Direto de Brasília-DF.
A cidade de Esparta é uma exceção à quase todas as demais cidades-estado gregas, no que diz respeito ao processo educativo.
Para começar, Esparta rejeitou culturalmente a transição política que migrou dos diversos tipos diferentes de governo como ditadura, monarquia e democracia e optou por seguir seu caminho solo de devoção à tradição militar. Seu processo de educação e ensino seguia fundamentado na tradição oral homérica e acorrentado à tradição militar.
Thomas Giles diz que em Esparta “o bem do Estado é o valor supremo” e diz, também que “as crianças nascem e são criadas para o serviço do Estado”. E agora digo eu, não ele, o bom serviço prestado à cidade-estado era aquele desenvolvido nas fileiras do exército e em proteção aos demais membros civis da população como mulheres, crianças em pré-idade do serviço militar e aos anciãos.
É fato histórico que a perfeição física, para os espartanos, era mais importante que qualquer outra virtude. Não refiro-me ao senso estético de beleza apenas, mas às características de guerreiro, sobretudo nos filhos homens.
As famílias, a cidade-estado e a sociedade eram permeados pelo mesmo espírito que cultivava a virtude militar e a virtude do guerreiro-cidadão, como a mais nobre de todas.
Para pais e mães o orgulho não residia nos filhos possuírem certificados ou diplomas de formação escolar em retórica, música, astronomia, matemática, gramática ou filosofia, mas na vocação de guerreiros e soldados. Eis porque as escolas se preocupavam mais em formar um homem de caráter “rude”, forte, inclusive com a relativização da moral. Sim, é verdade! A moral como subproduto da Ética que apregoava o proceder justo, legal e honesto era totalmente relativizada na sociedade espartana.
O escritor Thomas Ransom Giles exemplifica bem essa questão da relativização da moral quando relata que “ao ingressar na escola, o menino recebe uma cama de palha, sem cobertor, e uma camisola curta. Deve andar descalço. Para acostumar-se a passar fome em tempo de guerra, só recebe um mínimo de comida. O resto, ele deve conseguir como pode. Deve, pois aprender a roubar. É meio de se desenvolver a astúcia. Só que, se for apanhado em flagrante, será severamente castigado por falta de habilidade. O castigo para qualquer falta contra a disciplina será a flagelação com o chicote”. Percebe como a noção de Ética e Moral era relativa? Percebe como tal relativização moral segue viva na política de nossos dias?
O convívio entre a família e o filho homem era mínimo. Poucos dias após nascido havia um conselho de anciãos que vinha examinar se o infante tinha saúde ou se nascera com deficiência física ou mental. Neste caso tanto em Esparta quanto em Atenas o filho deveria ser morto. A diferença é que em Esparta quem decidia sobre a morte do filho com deficiência física ou mental era o conselho e em Atenas esta decisão cabia exclusivamente aos pais.
Essa prática de matar o filho que nascia com deficiência física ou mental segue vigente no mundo até hoje. Ocorria nas civilizações andinas e até hoje dela se conhece entre índios de várias tribos brasileiras. Sob o ponto de vista antropológico matarem seus filhos deficientes ou de saúde frágil não era nem é para eles um ato de crueldade, mas um ato de amor e compaixão. O que você pensa disto? Você é capaz de fazer uma análise empática e histórica sobre este fato?
O Historidador, Dr. Anthony Cantor, em documentário do Discovery Channel relembra a todos que matar deficientes físicos foi uma das marcas do regime alemão nazista de Hitler de 1933 a 1945, e eu lembro que não só do regime nazista alemão, mas também do regime nazista japonês e do regime nazista italiano e espanhol, chamado de “fascismo”, no fundo, todos marcados pela estúpida ideologia do purismo da raça branca, se o cérebro e o sangue tivessem cor.
Em Esparta, nascido com saúde física e mental, o filho deveria ser entregue à escola militar da cidade-estado. Esse filho só voltaria a ter contato com os pais nas ocasiões em que era posto à prova diante do vários altares dos templos dos deuses que os espartanos adoravam, tais como Apolo de Amiclas e Atena da Casa de Bronze, por causa de seu templo banhado a bronze. Nessas ocasiões os diversos “estagiários” de soldados enfrentavam uns aos outros em lutas ferrenhas.
Mas, era diante do altar do santuário de uma deusa totalmente espartana chamada Ártemis e Ortia, que os filhos eram submetidos, diante dos pais e parentes, à “prova do chicote”, ocasião em que deviam apanhar até verter sangue das costas. Thomas Giles diz que “o medo de decepcionar os pais e parentes levava muitos alunos a suportar a prova até a morte”.
O processo educativo, portanto, estava arraigado no consciente coletivo e objetivava criar um espírito obediente e guerreiro. Enquanto isto, o processo de ensino dirigia-se aos exercícios corporais, como salto, corrida, natação, caça e luta livre.
A luta livre era tão privilegiada que uma vez ao ano os alunos recebiam da cidade-estado uma licença para matar. Eles podiam escolher um servo ou escravo sem treinamento militar para lutar com eles até à morte. Observe que quem é criado ferrenhamente sob determinada doutrina, seja ela religiosa, militar ou política, há sempre de ver o mundo por esse filtro. Neste processo perde-se o entendimento de que a existência é composta de muitas verdades, porque o dogmatismo de quem pensa de uma só maneira impede o Ser de expressar-se por múltiplas formas e, por conseguinte, de evoluir cientificamente…
Esparta será derrotada na Batalha de Leuctras, pela cidade de Tebas em 371 a.C. Tebas, por pouco tempo será a cidade mais importante da Grécia, até que a cidade de Corinto, que visitei na Região do Peloponeso (a mesma cidade citada nas duas epístolas ou cartas do bíblico e histórico Apóstolo Paulo) tornar-se-à o centro do poder grego, perdendo este posto, quando o pai de Alexandre o Grande, em 338 a.C., desce da Macedônia para derrotar e conquistar a Grécia na Batalha da Queroneia, em 338 a.C.
Todos esses períodos serão preparatórios para a chegada de Alexandre o Grande que com seu gênio e estratégias conquistará a maior parte da quele mundo antigo e será aclamado como Imperador, Rei da Pérsia e Faraó do Egito, desde o ano de 336 a 323 a.C. Neste período Alexandre e a dinastia dos Pompeu e das Cleópatras investirão e ajudarão a transformar o processo educativo e de ensino, inclusive fundando bibliotecas, do qual a mais importante é a de Alexandria, que possuía no século I a.C, mais de um milhão de livros e quando a visitei em abril de 2019, reconstruída e ampliada, hoje pode comportar mais de oito milhões de livros.
Todos nós, hoje, tememos uma terceira guerra mundial. Pois bem, foi na Terceira Guerra Macedônica, em 146 a.C., que Esparta e o restante da Grécia, e em pouquíssimo tempo Ásia e África (o que era considerado o “todo” do mundo civilizado de então) sucumbirão ao Império Romano. Mas esta é uma incursão histórica que ainda faremos mais à frente nesta pequena série de artigos que nos incursiona na história da educação e do ensino.
Até breve!