Por Helen Pessoni*
Empreender nunca é fácil. Seja para um recém-formado ou para um profissional experiente, tomar as rédeas da carreira e levar adiante o sonho do negócio próprio exige muita coragem. Isso acontece em qualquer ramo, mas em algumas atividades, como a medicina, por vezes, é ainda mais difícil.
Além da notória ausência de disciplinas sobre empreendedorismo nas universidades, alguns médicos e outros profissionais – professores, por exemplo – lidam com uma crença que liga a profissão a uma espécie de “sacerdócio”. E como tudo que é divino, se ligar à materialidade – especialmente ao dinheiro – pode se transformar em algo pecaminoso e empreender torna-se quase que um ato proibido.
Sofri com isso durante algum tempo. Sentia uma grande dificuldade para precificar meu trabalho e achava “imoral” querer tornar meu negócio – uma clínica – um sucesso comercial. Crescer e ganhar dinheiro era “feio”.
Olhando pra trás vejo o quanto deste sofrimento e prejuízo poderia ter evitado se eu tivesse uma formação sobre gestão de negócios. Eu teria entendido muito mais cedo que não preciso sacrificar a médica para ser empresária. Ao contrário, quanto mais eficiente eu for como gestora, mais eu terei tempo para me dedicar à face assistencial.
Há nove anos o Ministério da Educação (MEC) desenvolveu novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para atualização do aprendizado nas universidades e faculdades, que abrangem a reafirmação dos princípios éticos, responsabilidade social, humanização dos atendimentos, e a gestão em saúde.
Em 2021, a Revista de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) divulgou os dados de uma pesquisa em relação à identificação das disciplinas que beneficiam a gestão de serviços de saúde e os projetos pedagógicos considerados fundamentais para o exercício profissional da medicina. O estudo revelou que menos de 1% do tempo total da formação acadêmica é investida no ensino de empreendedorismo e de gestão, envolvendo disciplinas como inovação, política, economia, administração, mercado, serviços e qualidade.
Ainda assim, empreender é um desafio possível!
A primeira coisa que precisamos entender como empreendedores no setor da saúde é que existe diferença entre valor e preço. E a segunda coisa que precisamos fazer é explicar isso para as pessoas. Para todas que compõem o nosso ecossistema – dos fornecedores até os pacientes.
Graças à internet, os pacientes atuais chegam ao consultório cheios de informações – nem todas corretas – sobre doenças e tratamentos. A figura do médico que sabia tudo já não existe e o paciente é, cada vez mais, cliente. Ele exige que o serviço seja bom desde o primeiro contato para marcar um horário, até o pós-atendimento.
Uma saúde de valor não se mede pelo preço final do tratamento, mas pelo melhor uso dos recursos disponíveis e como isso soluciona – nas condições que a ciência já é capaz de oferecer – o problema do cliente.
Então é preciso estar preparado.
Lembro que quando comecei a clinicar, éramos eu e uma secretária apenas no consultório. Tudo foi dando certo e o volume de obrigações a cumprir crescendo exponencialmente. De repente, olhei pra mim e vi que era uma empresa com todos os setores. Eu negociava com fornecedores, contratava, atendia aos pacientes, fazia curativos, ligava no pós-atendimento… Mas eu não me via como empresa até aquele momento, embora fosse.
Foi a partir daí que comecei a buscar pessoas especializadas para cada função e o negócio se transformou, ganhou escala.
Esse é o primeiro conselho que dou aos que querem ser médicos-empreendedores ou qualquer outro profissional, dentro ou fora do setor de saúde: se entenda como uma marca. Organize-se desde o início como uma empresa. E, para isso alguns passos são fundamentais:
- Contrate um bom contador para ajudar na legalização da empresa;
- Tenha uma consultoria em RH para ajudar na contratação de funcionários;
- Faça uma pesquisa de mercado, entenda o seu nicho de atuação;
- Contrate um arquiteto especializado para adequar o espaço à sua atividade;
- Pesquise as tecnologias disponíveis para o seu segmento e faça uma lista de prioridades de implantação, pois os custos costumam ser altos.
E, o mais importante: não tenha medo. Cerque-se de pessoas bem qualificadas, siga estudando, se prepare e tenha resiliência.
Helen Pessoni é médica, com 16 anos de experiência na área de cirurgia vascular e angiologia. Atualmente possui duas clínicas no Rio de Janeiro que levam seu nome – uma na capital (Barra da Tijuca) e outra em Niterói. Especialista em tratamento de varizes e microvarizes com técnicas minimamente invasivas e inovadoras como laser, endolaser e espuma densa, já tratou mais de 10 mil pernas.