O vogue, dança moderna com adeptos em todo mundo, é um exemplo de como grupos marginalizados conseguem ressignificar códigos da classe dominante. O estilo foi criado por negros e latinos da comunidade LGBT de Nova York nos anos 1980, com movimentos corporais que imitam poses de modelos em revistas da alta costura – daí vem o nome inspirado na renomada publicação de moda. O vogue – ou voguing, como também é conhecido – só chegou na cultura pop mainstream em 1990, através do hit homônimo de Madonna. Nos últimos anos, tem ganhado uma nova geração de entusiastas que descobriram mais sobre esse universo na internet.
Em Pernambuco, a manifestação artística será celebrada de hoje a sábado com o Festival Internacional Vogue Fever: Recife, realizado no Espaço Sinspire e no Paço do Frevo, ambos na Rua da Guia, no Bairro do Recife. A programação gratuita conta com shows, competições, seminários e oficinas, realizando um intercâmbio entre artistas ao receber nomes como Guilherme Morais (MG), Félix Pimenta (SP), Makayla Sabino (RJ) e Archie Burnett (NYC), ícone mundial da prática. A realização é do Trio Lipstick, grupo mineiro responsável pelo festival “matriz” sediado anualmente em Belo Horizonte (MG), com a Coda Produções Artísticas e incentivo do Funcultura.
O vogue nasceu dentro das prisões dos EUA, quando LGBTs presos pela criminalização da ‘sodomia’ liam revistas de moda, as únicas que eram permitidas nas celas. Surgiu como uma expressão de resistência e empoderamento dessas pessoas”, diz Maria Teresa Moreira, que integra o Trio Lipstick (grupo de performance, pesquisa e produção de vogue) ao lado de Paula Zaidan e Raquel Parreira desde 2011. Ela explica que a dança está inserida dentro de uma cultura maior, chamada de ballroom – festas sediadas por coletivos de dançarinos e performers. “As batalhas de vogue são o enfoque desses eventos, mas também existem momentos em que as pessoas se reúnem para competir por prêmios e troféus relacionados a roupas, arte drag e maquiagem”, diz a jovem.
No Recife, o ápice da programação do festival será justamente um ballroom, o Hellcife Ball. O público poderá prestigiar um desfile de moda e participar de competições em diferentes categorias, inclusive batalhas de vogue com adaptações para ritmos locais: swingueira e brega-funk. “Os ballrooms tem umas regrinhas que temos de seguir, mas ao levar o festival para outras capitais pudemos notar como é legal dar um toque local da cidade”, diz Teresa. O festival também será inclusivo, com a realização da etapa Vogue Para Todos, com oficinas para pessoas com deficiência.
CENA LOCAL
Outro “toque local” da programação é a oficina do pernambucano Edson Vogue, que vai abordar o ensino do vogue a partir de um resgate do corpo “que ferve no carnaval com o frevo”. “Abordo as relações estéticas, organizacionais, de passos e improvisos, assim como o tipo de energia e estado corporal que os corpos apresentam. Tanto o frevo quanto o voguing passam por essas mesmas linhas”, explica o artista, formado em Licenciatura em Dança pela UFPE.
Como grande parte das pessoas, Edson conheceu o voguing através de Madonna. Passou a se aprofundar no estilo em 2016, quando conheceu o Trio Lipstick na programação do festival No Ar Coquetel Molotov. Desde então, tem sido um dos personagens que ajudam a construir a cena na capital pernambucana. “No início, eu só queria dançar mesmo, mas as pessoas começaram a me chamar pra dar aulas e ensinar. Com o tempo, também fui entendendo que o voguing era um movimento de resistência e as coisas foram se dando naturalmente”, conta.
Ela explica que a cena do Recife é recente, mas vem se fortalecendo com grupos que se encontram para trocar ideias. Cada coletivo de vogue possui um nome acompanhado por “house” e os criadores são chamados de “mães”. Edson, por exemplo, é “mãe” do coletivo Kiki House of Guerreiras. Kiki House of Quartzo, Kiki House of Pussytivismo e Kiki House of China são os outros coletivos existentes – todos possuem “kiki”, pois são de um meio underground.
“Temos grupos que treinam e estão fazendo com que a cena cresça. Fico feliz com essa edição do Vogue Fever aqui, pois é uma demonstração que temos conseguido certa atenção. Trabalhar com o Trio Lipstick e Archie Burnett, pessoas que eu só conhecia pela internet, é uma realização”.
Os estilos
Old Way
Movimentos com linhas, simetria e precisão na execução de formas com elegância. Tem influência das figuras de militares, artes marciais e poses de moda.
Vogue Femme
As mulheres trans não se identificavam com a “masculinidade” do old way, então passaram a investir em um estilo extremamente feminino, com movimentos nos quadris, punhos, jogadas de rosto e cabelo.
New Way
Surge com pessoas de circo que pegaram o método do old way e incluíram contorções elaboradas, com movimentos que exigem muita flexibilidade e destreza.
Programação
Quarta-feira (29)
19h: Seminário Cultura ballroom e o vogue no Brasil (Sinspire)
Quinta-feira (30)
17h: Vogue para todos – Oficina para pessoas com deficiência, com o Trio Lipstick (Paço do Frevo)
19h: Oficina de Frevo Edson (Paço do Frevo)
20h30: Viveêcia com Archie Burnett (Sinspire)
Sexta-feira (31)
18h: Oficina com Trio Lipstick (Sinspire)
19h30: Vivência com Archie Burnett (Sinspire)
Sábado (1)
21h: Hellcife Ball (Sinspire)
Serviço
Festival Internacional Vogue Fever: Recife
Quando: quarta-feira (20) a sábado (1)
Onde: Paço do Frevo (Rua da Guia, s/n) e Sinspire (Rua da Guia, 234)
Quanto: gratuito
Informações: (81) 98827-8222
Fonte: Diário de Pernambuco
Foto: Trio Lipsitck/Divulgação