Por: Luciano Sacramento
Esse é um relato de um amigo, José Fernandes (50), um cearense de Sobral, que resolveu contar-me sua experiência com a depressão e autorizou-se a transcrevê-la com o intuito de que seja útil a outras pessoas. Achei melhor, para manter a originalidade, escrever na primeira pessoa, como se fosse o próprio a narrá-la.
Eu sempre tive crises de depressão, antes mesmo de conhecer a doença. Hoje, olhando para trás, enxergo com nitidez sua presença desde a minha adolescência, percebo-a com certa frequência na idade adulta, até aquele ponto nunca tinha ido ao psiquiatra, na minha cabeça reinava a ideia de que as crises passariam por si sós, iriam embora sorrateiramente, assim como chegaram. De fato, as coisas assim ocorriam. Eram dias de sofrimento, contudo, de pouca intensidade e duração. Depois, tudo voltava ao normal, até a próxima crise, que chicoteava minha mente e meu corpo.
Ainda olhando para o passado, percebi muitas atitudes levadas a cabo em função da depressão. Na época, eu achava tudo normal.
As minhas maiores crises graves eclodiram em Brasília/DF. Quando vim morar na capital do país (2006) em função de ter sido aprovado num concurso para uma Agência Federal, tive pequenos surtos, semelhantes aos do Ceará, entretanto, num dado tempo tive uma crise mais forte, por esse período, conheci minha atual esposa, que também era depressiva e fazia acompanhamento psiquiátrico. Pois bem, foi ela quem me levou pela primeira vez numa consulta com um psiquiatra. O doutor solicitou um exame de sangue e concluiu que eu era portador do Transtorno Bipolar, a partir dali passei a ser medicado com Carbolítio e regulamente me consultava com o Psiquiatra.
Com pequenas alterações, de 2006 a 2013 não tive mais nenhuma grande crise, tendo o lítio controlado rigorosamente a variação do meu humor. Minha qualidade de vida melhorou muito. Entretanto, em junho de 2013, tive uma crise devastadora, pela primeira vez senti profundamente a crueldade das garras dessa doença silenciosa como nunca. Também, pela primeira vez fiquei afastado do trabalho em função da depressão. Foi tudo muito cruel e inédito, lembro que houve dias em que dormi o dia todo, sem ânimo para executar a menor e mais simples atividade. Ainda com minha esposa, voltamos ao mesmo psiquiatra, ele receitou outro medicamento – Cloridrato de Venlafaxina – para combinar com o Carbolítio. Quinze dias após a ingestão do novo medicamento combinado com o Carbolítio, eu estava bom da crise. Eu lembro ainda de forma viva os rigores da doença agindo no meu corpo e na minha mente.
De 2013 a 2019 a situação estava tranquila, não fui acometido por nenhuma grande crise, continuava tomando o Carbolítio e a Venlafaxina. Porém, no final de 2019 ocorreu outra grande crise, consultei-me com uma psiquiatra, meu psiquiatra original não estava atendendo, havia se aposentado. A Médica, vendo que a Venlafaxina não estava dando conta do recado, mudou esse medicamento por Rexulti, elaborando um mapa de transição, onde eu ia aos poucos migrando da Venlafaxina para este ultimo medicamento. Em pouco tempo a crise foi extinta.
Até aqui, parece, do ponto de vista do doente, que existe um ciclo de eclosão das grandes crises de depressão, pelo menos em mim. Essas crises têm sido tratadas com a combinação do Carbolítio e um novo medicamento
II
Nenhuma doença presta, nenhuma é boazinha, mas, a depressão tem características peculiares que dificultam muito a vida do doente.
A primeira grande propriedade da doença, uma vez que age na mente, no cérebro, é distorcer a realidade, o deprimido em crise vê o mundo de cabeça para baixo. Isso é muito grave! É como olhar uma imagem e vê-la destorcida, aplicando isso ao relacionamento social, pode-se perceber as possibilidades funestas que causam. Quem poderá dizer quantos crimes foram cometidos sob o império da depressão?
Mas, os estragos dessa doença não transitam apenas pela mente, têm papel determinante no aspecto físico. O deprimido, no auge da crise, pode entrar num estado de prostração, sem ânimo para exercer quaisquer atividades que requeiram dispêndio de energia física. Muitas pessoas passam pela vida atrelados ao estigma de preguiçoso e irresponsável, quando na verdade são doentes da depressão.
Essa falta de ânimo, leva a uma outra consequência, quem não tem depressão, ao se deparar com um amigo ou parente deprimido diz: levanta! Se esforça! Deixando claro que entende o outro como um ser fraco, que não luta pela sua recuperação e que por isso continua doente. Interessante, ninguém diz esse tipo de coisa para uma pessoa que está numa cama com a perna quebrada. Assim, concluímos, a depressão é uma doença invisível, só o deprimido e o seu médico enxergam-na.
O somatório de tudo isso: a falta de empatia, o real desânimo, a tristeza profunda, a visão de que seu mundo está de cabeça para baixo. A percepção de que a crise nunca passará, o sofrimento pelo passado, a ausência de perspectiva de futuro, o presente triste e nebuloso, dias longos sem sol, mesmo que o sol esteja brilhando, pode elevar ao suicídio, ato extremo, que perpassa a cabeça de todo deprimido.