Direto de Brasília-DF.
JV: Quando trabalhei na CAESB, Companhia de Água e esgotos de Brasília, tive o prazer de visitar a ETEB-SUL, Estação de Tratamento de Esgotos e percebi que há ciência, no processo de saneamento. Por exemplo, as estações de tratamento exigem pesquisa científica para identificar, separar e processar dejetos, inclusive para deles extrair riqueza, como gás combustível.
Sabendo-se por estudos da FGV, por exemplo, que a cada um real investido em pesquisa, o país recebe mais de dez, como retorno, a senhora sabe dizer quanto o Brasil investe em pesquisa, nesta área?
Ana Salett Marques Gulli: A despeito da essencialidade da área do saneamento, e também, mesmo levando-se em conta o reconhecimento de que as pesquisas científicas e tecnológicas podem contribuir para a superação das carências populacionais decorrentes da escassez do saneamento básico, não se verifica no país uma política de investigação na área. Existem iniciativas e programas não necessariamente articulados. A Funasa, por sua vez, tem atuação bastante limitada no tocante às pesquisas de fomento ao saneamento.
JV: Qual o impacto positivo do investimento em saneamento básico para o Brasil?
Ana Salett Marques Gulli: O grande ganho conferido pelo saneamento básico ao cidadão é a dignidade humana, por se tratar de um direito fundamental. A par disso, pode-se afirmar que o investimento no setor impacta em melhores indicadores de educação, na valorização imobiliária e do turismo, na geração de emprego e na redução de doenças.
JV: A senhora falou em ganho de “dignidade humana, por se tratar de um direito fundamental”. Como conceitua a tal “dignidade humana”, e como conceitua os tais “direitos fundamentais”?
Ana Salett Marques Gulli: garantia às condições existenciais mínimas para uma vida saudável confere a dignidade humana ao cidadão.
Sobre os direitos fundamentais, a Constituição da República diz em seu art. 6º, caput, que saúde é direito social, ao lado de educação, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados.
Dispõe, também, no art. 196 que: “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Dito isso, importante lembrar que não se pode falar em saúde sem falar em saneamento básico, donde se depreende a noção de direito fundamental.
JV: Investimentos em saneamento básico devem ser vistos como componente do desenvolvimento de uma Nação?
Ana Salett Marques Gulli: Sem dúvida alguma, o saneamento é um componente de desenvolvimento de qualquer nação. Nos países em que o Estado se preocupa em manter os índices de saneamento adequados à demanda da população, com enfoque no planejamento, regulação e gestão, naturalmente se desencadeia uma relação produtiva e positiva em prol da sociedade. A título de exemplo, basta observar grandes potências como Alemanha e Japão.
JV: A senhora citou o exemplo de grandes potências como Alemanha e Japão. Pode explicar melhor porque eles se preocupam mais com saneamento, e que exemplos práticos podemos tomar deles?
Ana Salett Marques Gulli: Pode-se depreender como lição dos países mencionados o Planejamento de longo prazo, a Cooperação entre setores públicos e privados, o baixo índice de perdas de água e a racionalização dos subsídios estatais.
JV: A senhora disse que hoje o percentual brasileiro de atendimento, é de 83%. Quais os maiores entraves, ou barreiras para que o Brasil ultrapasse os 95% de água tratada e esgotamento sanitário para o povo brasileiro, e com isto saia do rol de países onde doenças que já não deviam existir há décadas, continuam se repetindo?
Ana Salett Marques Gulli: A universalização do acesso aos serviços de saneamento básico é uma das metas do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), que foi aprovado em 2013.
Esse plano estabelece metas, diretrizes e ações referentes ao saneamento básico para o Brasil nos próximos 20 anos. Como dito anteriormente, o grande desafio do Estado Brasileiro em relação ao tema, passa por planejamento, regulação e gestão adequados.
Importante destacar que a má gestão representa um entrave com consequências jurídicas danosas para a política do saneamento, pois impede a destinação correta do recurso gerando prejuízo à sociedade e, ainda, gera custo direto e significativo para a União, na medida em que impõe a necessidade de ajuizamento de ações judiciais para fins de obtenção do ressarcimento ao erário.
JV: A senhora respondeu que uma das maiores barreiras para atingirmos um patamar de país desenvolvido no setor de saneamento, é a “má gestão”. Má gestão de que, e por parte de quem? Do governo federal, estadual, distrital, municipal, ou de todos?
Ana Salett Marques Gulli: Me referi a má gestão levada a cabo por parte dos gestores ao destinar os recursos federais a ações de saneamento. Alcança todos os entes federados, que na implementação da política federal do saneamento atuam em conjunto mediante transferência de recursos e outras parcerias.
Leia a última parte, amanhã.