São Paulo tem 750 defensores públicos, mas precisa ter 1.349, segundo a Associação Paulista de Defensores Públicos (Apadep). Isso se o diagnóstico do Ministério da Justiça estiver correto. Segundo a pasta, o nível ideal de acesso à Justiça é que haja pelo menos um defensor público para cada grupo de 15 mil pessoas.
A luta pelo aumento no número de quadros é uma das missões do defensor Augusto Barbosa, eleito para presidir a Apadep entre 2019 e 2020. Em entrevista à ConJur, o defensor conta que a entidade também necessita de um corpo técnico de servidores e estrutura física de prédios.
Barbosa assume o comando da associação no mesmo período em que Jair Bolsonaro assume a presidência da República. Coincidência, mas a pauta do governo Bolsonaro chega a ser antagônica à razão de ser da Defensoria.
Segundo o novo presidente da Apadep, o governo vem apresentando medidas equivocadas, especialmente em matéria penal, na qual apela ao punitivismo. O defensor observa que a população carcerária brasileira só tem crescido, mas a criminalidade não tem diminuído — uma das justificativas para o discurso do governo é, inclusive, o aumento da violência nas grandes cidades.
“A Constituição prevê diversos valores como dignidade humana, inclusão social, garantias de liberdades, ou seja, de uma proteção dentro de uma democracia liberal, da proteção do indivíduo contra o arbítrio estatal”, afirma Augusto Barbosa. “Nossa posição é defender o que diz a Constituição.”
Leia a entrevista:
ConJur — O discurso vencedor das eleições foi abertamente punitivista. Alguns governadores chegaram a falar em atirar para matar, ou até aumentar o encarceramento. Como analisa o momento?
Augusto Barbosa — Essa política de encarceramento em massa, que também vem de uma política de combate às drogas, da maneira como é feita no Brasil, é equivocada. Não resolve as questões combatidas e gera outros problemas. O Brasil já é a terceira população carcerária do mundo, estamos atrás apenas dos Estados Unidos e da China, mas não reduziu a criminalidade. Ao contrário, há um fortalecimento das organizações criminosas. Portanto, a postura é equivocada.
É um discurso político que encanta muita gente, mas não resolve o problema social que é tão grave no Brasil. O Brasil é de uma desigualdade social muito clara, tem um déficit em políticas públicas de educação, de moradia, de saneamento básico, e de saúde muito claro também, e a criminalidade tem crescido no Brasil, também em decorrência disso. A gente tem que trabalhar utilizando outros mecanismos, especialmente esses mecanismos de inclusão social. Parece utópico, é possível, desde que haja uma vontade política não só dos governos, mas também da sociedade.
ConJur — Não é raro ver a Defensoria ser acusada de antagonista do discurso hoje vigente, ou de ser contra o combate ao crime.
Augusto Barbosa — A Defensoria Pública, especificamente nas questões do encarceramento em massa e dos aumento de penas, tem que se posicionar de acordo com o que prevê a Constituição. A atuação da Defensoria é eminentemente institucional, não tem qualquer tipo de posicionamento partidário. Nosso posicionamento é: existem valores definidos na Constituição e na legislação e a gente tem que cumprir esses valores. E a Constituição prevê diversos valores como dignidade humana, inclusão social, garantias de liberdades, ou seja, de uma proteção dentro de uma democracia liberal, da proteção do indivíduo contra o arbítrio estatal.
ConJur — Que papel a Defensoria deve ocupar nesse contexto?
Augusto Barbosa — Um espaço um pouco mais além do processo judicial. A gente também tem que começar a ocupar espaços e isso já tem sido feito no âmbito político. A Anadep, a associação nacional dos defensores, tem comissões temáticas e o Condege, que é o Colégio Nacional de Defensores Públicos Estaduais, também têm comissões temáticas e uma delas é justamente na parte de legislação criminal. É um espaço que os defensores públicos podem ocupar, especialmente no Congresso Nacional.
ConJur — Quais as maiores dificuldades da classe em São Paulo? E o que você pretende fazer de medidas práticas na Associação para ajudar?
Augusto Barbosa — Melhoria de estrutura de trabalho, dos prédios e das instalações. Necessidade de formar um corpo técnico que dê apoio aos defensores públicos. Em São Paulo a gente tem 750 defensores públicos, e o ideal, pelos estudos do Ministério da Justiça, é que tivéssemos em São Paulo 2,1 mil defensores públicos. A ideia é de ter um defensor público para cada 15 mil habitantes. Precisamos expandir o número de defensores, mas também o quadro de apoio. A quantidade de pessoas que vão procurar a Defensoria Pública é muito grande. VEm 2017 a gente atendeu cerca de 1,7 milhão. Isso só de atendimentos.
ConJur — Defensores públicos devem pagar anuidade à OAB?
Augusto Barbosa — O defensor público não é um advogado. Uma das vedações para o exercício do cargo de defensor público é advogar. A Constituição fez essa divisão claramente na emenda 80. Nossa atuação processual parece com a do advogado, mas não é igual. Temos estatuto específico, regime próprio, lei orgânica, órgão de fiscalização. A Apadep é uma das autoras nas principais ações para cancelamento da inscrição na Ordem. A gente entrou com um mandado coletivo, 72 colegas, pedindo o cancelamento. Chegou a ser deferido, mas houve recurso de ofício e a OAB reinscreveu esses colegas. A Apadep ajuizou mandado de segurança no STJ e em agosto de 2018 veio uma decisão monocrática favorável ao nosso pleito: para exercício da função basta a nomeação e a posse do cargo.
ConJur — O debate sobre a competência da Defensoria para ingressar com ação civil pública já está pacificado?
Augusto Barbosa — Na parte de ação civil pública, sim. A Lei Complementar 132, de 2009, que alterou a Lei Complementar 80, que estabelece as normas gerais para as Defensorias Públicas, deixa claro que a Defensoria tem legitimidade ativa para ações civis públicas.
ConJur — E quanto à atuação como custus vulnerabilis?
Augusto Barbosa — É importante e salutar, porque traz também esse papel da Defensoria Pública, como um representante não só institucional, mas também social, do setor mais carente da população. Traz esse olhar, traz para o discurso processual, para o debate processual uma visão institucional de alguém que está focado no setor mais hipossuficiente e vulnerável da sociedade.
ConJur — O Tribunal de Justiça de São Paulo é conhecido por ser rigoroso em matéria penal. O presidente do Superior Tribunal de Justiça recentemente deu um pito público na corte paulista por não respeitar súmulas. Qual a relação de vocês com TJ-SP?
Augusto Barbosa — A Defensoria de São Paulo é uma das entidades que mais leva demandas de fato para o STJ e para o Supremo, especialmente o STJ, porque os Habeas Corpus contra acórdãos e decisões do TJ vão parar lá. A gente tem buscado fazer valer o que de fato está nas súmulas do STJ e do Supremo, especialmente na matéria criminal. Se os entendimentos estão sumulados, é porque são decisões que reiteradamente chegam aos tribunais superiores e eles têm inúmeros acórdãos naquele sentido. Fazem as súmulas justamente para que haja uma pacificação da jurisprudência e aquilo alcance todo o país. Portanto, juridicamente, o certo é que o TJ também siga as determinações do STJ e do Supremo. Não só por serem decisões do STJ ou do Supremo, mas porque elas seguem toda essa estrutura normativa. E já há estudos da FGV e até da própria Defensoria mostrando o ganho elevado dos HCs e recursos que impetramos, o que mostra que nossa atuação é técnica e tem resultados importantes.
https://www.conjur.com.br/2019-jan-27/entrevista-augusto-barbosa-defensor-publico-presidente-apadep