Direto de Brasília-DF.
Jerônimo e sua contribuição para o processo educativo e de ensino
O “Mercado” educacional e de ensino em Roma era parecido com o de hoje. Havia ofertas de escolas e cursos preparatórios para carreiras profissionais e, no caso da Tradição Cristã, cursos preparatórios para a vida aqui na Terra e no Além.,
Quando Jerônimo escreve sua epístola/carta “À Laete: A respeito da educação de sua filha”, no ano de 403 d.C., ele sedimenta a concepção de o processo educacional e de ensino cristão transita entre duas dimensões: a dimensão espiritual e a dimensão intelectual.
Na dimensão espiritual cada aluno deve ser instruído que o “temor a Deus” é o destino de quem almeja a sabedoria e, ainda:
– Cantar hinos e salmos nas aulas;
– Aprender a Orar,
– Aprender a Contemplar.
– Aprender vestir-se e comportar-se como cristão.
Na dimensão intelectual o aluno deve:
– aprender a ler e escrever bem;
– aprender a memorizar a Lição
– Aprender por meio de incessante Repetição;
– Ler a literatura clássica para tornar-se instruído
Parece possível inferir que para todo pensador religioso há um limite para o conhecimento intelectual e científico, mas não há limite para a fé, mesmo que esta seja definida como o “firme fundamento das coisas que não se vêm e a prova das que se espera” (Epístola aos Hebreus 11:1).
A tradição cristã, assim como todas as demais religiões, sem exceção, intenta inculcar no ser humano que ela detém o domínio da “verdade absoluta” e que a ciência está certa quando confirma tal verdade e errada quando a nega. Talvez a solução para esse conflito entre fé e ciência esteja em aceitar que ciência é fato e fé, um direito para que possamos conviver em paz respeitando as diferenças.
A contribuição de Santo Agostinho ao processo de educação e ensino irá durar do século IV ao século XIII.
Não é exagero dizer que em termos de processo educativo e de ensino o mundo pode ser dividido entre o pensamento platônico-agostiniano e aristotélico-tomista.
O pensamento de Agostinho é considerado na antiguidade como determinante na solução do conflito entre o método crítico-lógico grego e a fé cristã. Para Agostinho Deus é uma realidade que não admite discussão, porque a verdade cristã é prova suficiente de sua existência.
Em seu livro “As confissões”, escrito em 397 d.C., Agostinho relaciona a cultura helênica e cristã com as diversas fase bio-psicológicas da vida humana. Diz que na infância do homem predomina o hedonismo, na adolescência predomina a “feliz ignorância”, na primeira fase da vida de adulto predomina um crescimento sentimento de poder e na fase de adulto, o homem passa a ser dominado pela percepção de sua insuficiência diante das muitas adversidades da vida e também de sensação de insegurança espiritual.
Em parte, não parece seguir caminho diferente de Jerônimo ao dizer que conhecimento e fé são as metas do processo educativo. Mas, volte à Platão e seu mundo das ideais quando diz que, em tese, Deus teria inserido no “software” de nossa programação humana, o gatilho natural que nos leva a atingir essas metas de crescimento e evolução.
Em Platão, o conhecimento de Deus é inato porque já vem na alma do homem no momento de sua encarnação. As verdades divinas, portanto, são reveladas aos poucos como que gotejadas de nosso inconsciente obscuro na nossa consciência, já clarificadas.
Nessa linha de raciocínio, o que caberia ao professor, mestre ou tutor? Apenas, ajudar o aluno a compreender tais verdades pré-existentes advindas com a alma, algo parecido com a versão do desenho da DC em que Zan e Jayna tocam um no outro e dizem: – Super gêmeos ativar! Esse raciocínio levaria a crer que Deus e o professor unir-se-iam para ativar o conhecimento na cabeça do aluno. Essa tese agostiniana durou por séculos até que no século XIV deixaria de ser aceita academicamente.
Agostinho prezava pelo conhecimento intelectual e dizia que o professor ou mestre deveria ser versado nele, pois só assim conseguiria organizar ou sistematizar o conhecimento em sua mente, e na mente do aluno. O que Agostinha jamais confundia, era a fonte de todo conhecimento (Deus) com o meio pelo qual ele flui(o homem).
Consolidação e declínio do processo educativo e de ensino
Entre os anos de 175 e o século IV d.C, somente a Escola de Teologia de Alexandria, fundada por Panteno e sucedida por Clemente de Alexandria, possuía um currículo que unia a “dimensão espiritual” à “dimensão intelectual, enquanto às demais que haviam proliferado dentro do Império Romano, se prestavam mais a fins religiosos. Isto fez com que as escolas “pagãs” assumissem esse espaço vazio de ensino do conhecimento científico, chamado de “secular”. Estas escolas prosperaram e foi esse quadro que Agostinho quis combater.
Com seu crescimento e organização, a Igreja Católica fez minguar as escolas pagãs e assumiu o processo educativo e de ensino em todos os lugares em que se estabeleceu, inclusive com a chancela do Império Romano, mas quando o sistema político ruiu com ele ruiu o processo educativo cristão.
Em 379 o Imperador Romano Teodósio I, já líder do movimento politico chamado “Cesaropapismo”, em que o chefe de Estado Romano tinha o poder de estabelecer e regular a disciplina, a doutrina e organização da Igreja, convoca o Concílio de Constantinopla para discutir a “natureza de Cristo” e o Arianismo, corrente esta fundada pelo Bispo Ário de Alexandria, que não cria na Trindade (Deus pai, Deus filho e Deus espírito santo), pois via Cristo como pré-existente e como a mais perfeita e bela criatura de Deus, e que encarnara em Jesus de Nazaré.
Daí em diante o ensino intelectual perde cada vez mais força ante o Poder da Igreja Católica Romana, de modo que com as invasões bárbaras e queda do Império Romano, em 476 d.C, praticamente não haviam mais escolas gramaticais e de retórica, e as escolas paroquiais assumiriam esse vácuo de poder.
O analfabetismo voltará a reinar e o método crítico-lógico será sepultado, salvo em poucos lugares, numa espécie de movimento de marcha e contramarcha na “guerra” entre o dogma e a ciência.
Sem saber ler e escrever, pouco a pouco a população mundial também desaprenderá a pensar por si, sujeitando-se ao dogma e às ditadura religiosas e políticas que governarão o mundo até o século XV, quando alguns movimentos reformadores voltarão a dar importância às habilidades da leitura e da escrita.
São esses focos de resistência intelectual e o movimento de marcha e contramarcha da Era Medieval que estudaremos nos próximos episódios desta série.
Até breve!