Hoje darei uma pausa nos artigos sobre a morte da democracia substancial para abordar a violência no futebol brasileiro. Não dá para deixar passar algo assim. Semana que vem volto com a série original sobre política substantiva e política formal.
O livro “Lênin – Vida y Actividad” revela um segredo da juventude do comunista Lênin que pouquíssimas pessoas sabem: ele sentia ódio contra Leis.
Lênin dizia que as leis eram instrumentos de dominação das classes dirigentes e que não se prestavam a fazer justiça, mas servir de instrumento de punição. Esta reflexão ele fez no século XIX, em 1887, quando tinha 18 anos. O que mudou de lá para cá?
No Brasil, recentemente a juíza Ludmila Lins Grilo declarou publicamente que não recorreria de uma decisão proferida contra ela “por não acreditar na Justiça”. Que repercussão deveria ter uma declaração destas na mente do povo de todo o país? Ingente, grande, muito grande!
Mas, que repercussão teve a declaração da juíza que afirma não crê na Justiça teve? Praticamente nenhum! Quais os possíveis significados desta afirmação, vinda de uma juíza? Que lei é uma coisa e Justiça outra, bem diferentes; que é ilusão confundir Poder Judiciário com Justiça, como afirmo em meus livros e artigos. Neste caso, Lênin tinha razão em sua desconfiança sobre leis serem analgésicos para curar efeitos e não causas.
Que relação essa minha reflexão guarda com o futebol? Intrínseca! Os dois últimos episódios de violência das torcidas de Vasco e principalmente Corinthians contra seus jogadores, comissão técnica e diretores mostra um lado macabro das leis, para o qual as pessoas não atentam.
Ora, se não é possível crer na Justiça a quem o povo recorrerá? Ao Chapolin colorado? Certamente não vai resolver! Então, restam as Leis do país. Mas, e se as leis existirem como mero apêndice sem o qual o existir não é afetado? O que resta? Restará um sistema de violência perpétuo que ora arrefece, ora recrudesce convivendo normalmente com o povo, como se fosse uma serpente venenosa, momentaneamente presa em sua jaula e cuidada por um cuidador relapso.
Segundo a juíza Ludmila Lins Grilo, o Poder Judiciário brasileiro virou um cuidador de animais ferozes dos mais relapsos; daqueles que alimenta indevidamente o animal feroz e, ainda por cima, costuma deixar a porta da jaula destrancada. Não é que deixe a porta aberta. Não, não deixa! Afinal, é preciso disfarçar um pouco. Deixa a porta encostada, sem passar a chave ou o cadeado.
O Técnico do Corinthians, em sua entrevista de fim de partida, ontem, diz: “É muito ruim você estar numa concentração no hotel e se sentir numa prisão domiciliar. Você não pode descer para o hall, ir no elevador, é agredido verbalmente na recepção. Você chega em Santos e não pode entrar no hotel. Onde vamos parar? Quando morrer alguém, vão parar”
“Quando morrer alguém, vão parar”, diz Vanderlei Luxemburgo. O triste é que já morreram inúmeras pessoas e a violência não parou, Vanderlei!
E não parou porque falta coordenação do tal “sistema de justiça brasileiro” que deve atuar linkando as forças do Poder Executivo: polícia(prende em flagrante e lavra o BO), ministério público(oferece a denúncia contra os torcedores marginais), juntamente com o Poder Judiciário(processa e sentencia os torcedores marginais).
Amigo e amiga, se eu sei certinho como tudo deve ser feito você acha que o tal “sistema de justiça” não sabe? Não creio que você seja ingênuo a tal ponto! Imagino é que você está se perguntado o porquê de eles não fazerem.
Há leis para agir? Sim! Veja o que diz o Código Penal brasileiro. Aliás, vou colocar dos crimes mais leves para os mais graves para que você entenda escalonadamente e ainda melhor;
CRIME DE AMEAÇA – Art. 147 do CPB:
Art. 147 – Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único – Somente se procede mediante representação.
Neste crime exige-se a figura condicionante da REPRESENTAÇÃO. Para isto bastaria que o juizado móvel(igual ocorre em acidente de trânsito) tivesse ido ao hotel do Corinhtians e perguntasse aos jogadores: – vocês querem representar contra esses vagabundos que ao invés de estar trabalhando estão aqui ameaçando a vida de vocês?
Dito sim, lavrar-se-ia o flagrante, levando-se todos os torcedores vagabundos para a delegacia(mesmo que não fiquem presos, dada a natureza “leve” do crime); em seguida acionaria os mecanismos administrativos do Código do Torcedor para proibir esses torcedores serpentes venenosas e cheias de violência de frequentarem estádios, blá, blá, blá (acho cansativo repetir o óbvio, mas aí está)
CRIME DE DANO e Dano qualificado
Art. 163 – Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
Este crime de dano cabe ao pessoal do hotel, clube, diretoria, etc, registrar o BO. Vai lá, faz!
Lesão corporal
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena – detenção, de três meses a um ano.
Lesão corporal de natureza grave
§ 1º Se resulta:
I – Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;
II – perigo de vida;
III – debilidade permanente de membro, sentido ou função;
IV – aceleração de parto:
Pena – reclusão, de um a cinco anos.
§ 2° Se resulta:
I – Incapacidade permanente para o trabalho;
II – enfermidade incuravel;
III perda ou inutilização do membro, sentido ou função;
IV – deformidade permanente;
V – aborto:
Pena – reclusão, de dois a oito anos.
Lesão corporal seguida de morte
§ 3° Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quís o resultado, nem assumiu o risco de produzí-lo:
Pena – reclusão, de quatro a doze anos.
Nestes crimes de lesão corporal leve, grave e gravíssima, havendo qualquer ofensa à integridade do jogador, comissão técnica, diretoria, blá, blá, blá, lavra-se o BO e a polícia e ministério público têm obrigação de atuar de ofício.
Que saber? Nem vou falar de homicídio, de torcedor que mata torcedor, que quer matar os atletas, técnicos, dirigentes, etc. Minha pergunta é: porque as autoridades aceitam a violência tão passivamente e nas rebuscadas entrevistas que dão dizem que tudo está sob controle? Sob controle dos marginais?1
Vanderlei Luxemburgo com toda razão em estar assustado diz: “Quando morrer alguém, vão parar”. Lamento informar, Vanderlei, que já morreu muita gente e nada mudou. Relembre:
Em 5/72023 o GE noticiou:
“Integrante da Gaviões estava armado e disse que mataria Luan durante agressão em motel, relata testemunha”
Em 23/6/2022 o GE noticiou;
“Briga entre corintianos e são-paulinos deixa torcedor morto na Grande SP, dizem policiais”
Em 17/12/21 o portal TERRA noticiou:
“O primeiro registro, que se tem conhecimento, sobre um assassinato envolvendo líderes de torcidas organizadas no Brasil é o caso de Cleofas Sóstenes Dantas da Silva. Ou apenas Cléo, ex-presidente e fundador da Mancha Verde, principal torcida do Palmeiras. No ano de 1988, aos 24 anos de idade, ele foi assassinado com dois tiros, na zona oeste da capital paulista. O motivo e os culpados pelo crime, até hoje, são incógnitas para as autoridades que investigaram o caso na época. No entanto, entre as pessoas que eram próximas de Cléo, existe uma crença muito forte de que o a morte teria sido vingança de outra torcida rival, após briga em que a Mancha Verde teria levado a melhor.”
“Quando morrer alguém, vão parar”… vão, não! Já morreram muitas pessoas. Um dos graves problemas do Brasil é que toleramos o corrupto e a corrupção, aceitamos a violência em cada esquina dessa imensa Nação.
Ora, a juíza Ludmila Lins Grilo(e é óbvio que os que estão governando vão dizer que isso é narrativa de oposição, blá, blá, blá) que aqui cito disse que não crê na Justiça, e as leis claramente estão aí, mas não são aplicadas, enquanto os marginais estão nas portas dos supermercados.
Hoje mesmo, ao retornar da pedalada e ir ao supermercado contei seis deles pedindo na porta do estabelecimento, daqueles que você sabe que saiu da cadeia na “saidinha” ou “saidão” que as autoridades usam como muletas para disfarçar a paralisia política e administrativa da qual sofrem. Sendo assim, Vanderlei Luxemburgo está coberto de razão ao dizer que os trabalhadores honestos é que vivem numa espécie de prisão domiciliar.
Quanto à afirmativa “Quando morrer alguém, vão parar” lamento informar que se há algo que não para no Brasil é: corrupção, violência, impunidade e descaso com as Leis.
A juíza Ludmila diz que NÃO CRÊ EM JUSTIÇA, NO BRASIL. Fato é que este sentimento e crença é partilhada por muita, mas muita gente mesmo e, há muito tempo. A juíza, apenas, teve a coragem de dizer. O que vão fazer com ela por dizer a verdade? Bem, como os socialistas e comunistas gostam de dizer, há muitas narrativas que podem ser construídas e neste caso fica realmente difícil o que será feito.
Ao final, penso: porque será que Lênin, o mais fervoroso dos comunistas, odiava Leis?