Por Roselle A. Soglio[1].
Praticamente todo mundo já ouviu, ao menos uma vez, falar em Fake News; expressão que vem da língua inglesa, que quer dizer notícia falsa. Mas, a Fake News vai muito além de ser uma notícia falsa, é ela capaz de disseminar uma falsa e mentirosa ideia, de criar conceitos errôneos, de desfalcar e lesar patrimonialmente uma ou mais pessoas, e o mais grave, pode matar alguém.
Evidente que o uso da notícia falsa não tem nada de novo, não se sabendo precisar quando e em que época adveio, porém as chamadas Fake News ganharam força com o acesso simples e rápido da rede mundial de computadores (internet) e também das redes sociais (WhatsApp, Instagram, Facebook, Twitter, entre outros), uma vez que a divulgação e a propagação da notícia se dão em segundos, podendo alcançar milhões de pessoas, com apenas um click.
O falseador da verdade, que pratica o ato de forma dolosa, o faz com uma intenção precípua (obter vantagem ou prejudicar alguém), e obtém sucesso cada vez que uma pessoa compartilha a referida mentira e este repassa a outros e assim por diante, e este ato irresponsável, e por vezes criminoso, se torna difícil de ser controlado ante ao alcance da disseminação daquele fato inverídico, fazendo vítimas de toda natureza.
Um grande problema que se extrai desta disseminação e propagação de Fake News é o ato de compartilhar a informação sem verificar a origem e a veracidade, seja porque confia na fonte que enviou a mensagem (um amigo, um parente, um superior hierárquico, uma pessoa conhecida) seja porque não leu o conteúdo completo (lê apenas uma parte ou então leu apenas o título) e repassa incluindo ainda mais informações inverídicas, ato que gera uma “avalanche de notícias errôneas e falsas”, causando danos de natureza civil e penal.
O agente que cria a Fake News se vale não só da facilidade da propagação da informação, mas também de situações de fragilidade, como a que se vive atualmente (pandemia de COVID-19), para obter vantagem, se beneficiar de alguma forma, inclusive financeiramente, prejudicar alguém, muitas vezes se valendo da covardia de estar “oculto”, já que o ato ocorre por trás de um computador, de um celular, tablet, e não raras vezes conta com a ajuda de empresas ou pessoas especializadas que se utilizam de mecanismos de compartilhamento automático, afim de potencializar a divulgação daquela notícia falsa.
Há quem sustente que a criação de notícias falsas não é crime, pois, segundo o princípio basilar do Direito Penal, o da anterioridade da lei, constante do artigo 1º Código Penal e do artigo 5º, XXXIX da Constituição Federal, “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, e como não há atualmente um crime específico, seja no Código Penal seja em leis extravagantes, ter-se-ia apenas um ilícito civil. Entretanto, apesar de tramitar no Senado Federal projeto de lei (PL 2630/2020, entre outros) para a criminalização de Fake News, os atos incidentes da criação, disseminação, divulgação, propagação, de forma dolosa, de notícia falsa ou mentirosa, configura crime, tanto àqueles constantes do Código Penal como de lei especial, como a lei eleitoral, por exemplo; assim, não é correto dizer que não há infração penal.
Pode ser enquadrado como crime, o ato de noticiar falsamente uma mensagem, post, texto, que difame alguém, ofendendo a sua reputação, de acordo com o previsto no artigo 138 do Código Penal (crime de difamação). Também, pode ser considerado crime, o ato injuriar alguém, atingindo a honra desta pessoa (crime de injúria, artigo 140 do Código Penal), além é claro, de imputar ou atribuir alguém fato tido como criminoso (crime de calúnia, artigo 139 do Código Penal). Estes crimes contra a honra terão majorantes de pena quando a divulgação se der por meio que facilite a divulgação, é o caso da internet e rede sociais.
Também é passível de configurar crime de denunciação caluniosa (artigo 339 do Código Penal), quando o agente der causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, administrativo, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando a esta pessoa crime que sabe ser inocente. Na mesma circunstância se configura quando for com finalidade eleitoral (artigo 326-A do Código Eleitoral).
Não tem sido incomum encontrar nestas divulgações de Fake News os crimes de incitação ao crime (artigo 286 do Código Penal), apologia ao crime ou ao criminoso (artigo 287 do Código Penal), constituição de milícia privada (artigo 288-A do Código Penal), associação criminosa (artigo 288 do Código Penal), falsa comunicação de crime ou contravenção (artigo 340 do Código Penal).
Mas não é só, como dito acima, o agente disseminador da falsidade tirar proveito financeiro, implementando fraudes das mais diversas formas (artigo 171 do Código Penal), furtos (artigo 155 do Código Penal), extorsão, por meio virtual (artigo 158 do Código Penal).
As Fake News trazem insegurança, intranquilidade, medo, pânico e em situações mais sérias e graves, pode a vítima sofrer constrangimento ilegal, ser linchada, morta ou ainda ser instigada a praticar suicídio, por isso, atos como estes merecem ser combatidos com seriedade, com uma investigação aprofundada.
Vale salientar que a perícia criminal é meio efetivo de reunião de provas do cometimento dos crimes, devendo ser analisado todos os vestígios da referida infração penal, pelo expert, isolando (quando possível nestes casos) e preservando o local de crime, os objetos de análise, mantendo a íntegra a cadeia de custódia de prova. Todos os atos realizados por meios cibernéticos deixam vestígios. É a aplicação da ciência para a solução de infrações penais pontuado por meio do laudo pericial, que obrigatoriamente deve ser minucioso e com respaldo de correta metodologia para encampar/embasar à dinâmica do fato tido como criminoso, podendo se chegar à autoria e materialidade delituosa.
Como se verifica, a criação, divulgação, propagação, disseminação de notícias falsas, distorcidas, inventadas, mentirosas podem destruir vidas, a honra, a imagem, inclusive de pessoas jurídicas, e não só comete o crime aquele que o faz, mas também quem compartilha estas falsas notícias, de forma dolosa, bem como todo aquele que presta auxílio ao agente falseador.
Em momento de tamanha sensibilidade como a que se vive mundialmente, ante ao problema grave sanitário (pandemia), é obrigação de todo cidadão verificar a veracidade da informação antes de compartilhar ou repassá-la, evitando-se crimes de menor ou maior potencial ofensivo. A conscientização é o melhor remédio para este mal!
[1] Membro fundadora e Vice- presidente da ABCCRIM (Academia Brasileira de Ciências Criminais )e presidente da ABCCRIM-SP. Advogada Criminalista, sócia do escritório Soglio Advocacia e Consultoria Jurídica, especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela PUC/SP, Especialista em Perícias Criminais, Mestre e Doutora em História da Ciência pela PUC/SP. Professora de Direito Penal, Direito Processual Penal, Criminalística e Medicina Legal, autora de diversas obras, dentre elas: Estatuto do Desarmamento Comentado, Direito Processual Penal, membro efetiva da APCF (Associação Portuguesa de Ciências Forenses- Porto/Portugal).