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Empregado que participou de ato golpista pode ser dispensado por justa causa?

Por Fabíola Marques

O mundo se surpreendeu com a tentativa de golpe contra a democracia brasileira ocorrida no último domingo, dia 8 de janeiro de 2023.

A invasão e a depredação do Planalto, do Congresso Nacional e do STF, por bolsonaristas golpistas, caracterizaram a prática de crimes contra o Estado Democrático de Direito.

Porém, tais atos golpistas, antidemocráticos e de vandalismo poderiam justificar a dispensa por justa causa dos empregados que comprovadamente participaram das invasões?

A resposta não é simples.

A dispensa por justa causa é a forma de rescisão contratual, decorrente da vontade do empregador e motivada por falta grave cometida pelo empregado, que torna impossível a continuidade da relação de emprego.

É a pior sanção que pode ser aplicada ao empregado, porque põe fim imediato ao contrato de trabalho, sem o pagamento das verbas rescisórias. Ao constatar a prática de falta suficientemente grave para a rescisão do vínculo empregatício, o empregador, no uso de seu poder diretivo, poderá dispensar o empregado por justa causa, mediante o pagamento apenas, dos últimos dias trabalhados (saldo de salário) e das férias vencidas. Portanto, o empregado dispensado por justa causa não tem direito ao recebimento de aviso prévio; 13º salário; férias proporcionais; saque e indenização de 40% do FGTS; nem à percepção do seguro-desemprego.

As faltas graves que permitem a rescisão por justa causa estão previstas taxativamente na legislação trabalhista. São faltas imperdoáveis que vão desde a prática de atos desonestos, que provocam danos ao patrimônio da empresa, como a improbidade (alínea “a” do artigo 482 da CLT); até a prática de atos de violência física e agressões verbais contra o empregador ou colegas de trabalho (alíneas “j” e “k” do artigo 482 da CLT); ou, a perda da habilitação necessária para o exercício da profissão, em razão de conduta dolosa do empregado (alínea “m” do artigo 482 da CLT), dentre outros.

Em 1966, o Decreto-Lei nº 3 acrescentou, ao rol de faltas graves, previstas em sua maioria, desde 1943 (artigo 482 da CLT), a prática de atos atentatórios à segurança nacional, nos seguintes termos:

“Art. 482 – Constituem justa causa para a rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

(…)

Parágrafo único – Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional.” (Incluído pelo Decreto-lei nº 3, de 27.1.1966)

Para Wagner Giglio, a inclusão do parágrafo único ao artigo 482 da CLT, é considerada uma “legislação de exceção” [1], por ser decorrente do Golpe de 1964. Vólia Bomfim Cassar acrescenta que foram poucas “as oportunidades do Judiciário se pronunciar sobre a aplicação desta justa causa, seja porque o tipo caiu em desuso, seja por pronunciamento majoritário do TST através do antigo prejulgado 23 que se transformou na Súmula nº 150 do TST, cancelada em 2003” [2].

Alguns autores já se manifestaram expressamente pela inconstitucionalidade do referido parágrafo único, por entender que a redação é derivada do regime militar, como é o caso de Maurício Godinho Delgado. Neste sentido, o doutrinador explica que tais atos não constituem infração contratual, sendo “produto de um triste tempo de retrocesso político, cultural e jurídico no país” [3].

Ocorre, que o preceito continua sendo objeto de estudo por muitos juristas, como Sergio Pinto Martins [4], Homero Batista [5], dentre outros.

De acordo com a Lei nº 14.197, de 1º de setembro de 2021, são crimes contra as instituições democráticas, a tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito, com emprego de violência ou grave ameaça, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais (artigo 359-L do CP); além da tentativa de depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído (artigo 359-M do CP).

Os atos de invasão e destruição dos prédios dos Três Poderes praticados em Brasília, permitem a responsabilização criminal dos participantes e, se considerarmos constitucional o parágrafo único do artigo 482 da CLT, também a dispensa do empregado, autor de tais crimes, por justa causa.

Nesta hipótese, a apuração e a efetiva participação do empregado nos atos golpistas deve ser devidamente apurada e comprovada.

Vale observar que apesar de a legislação trabalhista fazer referência à prática de “atos” (no plural), o empregado envolvido nos crimes contra o Estado Democrático de Direito, ocorridos no dia 8 de janeiro p.p., não precisaria praticar mais de um ato atentatório à segurança nacional, para justificar a dispensa por justa causa.

De fato, existem faltas graves que devem ser praticadas habitualmente para caracterizar a dispensa motivada, como é o caso da desídia (alínea “e” do artigo 482 da CLT). Realmente, o empregado será considerado desidioso quando desempenhar suas atividades com desleixo, desinteresse e má vontade. Em regra, o empregado desidioso é aquele que falta ou se atrasa com frequência, e/ou que, reiteradamente, assume posturas que demonstram falta de comprometimento com o trabalho.

Por outro lado, um único ato, desde que grave, pode acarretar a dispensa por justa causa. A título de exemplo, se o empregado agride fisicamente um colega de trabalho (com socos, murros e pontapés) ou mesmo, seu superior hierárquico, não precisará praticar tais ofensas mais de uma vez, para ter seu contrato rescindido de forma motivada.

Além disso, a legislação trabalhista, ao se referir à prática de atos atentatórios à segurança nacional, faz referência à necessidade de apuração em “inquérito administrativo”.

Sobre o tema, Antonio Lamarca, em 1972, já fazia críticas à redação do artigo, afirmando que:

Êsse Decreto-lei, elaborado por pessoa não afeita a problemas trabalhistas, fala em inquérito administrativo (?), que não sabemos o que seja, a não ser para servidores públicos; em afastamento do indiciado das funções ou local de trabalho, por ordem de autoridade, sem que se configure suspensão do contrato (e, neste caso, o empregador, que nada tem a ver com a coisa, paga salários); em pagamento de salários durante os primeiros 90 dias da suspensão, etc. [6]

Conforme o entendimento de Homero Batista[7], a figura do inquérito administrativo, deve ser analisada em conjunto com o artigo 472 da CLT (que também foi alterado pelo Decreto-lei nº 3/1966):

“Art. 472 – O afastamento do empregado em virtude das exigências do serviço militar, ou de outro encargo público, não constituirá motivo para alteração ou rescisão do contrato de trabalho por parte do empregador.

§ 1º – Para que o empregado tenha direito a voltar a exercer o cargo do qual se afastou em virtude de exigências do serviço militar ou de encargo público, é indispensável que notifique o empregador dessa intenção, por telegrama ou carta registrada, dentro do prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados da data em que se verificar a respectiva baixa ou a terminação do encargo a que estava obrigado.

§ 2º – Nos contratos por prazo determinado, o tempo de afastamento, se assim acordarem as partes interessadas, não será computado na contagem do prazo para a respectiva terminação.

§ 3º – Ocorrendo motivo relevante de interesse para a segurança nacional, poderá a autoridade competente solicitar o afastamento do empregado do serviço ou do local de trabalho, sem que se configure a suspensão do contrato de trabalho.” (Incluído pelo Decreto-lei nº 3, de 27.1.1966)

4º – O afastamento a que se refere o parágrafo anterior será solicitado pela autoridade competente diretamente ao empregador, em representação fundamentada com audiência da Procuradoria Regional do Trabalho, que providenciará desde logo a instauração do competente inquérito administrativo. (Incluído pelo Decreto-lei nº 3, de 27.1.1966)

§ 5º – Durante os primeiros 90 (noventa) dias desse afastamento, o empregado continuará percebendo sua remuneração.” (Incluído pelo Decreto-lei nº 3, de 27.1.1966)

Assim, seria devido o afastamento do empregado para a apuração de motivo relevante para a segurança nacional, por até três meses, com o pagamento de sua remuneração, e, em seguida, a suspensão do contrato de trabalho, enquanto durasse o inquérito policial que é de responsabilidade da Polícia Federal.

Conclui-se que é possível a dispensa por justa causa do empregado, comprovadamente autor de crimes contra o Estado Democrático de Direito, desde que tais atos sejam apurados em inquérito policial. Neste caso, o empregador seria responsável pelo pagamento dos salários, dos primeiros 90 dias, estando suspenso o contrato de trabalho, enquanto durar o referido inquérito, que seja capaz de comprovar a atuação do empregado nos atos antidemocráticos.

 

[1] GIGLIO, Wagner. Justa Causa. São Paulo: LTr, 1993, p. 285.

[2] CASSAR, Vólia Bomfim, Direito do Trabalho. Niterói: Ímpetus, 2012, p. 1148.

[3] DELGADO, Maurício Godinho. São Paulo: LTr, 2019, p. 1440.

[4] MARTINS, Sergio Pinto. São Paulo: Atlas, 2015, p. 427.

[5] SILVA, Homero Batista Mateus da. Direito do Trabalho Aplicado: Direito individual do Trabalho. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021 (Coleção Direito do Trabalho Aplicado; volume 2), p. 406.

[6] LAMARCA, Antonio. Curso Expositivo de Direito do Trabalho: introdução e sistema. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1972, p. 241.

[7] SILVA, Homero Batista Mateus da. Direito do Trabalho Aplicado: Direito individual do Trabalho. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021 (Coleção Direito do Trabalho Aplicado; volume 2), p. 406.

 

https://www.conjur.com.br/2023-jan-13/participacao-atos-golpistas-dispensa-justa-causa

Sobre o autor

A oposição é necessária para avaliar a gestão, mas é importante distinguir entre oposição legítima e politicagem, que busca causar problemas e confundir a população. É preciso ficar atento para não cair nesse jogo manipulador.

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