“A Universidade Federal do Ceará (UFC) vetou a utilização do Centro de Convivência da instituição como espaço para a realização do “VI Encontro Internacional Trabalho e Perspectivas de Formação dos Trabalhadores”, previsto para os dias 12 a 14 de novembro deste ano.
Organizado pelo Laboratório de Estudos do Trabalho e Qualificação Profissional (Labor), da Faculdade de Educação (Faced) da UFC, o evento acadêmico internacional tem Paulo Freire como homenageado.
Segundo docentes à frente do seminário, o Centro de Convivência, localizado no Campus do Pici e com capacidade para até 600 pessoas, havia sido reservado ainda no início do ano, antes da posse do novo reitor da UFC, Cândido Albuquerque.
A solicitação do auditório foi feita em 26 de abril, às 12h44min, pelo professor Jackson Braga, da Faced. A resposta com a liberação do centro foi dada em 8 de maio, às 15h42min de uma quarta-feira, por Alexandre de Almeida Silva, então responsável pelo uso do local.
“Prof. Jackson Braga, informo que houve a autorização para a realização do evento. Por favor, me envie logo que possível a programação oficial do evento (horários/utilização dos espaços definidos)”, escreveu Alexandre Silva na época.
O gestor, no entanto, foi substituído por Carlos Maia, atual coordenador do Centro de Convivência da UFC. A permissão para o encontro foi então revista e o uso do espaço, negado.
Oficialmente, a justificativa da universidade é que o centro passará por reformas durante os dias do encontro. Por meio de assessoria, a UFC afirmou que se tratam de “reparos em banheiros, em algumas partes do forro e outras ações necessárias no momento”.
A instituição disse ainda que, segundo Carlos Maia, “nas condições atuais do centro, não é possível receber eventos das dimensões do Encontro do Labor, com mais de 400 inscritos”.
Até menos de um mês atrás, porém, não havia previsão das intervenções no espaço, relata o professor Enéas Arrais, coordenador-geral do evento. “Em cima da hora (dois dias atrás), faltando menos de um mês para o evento, o local reservado no Campus da UFC nos foi negado de forma súbita e sem maiores explicações”, afirmou o docente.
De acordo com Arrais, “até a semana passada não havia indicação de que tivesse qualquer problema” no Centro de Convivência. “Na segunda-feira (14) fomos comunicados que o edifício não estaria mais disponível por necessitar de reforma”, conta. “É estranho, porque essas reformas são organizadas, planejadas.”
Ainda conforme o professor, a mudança de local gera “um contratempo para muita gente, inclusive comprometendo o nome da universidade”. Alguns palestrantes, como o educador italiano Paolo Nosella, que fará a conferência de abertura sobre “liberdade e educação”, foram convidados com um ano de antecedência.
“Imaginamos que a UFC deva ter uma justificativa para a reforma atingir o evento em cima da hora, sem informe prévio”, acrescentou. “Algo que não era previsto acontece às vésperas do evento, com aluguel de som e cadeira. Há uma perda financeira. Pessoas que fizeram reservas de hotéis para o lado mais próximo (ao local do centro, no Pici).”
Questionado se considerava o ato da UFC como censura, tanto pela homenagem a Paulo Freire quanto pelo fato de o Labor consistir num de pesquisa cujo escopo acadêmico inclui eixos temáticos como trabalho, educação e marxismo, Arrais evitou comentar.
“A gente entra num território onde eu não gostaria de entrar. Não devo e não posso pressupor má-vontade (da instituição)”, declarou. “É um evento acadêmico tradicional, que tem recebido apoio institucional. É um evento internacional, consolidado e que contribui para a avaliação da UFC”, reitera. “Ele tem uma característica de estar numa tradição crítica. Mas é assim que é academia. Não pode estar bitolada dentro de guias.”
Também organizador do evento, o professor da Faced Jackson Braga considera que, ainda que a data dos debates fosse alterada e ele a reapresentasse para dezembro, o que considera inviável, “o encontro, com certeza, será negado caso eu não ‘prove’ que ele é estritamente científico, uma vez que se trata da temática formação de trabalhadores, Paulo Freire, teorias e discussões em torno no pensamento marxiano”.
Para o pesquisador, a postura da UFC é, sim, um filtro. “Se tivéssemos tempo, eu o reapresentaria só para confirmar que existe uma equipe que filtra doravante o que deve ou não ocorrer na universidade”, criticou o docente.
Braga destaca ter visitado o auditório ao lado de Carlos Maia em agosto passado. “Fomos lá para a vistoria e exatamente ele mesmo nos acompanhou. Batemos fotos e foi tudo aprovado. Agora ele substitui o Alexandre e faz essa alegação.”
No último dia 7 de outubro, a reportagem perguntou ao reitor da UFC, Cândido Albuquerque, se há alguma orientação para avaliar internamente conteúdo e programa de eventos nos espaços da universidade antes de liberar auditórios e outros locais para uso.
O gestor da universidade respondeu que “isso normalmente fica a critério do diretor” do centro, mas que o “Ministério Público já mandou recomendação para que evite a atividade político-partidária” dentro da instituição. Cândido adicionou: “De uma maneira geral, como diretor da Faculdade de Direito (da UFC), eu não autorizava aqueles movimentos que não tinham interesse acadêmico”.
Questionado especificamente sobre o evento realizado pelo Labor, da Faced, o reitor disse no mesmo dia 7/10: “Não temos qualquer informação e não pediram o espaço!”.
No dia 16/10, O POVO voltou a procurar Cândido sobre o mesmo assunto: se a UFC havia negado equipamento para a realização do evento. O gestor disse então que, “no dia e horário anunciado não temos espaço, mas não recebi nada oficialmente”.
A alteração imprevista no calendário obrigou à realocação, e o “VI Encontro Internacional Trabalho e Perspectivas de Formação dos Trabalhadores” será agora realizado na Universidade do Parlamento Cearense (Unipace), prédio anexo ao da Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE).
A data do evento se mantém, de 12 a 14 de novembro. O público previsto é de 800 estudantes e professores, com 16 minicursos, apresentações orais, mesas e debates, das 8h às 22h. Os temas em foco vão da educação no Brasil, Argentina e Itália, até discussões sobre trabalho, classe social e política, com docentes de ao menos três estados: Ceará, Maranhão e São Paulo.
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