz Valquíria.
Advogada de formação, Valquíria entrou para o ramo da construção civil há mais de 30 anos, quando abriu, em sociedade com seus irmãos, uma loja de atacado de tintas. Após um trabalho árduo, foram convidados a serem distribuidores da Basf/Suvinil. Assim, nasceu a Distribuidora Safari, uma empresa que está no mercado há 25 anos e é comandada por ela desde então.
“Fui a primeira mulher na diretoria de uma empresa do segmento da construção civil. Foi bem difícil conquistar o respeito do mercado que era totalmente masculino. Eu tinha que provar, a todo momento, minha capacidade”, lembra Valquíria.
Mas esses desafios não a pararam. Ela passou a contratar mulheres para sua equipe de vendas e as treinou para ter uma postura profissional que não desse margem a nenhum comentário ou desconfiança. “Esse alinhamento profissional foi fundamental, naquela época, consegui montar uma equipe extremamente bem informada e eficaz”, explica Valquíria.
Hoje, a Distribuidora Safari tem 50% de mulheres na sua equipe de vendas, e na área administrativa são 35%. “Assim como estou à frente dos negócios hoje, quero deixar esse legado para outra mulher, minha filha, que está ao meu lado há anos e é apaixonada pelo nosso setor. Sei que a gestão dela será muito mais suave do que a minha, quando se fala em preconceito ou resistência. Espero que as coisas mudem e que seja valorizado a capacidade, e não o sexo de quem é capaz”, finaliza Valquíria.
Mulheres pintoras, uma realidade no setor.
Quem poderia imaginar que um dia seria possível contratar uma mulher para pintar sua casa? Essa já é uma realidade em todo Brasil. Apesar de não se ter um número oficial, profissionais como a pintora e empreendedora Sandra Mell, que está há 22 anos trabalhando no setor, vem percebendo que esse crescimento é latente.
Sandra de fato desbravou esse espaço. Tudo começou quando foi fazer uma fiscalização em uma obra para seu ex-patrão. Ela encontrou uma obra largada e sem capricho, e por isso, assumiu a função de administradora da obra. “Fiquei fascinada com o trabalho e tudo que o envolve. Ver uma obra tomar forma e no final entregar algo que coloque um lindo sorriso no rosto de quem contratou, não tem preço”, diz Sandra.
Formada pelo Senai e com diversos cursos de especialização, hoje, ela é uma das pintoras mais respeitadas entre as empresas e indústrias, mas mesmo assim, diz encontrar dificuldades na hora da contratação. “Ainda existe a dúvida de que uma mulher não vai dar conta do trabalho. Mas aos poucos estamos derrubando esse mito”, explica. E por incrível que pareça, apesar de todos os desafios, Sandra diz que quem mais a contrata são homens, e que as mulheres ainda têm mais resistência.
E para mostrar a capacidade das pintoras, ela criou o grupo “Juntas somos Rosas”, que trocam experiências nas redes sociais e divulgam seus trabalhos. “Essa foi a forma que encontrei para divulgar o trabalho das profissionais e estimular a contratação”, explica. O grupo tem mais de 250 inscritos.
Além do grupo, Sandra também criou o prêmio “Estrela da Tinta”, um concurso que mensalmente escolhe um trabalho. Para participar a profissional precisa enviar um vídeo explicando todo o processo da pintura, a técnica, a tinta que usou, quantas demão e ferramentas usadas. Os vídeos são submetidos para uma bancada formada por profissionais da indústria e da imprensa especializada (Show do Pintor e Jornal do Pintor). A ganhadora tem seu trabalho divulgado nas redes sociais (@juntas.somos.rosas), além de um outdoor em sua cidade.
“Queremos que elas sejam valorizadas em suas cidades e, ao mesmo tempo, estimular outras mulheres a entrarem nesse mercado de trabalho que é promissor”, salienta Sandra.
A pintora sabe que há um longo caminho a percorrer, e que as mulheres entraram nesse ramo para ficar. “Indústrias como a Coral, Suvinil, Alessi, WBR Wagner, Revcollor e revendedoras como a Tintas MC e o Movimento Brasil por um Pintor Melhor, estão cada vez mais abraçando a nossa causa, ajudando na profissionalização e incentivando com campanhas. Esse é um ótimo campo de trabalho, uma alternativa que pode salvar muitas famílias”, conclui Sandra.