Percorrendo o espírito do tempo da arte ao longo de cinco décadas, livro compila cadernos de memórias do artista visual, de 1973 a 2017
Na página 230, das mais de 400 que dão corpo a “Natureza e Arte: Anotações de um Pintor”, Eduardo Corrêa de Araújo destaca as aspas do crítico londrino John Ruskin: “É um grande infortúnio ter um diário, mas também um delicioso deleite tê-lo tido”. Era 2001 quando o artista visual registrou a frase em um dos seus cadernos de memórias, muito longe, intencional e cronologicamente, de pensar em lançar o livro que reúne suas reflexões feitas no papel entre 1973 e 2017. Um deleite, pois, para os leitores, que agora podem ter acesso a esses quase 45 anos de observações sobre o universo artístico ao longo das últimas cinco décadas.
Quase como uma conversa com o leitor, “Natureza e Arte: Anotações de um Pintor” reúne didaticamente esses pensamentos na longa jornada do fazer artístico do, agora, autor – que se define como um pintor que escreve. Engenheiro de formação e professor do curso de Engenharia da UFPE, Araújo se aproximou das artes plásticas em Olinda, frequentando um estrelado grupo de amigos formado por Guita Charifker, Samico, Zé Claudio, José Barbosa, Luciano Pinheiro, José de Barros, Maurício Arraes e Gil Vicente.
Foi na Marim dos Caetés que seus caminhos artísticos foram fundamentados até o ano de 1978. Nos primeiros passos de sua “criança artística”, Eduardo desenhava à lápis, e com o amadurecimento de seus traços, posteriormente passou para pintura com aquarela e xilogravuras. “Junto a estes artistas, fundamos o Atelier Coletivo (1989-1992) ”, anota Eduardo. Após o pontapé no universo artístico, ainda dividido entre as duas paixões (arte e ensino), foi se dedicar à carreira acadêmica com uma pesquisa de extensão em Londres, em 1978.
A essa altura, o engenheiro já queria sair de cena para entrar no universo do subjetivo. Na Inglaterra, Eduardo vivia uma espécie de puberdade artística, desfrutando de descobertas e de uma maior liberdade na execução de seus movimentos. Todas as novas percepções entusiasmadas acerca das cores, cenários, e rostos tomaram forma nas telas, e registros em cadernos de anotações. No entanto, tudo ainda era muito particular e autodidata.
Ganhando cada vez mais robustez e maturidade em seus olhares e obras, pediu demissão por carta da Universidade e decidiu que viveria de arte. De Londres, o artista pernambucano mudou-se para Saturnia, na região italiana da Toscana, em 1980. A partir desta data, o seu crescimento e desenvolvimento pode ser acompanhado por meio de uma escrita mais robusta, repleta de técnicas, citações de incontáveis livros, conceitos já vivenciados e aplicados. Desde então, a vivência artística dele percorria a ‘idade adulta’, vamos dizer assim, com desafios e execução de obras mais complexas.
Ao longo do livro, é possível perceber a influência das diversas cidades em que Eduardo morou na sua construção enquanto artista e no tipo de discussão que ele promove com a sua escrita tão confessional. Estão lá as passagens por Saturnia, Sioli, Portile, Olinda, Escada, São Luís, Barra de Guabiraba, Caruaru, Fernando de Noronha, Baía Formosa, Florianópolis, Ostuni, Pau Amarelo e Recife. Outro ótimo fio condutor dessas memórias são as citações de artistas, pensadores, filósofos e críticos que atravessam o livro, sob a máxima de que ao citar o outro, a gente acaba dizendo o que queria.