Direto de Brasília-DF
Em edição passada publicamos matéria intitulada “Quanto valer educar alguém?”, noticiando que a Professora Daniela desenvolve um projeto de leitura diferenciada com seus alunos do Ensino Fundamental, na Escola Classe 42, da cidade satélite de Taguatinga-DF. Somente neste ano de 2018 seus alunos de 9 e 10 anos já leram 45 livros.
Abrimos esta série de entrevistas intitulada “Educadores que fazem a diferença” com Daniela, uma professora que faz a diferença na vida de seus alunos, no ambiente de suas famílias e, certamente, para a Nação brasileira.
PF – De onde veio sua inspiração para ser professora?
Professora Daniela: Minha inspiração veio dos diversos professores e professoras que passaram pela minha vida. Cada um contribuiu de forma significativa para ser quem sou hoje.
PF: O que os livros representam para você?
Professora Daniela: Para mim, os livros me proporcionam a possibilidade de descobertas. Me ajudam a viajar por mundos diversos, viver em diferentes épocas, construir diferentes emoções com seus vários personagens. Os livros me levam a conhecer novos horizontes que por vezes habitam dentro de mim, mas que ainda são desconhecidos.
PF: Nós divulgamos em uma matéria anterior que seus alunos de 9 e 10 anos já leram 45 livros somente neste ano de 2018. Você pode explicar aos leitores sobre seu programa de leitura e que importância atribui a ele?
Professora Daniela: O Projeto se baseia em uma lista de livros na qual eu apresento para os alunos algumas obras literárias (principais clássicos da leitura infanto-juvenil). Antes de iniciar o Projeto, geralmente converso com os pais em reunião para que possam contribuir e apoiarem as crianças na responsabilidade com a entrega pontual, o cuidado com o livro e o incentivo à leitura. Todos os dias eu exponho os livros em um tapete e os alunos escolhem um título que querem levar para casa naquele dia. Eles levam para casa e fazem a leitura.
No início do projeto cada criança recebe uma sacolinha contendo uma pasta com essa lista dos livros que farão a leitura durante o projeto. Nesta lista tem os campos que eles devem preencher como: a data da leitura, a assinatura da responsável que acompanhou a leitura e a atividade de escrita; a avaliação, em que a criança pinta de acordo com uma legenda se gostou do livro, se não gostou ou se achou a história mais ou menos interessante. Tem também a interpretação textual, que abarca personagens, objetos, lugares, e uma espaço para eles escreverem sobre o livro. À medida que vão lendo a pasta vai sendo preenchida.
A cada ano costumo batizar o Projeto com um nome diferente e que seja de acordo com a turma. Esse ano, o nome foi “O Clube da Leitura”. No final, quando todos os alunos alcançam a leitura dos livros da lista que forneço, geralmente faço uma pequena comemoração, com comilança e uma lembrancinha para cada um dos meus alunos. Acho que é um momento de comemorar a conquista e ter noção de que cumpriram uma responsabilidade proposta.
PF: Por que resolveu dar tanta ênfase à leitura de livros?
Prof. Daniela: Percebi que com a leitura alcançamos a aprendizagem da escrita ortográfica, do entendimento textual, da construção textual, da criatividade, e do desenvolvimento do raciocínio lógico entre muitas outras questões que as vezes nem percebemos, mas também estão sendo desenvolvidas como por exemplo a oralidade. Por isso, ao invés de trabalhar esses pontos de forma separada, que também se faz necessário pontuar, meus alunos conseguem desenvolver em conjunto todas essas habilidades.
PF: Você teve ou tem alguém ou algo que lhe inspirou a investir no projeto de leitura com seus alunos?
Prof. Daniela: Sim! Minha amiga e mestra Professora Itamara. Também trabalha na Escola Classe 42 de Taguatinga. Ela é um exemplo de professional. Experiente, competente e dedicada, ela me inspira todos os dias a fazer o melhor que posso para oferecer aos meus alunos uma aprendizagem significativa. Nesse projeto e na vida, ela foi e é minha inspiração.
PF: Como analisa a relação aluno professor nos dias atuais?
Prof. Daniela: Infelizmente o que vemos hoje é uma relação adoecida. Por muitas vezes a sociedade está deixando de acreditar no nosso trabalho, por isso não dá o devido valor, ou não participa da vida escolar das crianças. Nossos alunos estão reproduzindo o mesmo comportamento dentro da escola. Ouvimos muitas falas das crianças e sabemos que elas estão simplesmente repetindo o que ouvem em casa. Acho que ambas as partes devem ter consciência do respeito mútuo e exercer seu papel de forma coerente. Como profissional, devo conquistar a confiança tanto dos pais como dos meus alunos e por sua vez, espero o respeito e a parceria para que meu trabalho possa ser desenvolvido da melhor forma possível.
PF: Como professora você se sente como uma espécie de substituta do Estado e da família, na educação das crianças?
Prof. Daniela: Não me vejo como substituta, apesar que por muitas vezes nossas crianças precisam. A carga fica muito grande para nós professores, quando assumimos o papel do Estado e da Família. Posso por algum momento tentar oferecer o que seria função dessas entidades. Mas, substituir dá a ideia de trocar, colocar no lugar de uma coisa ou pessoa.
Sou consciente que meu trabalho pode ser muito mais eficiente se o Estado e a família exercerem cada qual sua função. Porém se uma dessas entidades falhar sei que terei que buscar outras possibilidades para que o direito de aprendizagem seja realmente exercido. Acho que a educação formal não acontece de forma efetiva sem que o Estado e a família cumpram suas funções, assim ensina Jacques Delors quando apresenta como pilares educação, o Estado, a escola e família.
PF: Como é substituir o Estado e a Família, na educação das crianças?
Prof. Daniela: Substituímos o Estado quando nos falta recursos necessários para desenvolver nosso trabalho. Em coisas simples como usar nosso computador pessoal para preparar nossas aulas, usar nossa internet particular para preencher diário eletrônico. E vai além para questões urgentes, como o atendimento médico para uma criança com suspeita de alguma patologia que influencia diretamente no desenvolvimento da aprendizagem e a segurança no trabalho. Em algumas questões não têm como substituir a função do Estado.
A mesma situação é com o papel da família. Questões emocionais, o acompanhamento escolar e o suprimento das necessidades básicas como comer, tomar banho, o lazer, o cuidado com a saúde, a escola pode até intervir, porém não consegue substituir.
PF: Você acha que os alunos trazem de casa uma espécie de “currículo oculto”, em razão dos costumes e crenças de seus familiares? Esse currículo oculto facilita ou dificulta o desenvolvimento intelectual deles?
Prof. Daniela: Cada núcleo familiar apresenta crenças e costumes diferenciados, e cada aluno carrega consigo o que lhes é ensinado desde a primeira infância. Mas, também é na família em que se constroem os primeiros aprendizados sobre ética e moral. Sobre o entendimento dos valores. Então, se a ética e a moral estiverem presente dentro da família, esse currículo oculto certamente facilitará o desenvolvimento intelectual dessas crianças, porque agregarão e partilharão saberes, sem ser uma ofensa para crenças e costumes que carregam em sua particularidade. Saberão conviver e respeitar as diferentes formas, de ser diferente!
PF: Qual a importância de ensinar Ética Social, valores como os da justiça e honestidade para o desenvolvimento de alunos?
Prof. Daniela: É desde infância que construímos caráter. A ética social e os valores são aprendidos. Não nascemos sendo honestos e justos. Se aprende os valores da honestidade e da justiça, assim como outros valores, como o respeito. Para isso alguém tem que ter a função de ensinar. Neste caso, a escola, o Estado e a família. Essa aprendizagem sendo desenvolvida desde a infância colabora para a construção de uma sociedade justa e honesta. Assim, nossas crianças aprendem os valores necessários para a convivência em sociedade.
PF: Conhecendo o universo da escolarização e da educação, como conhece, qual sua análise sobre o papel da família no desenvolvimento intelectual dos filhos?
Prof. Daniela: O papel da família é de fundamental importância para seu desenvolvimento intelectual. Quando a criança tem o apoio e a participação da família no desenvolvimento de sua aprendizagem, ela se sente mais confiante em busca de seu sucesso. Quando os pais acreditam no poder da educação, cobram delas a responsabilidade nos estudos, acompanham o seu desenvolvimento e lhes auxiliam em suas dificuldades. A aprendizagem neste caso se dá de forma mais leve e espontânea.
É importante que a família dê continuidade às descobertas que a escola proporciona junto com as crianças. Essas descobertas devem ser levadas para o dia-a-dia das crianças e potencializadas em ocasiões variadas.
PF: Conhecendo o universo da escolarização e da educação como conhece, se você fosse governante com poder para investir na educação, que medidas adotaria?
Prof. Daniela: Primeiro na valorização dos profissionais. Infelizmente a desmotivação e adoecimento da classe de professores faz com que a cada dia excelentes profissionais não acreditem mais no próprio trabalho, pelo não reconhecimento salarial e social. Desmotiva saber que temos uma das maiores responsabilidades para a construção de nossa sociedade, porém não temos a segurança de um salário que nos incentive a dar continuidade em nossa profissão.
Outra medida seria na organização dos recursos escolares. Investir em recursos tecnológicos e incentivar as crianças a aprenderem através da pesquisa. É o mínimo que podemos oferecer nessa era em que tudo é digital. Com aulas mais interativas e dinâmicas. Tornar a escola um lugar mais agradável para proporcionar o desenvolvimento da aprendizagem.
PF: Qual a importância da escolarização e da educação para cada aluno e, que reflexo esse processo pode ter para o desenvolvimento do Brasil?
Prof. Daniela: O reflexo será um país próspero e com justiça social. Com pessoas capazes de fazer escolhas em busca de um bem comum e em que os diferentes se respeitam; profissionais de diversas áreas capacitados e contribuindo com o desenvolvimento de uma sociedade humana e justa. Um país em que ninguém seja capaz de tirar ou diminuir a vida do outro por falta de honestidade e solidariedade, ou por puro egoísmo.
PF: Seus comentários finais:
Coloquei essas palavras no meu trabalho final da Universidade em (2011) e sempre acho oportuno refleti-las. Faço minhas as palavras de Gabriel Chalita (2009)
“(…) Sou inteira. Inteira nas lágrimas e no sorriso. Inteira no ensinar e no aprender. Sei que meus alunos precisam de mim. E eu preciso deles. E por isso somos tão especiais. E nesta nobre missão de educar, nossa humanidade se enriquece ainda mais. Sou professora. Com muito orgulho. Com muita humildade. Com muito amor. Sou professora!”
Obrigado Professora Daniela! A Nação brasileira tem um débito para com seus professores. Pena, que quem recebe são os políticos!