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STF permite afastamento de governador sem aval do Legislativo desde 2017

Por Sérgio Rodas

O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), foi afastado do cargo no domingo (8/1), por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. A decisão seguiu jurisprudência da Corte estabelecida em 2017. Antes disso, a suspensão de chefe do Executivo estadual dependia de aval da Assembleia Legislativa.

aval da Assembleia Legislativa.

Ibaneis Rocha foi afastado do cargo por 90
dias por decisão de Alexandre de Moraes
Reprodução

Após os atos terroristas contra o STF, o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto, o presidente Lula (PT) decretou intervenção federal no Distrito Federal, e Alexandre afastou Ibaneis do cargo por 90 dias. Segundo o ministro, houve “omissão e conivência” de diversas autoridades da área de segurança e inteligência. Policiais militares do DF, subordinados a Ibaneis, não barraram os manifestantes que invadiram e depredaram as sedes do Judiciário, Legislativo e Executivo.

“O descaso e conivência do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública e, até então, secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres — cuja responsabilidade está sendo apurada em petição em separado — com qualquer planejamento que garantisse a segurança e a ordem no Distrito Federal, tanto do patrimônio público — Congresso Nacional, Presidência da República e Supremo Tribunal Federal — só não foi mais acintoso do que a conduta dolosamente omissiva do governador do DF, Ibaneis Rocha”, disse Alexandre, relator do caso. O Supremo formou maioria nesta quarta-feira (11/1) para manter o afastamento de Ibaneis.

Originalmente, a Constituição Federal de 1988 e as constituições estaduais não permitiam o afastamento de governador sem aval do Legislativo. Foram propostas diversas ações contra dispositivos de constituições estaduais que estabeleciam a necessidade de autorização da Assembleia Legislativa para a instauração de processo penal contra governador — e a sua consequente suspensão do cargo.

Algumas tramitavam desde 1990, mas o primeiro caso analisado (ADI 5.540) chegou em 2016 ao STF corte e discutia o caso do governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT). O Supremo concluiu que a abertura de ação penal contra governador não depende do aval do Legislativo. Essa decisão cabe à Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, inclusive sobre a aplicação de medidas cautelares e sobre o afastamento do cargo. Os ministros estabeleceram ainda que o chefe do Executivo não deve ser automaticamente afastado após a abertura do processo.

Nesse julgamento, que aconteceu em maio de 2017, os ministros definiram também que a decisão poderia ser aplicada monocraticamente em todos os casos em tramitação. E definiram a tese:

“Não há necessidade de prévia autorização da Assembleia Legislativa para o recebimento de denúncia ou queixa e instauração de ação penal contra governador de estado, por crime comum, cabendo ao STJ, no ato de recebimento ou no curso do processo, dispor, fundamentadamente, sobre a aplicação de medidas cautelares penais, inclusive afastamento do cargo.”

Em dezembro de 2017, a Corte Especial do STJ aceitou a denúncia contra o governador Fernando Pimentel, mas não viu motivos para afastá-lo do cargo.

Em regra, cabe ao STJ decidir sobre o afastamento de governador. No caso de Ibaneis Rocha, contudo, a decisão coube ao Supremo devido à inclusão dele no inquérito dos atos antidemocráticos.

Governadores afastados
Desde a decisão do STF, o Superior Tribunal de Justiça afastou quatro governadores. Todas as medidas foram determinadas por decisões monocráticas, posteriormente referendadas pela Corte Especial.

No fim de 2018 e de seu mandato, o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (MDB), foi afastado do cargo e preso preventivamente a mando do ministro Felix Fischer. No pedido de prisão, a Procuradoria-Geral da República argumentou que o esquema de corrupção estruturado pelo ex-governador Sérgio Cabral (MDB) foi mantido por Pezão e seguia ativo. Solto, o governador poderia dificultar ainda mais a recuperação dos R$ 39 milhões que supostamente recebeu de propina, disse a PGR.

Wilson Witzel foi destituído do cargo após
condenação em processo de impeachment
Antonio Cruz / Agência Brasil

Em 2020, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), foi afastado do cargo por 180 dias por decisão do ministro Benedito Gonçalves. O magistrado afirmou que a medida — tomada antes de ouvir o político — era necessária para impedir que ele usasse a máquina estatal para seguir praticando crimes de corrupção e dilapidando os cofres públicos. No entanto, o ministro negou pedido de prisão preventiva do governador feito pelo Ministério Público Federal. A decisão gerou controvérsia no meio jurídico.

Witzel foi condenado à perda do cargo pelo Tribunal Especial Misto, em abril de 2021, por crimes de responsabilidade em fraudes na compra de equipamentos e celebração de contratos durante a epidemia de Covid-19.

No ano seguinte, o ministro Mauro Campbell afastou Mauro Carlesse (PSL) do cargo de governador do Tocantins pelo prazo de 180 dias, em decorrência de apuração de pagamento de propina e obstrução de investigações. Carlesse era investigado por integrar e chefiar organização criminosa responsável por movimentar propina no âmbito de plano de saúde dos servidores estaduais e incorporar recursos públicos desviados, tudo com a participação de secretários estaduais e policiais civis. Meses depois, Carlesse renunciou ao posto.

Já em 2022, em plena campanha à reeleição, o governador de Alagoas, Paulo Dantas (MDB) foi afastado do cargo por decisão da ministra Laurita Vaz. O Ministério Público Federal e a Polícia Federal acusavam o governador de chefiar uma organização criminosa responsável por desvios de servidores fantasmas na Assembleia Legislativa alagoana, à época em que era deputado estadual.

O afastamento de Dantas durante as eleições gerou críticas. O jurista Lenio Streck ressaltou que nem havia denúncia do MP e disse que a medida impactava o pleito.

Na semana antes do segundo turno, entretanto, os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, do STF, revogaram o afastamento do emedebista. Gilmar considerou que a legislação eleitoral não permitiria tal medida contra um candidato à reeleição às vésperas do pleito. Já Barroso entendeu que havia dúvida razoável sobre a competência do STJ para tomar a decisão.

Paulo Dantas foi reeleito governador de Alagoas. O candidato obteve 52,33% dos votos e derrotou o senador Rodrigo Cunha (União Brasil) no segundo turno das eleições.

Prisão de governantes
A possibilidade de deter provisoriamente autoridades ainda é tema controverso, que sofreu diversas alterações desde a promulgação da Constituição Federal. Ela estabelece que o presidente da República só pode ser preso após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Ele também apenas vira réu em ação penal por crime comum no Supremo Tribunal Federal caso dois terços da Câmara dos Deputados aceitem a denúncia. Nesse cenário, o presidente é afastado do cargo até a decisão do STF. Se isso não ocorrer em até 180 dias, ele reassume o posto.

Diversas constituições estaduais repetem essas regras para seus governadores. Entre elas, a do Rio de Janeiro. O artigo 147, II, parágrafo 3º, da Constituição fluminense afirma que, “enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações penais comuns, o governador do estado não estará sujeito à prisão”. O caput do mesmo dispositivo diz que, se o Legislativo aceitar a denúncia, a ação penal por crimes comuns será julgada pelo STJ.

Mas a jurisprudência vem mudando a Constituição do Rio. Em 1995, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o artigo 147, inciso II, parágrafo 3º, do texto. Na ação direta de inconstitucionalidade 1.022, os ministros definiram que as constituições estaduais não podem dar aos governadores a mesma imunidade que os presidentes da República têm. Só a Constituição Federal poderia fazê-lo, ficou decidido.

Ao comentar a prisão preventiva do então governador do Rio Luiz Fernando Pezão, no fim de 2018, Lenio Streck, constitucionalista e colunista da ConJur, afirmou que a medida era legal. “Qualquer norma de constituição estadual que imuniza governador de prisão é inconstitucional. Só a Constituição Federal poderia dispor disso”, explica.

Mas o criminalista Fernando Augusto Fernandes discordou da interpretação do Supremo na ADI 1.022. “A constituição do estado é aplicável todas as vezes que ela tiver simetria com a Constituição Federal. Então, tendo em vista que a Constituição Federal impede que o presidente da República sofra qualquer processo enquanto no cargo, e, portanto, também não pode ser preso, e a Constituição do Rio trazia essas garantias simétricas ao governador, entendo que essa regra é constitucional”.

Caso Arruda
Uma decisão emblemática nesse sentido foi a prisão preventiva do então governador do Distrito Federal José Roberto Arruda (DEM), em 2010. Acusado pela PGR de tentar subornar o jornalista Edson Sombra, testemunha do esquema de corrupção que atingiu o governo do DF, empresários e deputados distritais, Arruda teve sua detenção decretada pelo STJ.

Na época decano do STJ, o ministro Nilson Naves questionou a possibilidade de o tribunal determinar prisão de governador sem ouvir o Legislativo local. Naves argumentou que, não sendo o STJ competente para iniciar a ação penal contra o governador, não pode, portanto, determinar prisão preventiva, pois o inquérito presidido na corte já havia sido concluído.

Contudo, prevaleceu o entendimento da ministra Eliana Calmon. Ela baseou seu ponto em um precedente do STF, o Habeas Corpus 89.417. Relatado pela ministra Cármen Lúcia, o julgamento relativizou a necessidade de se ouvir o Legislativo local para decretar prisão de governador. A detenção de Arruda foi mantida pelo Supremo.

 

Sobre o autor

A oposição é necessária para avaliar a gestão, mas é importante distinguir entre oposição legítima e politicagem, que busca causar problemas e confundir a população. É preciso ficar atento para não cair nesse jogo manipulador.

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