Feminicídio, último estágio desse tipo de violência, é discutido por mestre em Direito
Pernambuco fechou o ano de 2022 com um aumento de 5,7% nos casos de agressões/violência doméstica contra mulheres, segundo dados da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (SDS/PE). Foram 43.553 denúncias, o que equivale a quase 120 agressões por dia. Os números abrem um alerta para um tema mais amplo e decorrente, na maioria das vezes, desse tipo de violência: o feminicídio. Em 2022, foram registradas 72 mortes do tipo em PE, enquanto, em 2021, foram 87. A mestre em Direito Processual e coordenadora do curso de Direito do campus Recife da Faculdade Nova Roma, Isabela Lessa, explica que feminicídio é um tipo específico de homicídio contra a mulher em razão do gênero; homicídio qualificado, que agrava o período de condenação, uma vez que se reconhece que se trata de um crime de ódio; tipo de homicídio cujos sinais começam a aparecer muito antes, dentro de um relacionamento abusivo, pois, muitas vezes, o feminicídio é o último ato de um complexo ciclo de violência.
A advogada diz que há vários sinais que antecedem o feminicídio, chamados de violentômetro. Por isso, é importante que a mulher fique atenta aos detalhes que caracterizam a violência psicológica (quando se humilha); violência moral (se inferioriza); patrimonial (não se permite que a mulher administre o próprio dinheiro ou se quebra os bens dela, alegando ciúmes); sexual e física, sendo essas últimas de alerta máximo. Ela destaca que, normalmente, os sinais estão presentes já no início do relacionamento: no ciúmes excessivo; na posse; na “coisificação” da mulher, fruto do machismo estrutural. “É um problema complexo, multifatorial e a criação de um tipo penal de feminicídio não reduz os índices. É preciso criar políticas públicas e momentos educacionais para que a mulher entenda que tem direito a um amor que não seja violento, que não seja abusivo”.
Isabela Lessa alerta que, infelizmente, a violência contra a mulher é “democrática”, pois qualquer mulher, independente de nível social, pode viver um relacionamento abusivo. Então, estar atenta para não entrar nesse tipo de relacionamento é importante. “E, quando a mulher depende financeiramente do homem, não tem autonomia para se manter ou aos filhos, o risco dela ficar presa nessa teia de violência é muito maior”. Por isso, dentro da Política Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio, houve, no final de 2022, a aprovação do Qualifica Mulher, pelo Governo Federal, que visa combater o feminicídio através de uma rede de apoio entre os governos federal, estaduais e municipais, inclusive entidades da sociedade civil que trabalham com a temática para que se possa qualificar mulheres vítimas de violência em condição de vulnerabilidade social.
O que os índices dizem, na análise da mestre em Direito, é que não adianta o Estado criar um tipo penal, apenas, é preciso pensar de maneira ampla. “Ou a gente amplia o olhar para enfrentar o problema ou os índices não vão cair. É preciso mais educação sobre a temática para que possa existir um acolhimento social à vítima, pois a culpa nunca é dela”. Ela acrescenta que também é preciso ter mais delegacias especializadas da mulher; mais carros com gasolina para que se possa dar suporte, fazer investigação; além de mais efetivo, tanto nas delegacias quanto na Patrulha Maria da Penha – Polícia Militar. “É preciso que o efetivo para este atendimento às mulheres seja qualificado, melhor treinado e tenha um olhar específico e sensível para essa vítima pois não vamos ter segurança e vítima efetivamente protegida com a revitimização, que acontece quando se duvida da palavra dela. Por fim, é importante a criação de políticas públicas que permitam a criação de mais centros de acolhimento para esta mulher”.
Como a violência de gênero está enraizada na sociedade, ela também passa pela educação das crianças, como lembra a mestre em Direito. “É preciso educar os meninos para respeitarem as mulheres e as meninas para serem mulheres livres e não aceitarem menos do que merecem, não aceitarem ser tolhidas ou desrespeitadas”. Ela também diz que a sociedade precisa estar preparada para não fazer questionamentos sobre o que a mulher fez para apanhar, por exemplo. “Quem pratica uma violência é o sujeito ativo do ato e único responsável pela perda de controle, único responsável por não conseguir, de uma maneira civilizada, resolver as questões que estiverem incomodando”.
Isabela Lessa traz, por fim, uma última orientação à vítima. “Se a mulher questiona se é vítima de violência é porque é. Se o homem poda a forma dela se vestir, com quem ela pode andar e ela vai se isolando, esses já são sinais”.