Direto de Brasília, DF
Chegamos ao final da série de artigos “Machismo e Agressão ao Princípio da Igualdade Salarial no Mercado de Trabalho”, que iniciamos em 14 de janeiro deste ano. É exatamente neste DIA INTERNACIONAL DA MULHER que trago a você uma entrevista com uma mulher que se capacitou, conquistou seu espaço no mercado de trabalho e tem a experiência e a palavra certa para esclarecer as políticas e as estratégias que podem ajudar a sociedade a combater o machismo, uma verdadeira praga mundial.
Desfrute desta belíssima e esclarecedora entrevista.
Judivan Vieira: Pode citar um pouco de seu currículo de vida?
Vice-governadora do DF, Celina Leão: Sou formada em Administração de Empresas e Psicologia, e também sou graduada em Direito. Sou casada e mãe de dois filhos. Venho de dois mandatos distritais e um como deputada federal. Atualmente sou vice-governadora do Distrito Federal e, também Presidente do Partido Progressista do DF.
Fui Procuradora Especial da Mulher na Câmara Legislativa do DF e propus várias leis que beneficiam diretamente à mulher. Sempre foi uma luta minha. No meu último ano de mandato de deputada federal abracei mais uma vez a luta em favor das mulheres, assumindo a Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados. Tive através da minha atuação como coordenadora, 199 projetos de Leis de interesse da bancada feminina aprovados na Câmara dos Deputados e 78 sancionados.
JV: Como vê o papel da mulher no Mercado de Trabalho?
Vice-governadora do DF, Celina Leão: As mulheres estão presentes em todos os setores do mercado. Ainda há muita disparidade em relação aos homens, mas as mulheres cada dia mais ocupam um lugar de destaque na sociedade, muitas já assumem cargos de liderança e isso é confortante demais. Elas estão na política, na engenharia, na tecnologia e na ciência. São mulheres protagonistas do próprio negócio, empreendedoras, juízas, professoras, doutoras. Temos avançado e conquistado espaços tão importantes na sociedade.
JV: Porque resolveu entrar para a política?
Vice-governadora do DF, Celina Leão: Sempre tive a minha mãe, Maria Célia Leão, como exemplo de como podemos ajudar o próximo através da política. Por isso, entrei para política para ajudar e lutar pelo meu sonho: de ter um Brasil com condições iguais para todos.
JV: O meio político é dominado por homens. Como vê o baixo percentual de Mulheres na política municipal, estadual, distrital e federal e a que fatores atribui essa defasagem em relação à participação masculina?
Vice-governadora do DF, Celina Leão: Precisamos analisar o contexto histórico de forma geral. As mulheres por muito tempo tiverem um papel apenas reprodutor para a sociedade, aonde a grande responsabilidade e dever era cuidar da casa e da família.
Só há 92 anos, o que é um tempo muito curto, que a primeira mulher votou no Brasil, minha xará Celina Guimarães. Até então as mulheres não tinham voz, principalmente em questões políticas. São 92 anos trabalhando em uma construção participativa das mulheres na política e entre tantos outros direitos que lutamos diariamente.
Hoje temos mais mulheres na política, mas nosso percentual é muito pequeno em relação a masculina. Precisamos conquistar mais esse espaço e para que isso aconteça precisamos de oportunidades, visibilidade para mostrar a nossa voz, nosso posicionamento, nossas ideias…só assim vamos conseguir alcançar uma política igualitária, sem misogenia. Precisamos de mais apoio das mulheres e de todos da sociedade para sanar essa defasagem.
JV: O que fazer para que as mulheres se envolvam e participem mais na política?
Vice-governadora do DF, Celina Leão: Acho que é importante a gente sempre incentivar a participação das mulheres, não só, mas também, nos cargos políticos do poder público. O primeiro passo é dar voz as mulheres. Precisamos escutar e dar espaço para que as mulheres se sintam confortáveis e entendam que política também é lugar de mulher. Acredito que o coletivo é peça fundamental e escutando, incentivando, promovendo políticas públicas de participação seja peça fundamental para que essas mulheres se envolvam cada vez mais na política.
JV: Como analisa a participação feminina no Mercado de Trabalho, no Setor Privado, sabendo que as mulheres ganham em média 17 a 20% menos que os homens, ainda que desempenhando as mesmas atividades, atribuições, cargos, etc?
Vice-governadora do DF, Celina Leão: Infelizmente ainda é uma realidade que a gente vive. Temos que lutar diariamente para que esse cenário mude. E lutamos fazendo políticas públicas para a promoção da mulher e legislações para a igualdade de tratamento de gênero. É importante também a integração da perspectiva de gênero em todas as esferas. Mostrar que independente do gênero, o que importa é a capacidade de executar um trabalho conforme exigido pelo mercado. Incentivar e mostrar para essas mulheres que elas são capazes de ocupar cargos de liderança, conquistar diplomas de doutorado, mestrado e etc … É uma realidade e direito na vida delas.
JV: Considerando o que dissemos na pergunta anterior, o que entende ser o sustentáculo do machismo na comprovada desigualdade salarial entre homem e mulher, no Mercado de Trabalho?
Vice-governadora do DF, Celina Leão: Acredito que a falta de visibilidade e a falta de debate sobre o tema fortalece esse tipo de machismo. O receio de perder o seu lugar para uma mulher existe, não podemos negar. O machismo enraizado e a questão estrutural também continuam a fortalecer a desigualdade salarial. Como disse anteriormente são apenas 92 anos de conquista feminina no Brasil. Estamos aos poucos mostrando para a sociedade sobre igualdade de gênero e ao meu ver a grande base desse machismo na desigualdade salarial é a dificuldade de entender que os tempos mudaram, nós, mulheres também queremos os nossos direitos e sermos remuneradas da mesma forma, porque temos a mesma capacidade.
JV: Que agentes dos setores econômicos a senhora crê oferecem mais sustentação ao machismo que desiguala a questão salarial da mulher no Mercado de Trabalho: os donos das empresas em geral, as próprias mulheres trabalhadoras que não se impõem, ou as poucas políticas estatais que combatem o machismo por meio de leis, mas não fiscalizam nem efetivam a igualdade na prática?
Vice-governadora do DF, Celina Leão: Todos esses exemplos citados acima constroem essa questão salarial. Os donos das empresas, por muitas vezes, não fazem ideia do quadro de funcionários, muitas mulheres não se impõem por medo, medo de perder o emprego, medo de sofrer alguma represália. Então, são muitos pontos que contribuem para que essa situação aconteça. O governo vem trabalhando diariamente essa pauta, por meio de leis, fiscalização, projetos, campanhas, mas não conseguimos sozinho. Precisamos da participação de todos os cidadãos. Precisamos que os donos das empresas, os setores responsáveis pelos funcionários tenham essa consciência interna, precisamos que as mulheres percam o medo de se posicionar e que lutem pelo direito que a elas é adquirido por lei. Esse é um trabalho em conjunto, feito por todos.
JV: Que papel a educação formal (ensino fundamental até o universitário) da Sociedade pode desempenhar no combate ao machismo, com reflexos no Mercado de Trabalho?
Vice-governadora do DF, Celina Leão: Essencial. A escola é um dos grandes pilares na formação de cidadãos e mostrar essa problemática e oferecer mecanismos que façam com que esses jovens, que estão em processo de amadurecimento, entendam como o machismo de forma geral é prejudicial para o coletivo. Precisamos de projetos, programas, e ações que trabalhem esse tema para que esses jovens consigam crescer com um novo pensamento, diferente da geração passada. Educando meninos a entenderam o machismo, a misoginia, o preconceito e encorajar as meninas a terem voz e posicionamento. A educação é a base de tudo e junto com a família, as escolas e universidades conseguimos construir cidadãos conscientes.
JV: Em meu livro “A MULHER E SUA LUTA ÉPICA CONTRA O MACHISMO” sustento cientificamente que o combate ao machismo estrutural merece ser tratado como disciplina e figurar no currículo escolar desde o ensino fundamental e médio, e até como disciplina optativa nos cursos universitários, como forma de combatermos o reducionismo da importância humanitária do papel da mulher na vida e no mercado de trabalho. A senhora não acha que o Estado está tratando o machismo como um sintoma ao invés de atacar a causa, através da educação das novas gerações desde os anos mais tenros? Há meios de a Senhora levar adiante a ideia de inserir o combate ao machismo como matéria curricular?
Vice-governadora do DF, Celina Leão: No GDF estamos atacando a causa. Quando eu estava na Câmara Federal, como coordenadora da bancada feminina, uma das leis que aprovamos foi justamente levar obrigatoriamente esse tema para ser abordado durante semana nas escolas. Aqui, no DF, já estamos em fase de regulamentar. Acredito, que assim como a educação do trânsito influenciou as nossas crianças a chamar a atenção dos seus pais quando estão fazendo algo errado durante a movimentação do veículo, acredito que essa semana ensinará e combaterá o machismo e a violência doméstica. Uma ação à longo prazo.
JV: No dia do lançamento de meu livro “A MULHER E SUA LUTA ÉPICA CONTRA O MACHISMO” em Brasília, lembro de uma cena emblemática. Um casal entrou na fila e veio à mesa em que estava autografando. O marido olhou para a esposa e disse: – Ah, não vou comprar esse livro. Ele foi feito para mulheres! Eu olhei para ele e disse: – Não, amigo! Este livro foi escrito para todas as pessoas e, principalmente, para os homens já que é o homem que é machista! Que importância a senhora atribui aos homens que se unem à voz das mulheres no combate ao machismo estrutural e no mercado de trabalho, já que algumas feministas, em meu sentir, equivocadamente dizem que só a mulher tem “lugar de fala” para combater o machismo?
Vice-governadora do DF, Celina Leão: Infelizmente esse tipo de situação acontece com frequência. A sociedade sempre separou os gêneros em: isso é coisa para a mulher, isso aqui é coisa para homem. Só que isso não pode existir. Quando falamos de pautas femininas não estamos falando apenas para mulheres, assuntos que beneficiam apenas as mulheres, até porque não existe só mulheres no mundo, vivemos em um coletivo e a participação masculina nessa pauta é essencial. Quando falamos em igualdade não é apenas um lado que beneficiamos, mas sim todos.
JV: Quais políticas e estratégias o governador Ibaneis Rocha e a Senhora têm para combater o machismo estrutural e no mercado de trabalho, e que órgãos ou entidades estão a cargo de executar tais políticas e estratégias? Caso existam tais políticas e estratégias Já é possível apontar algum progresso mensuravelmente real?
Vice-governadora do DF, Celina Leão: Existem diversas ações sendo realizadas. Estamos unindo a Secretaria da Mulher, Secretaria de Educação e a Secretaria da Justiça e Cidadania. Estamos realizando ações nas cidades. Indo até a população proporcionando meios que irão ajudá-las a compreender que o machismo pode e deve ser combatido. Que todas fazem parte do processo para combater o machismo. O conhecimento fortalece. Estamos oferecendo mecanismos para dizer que elas não estão sozinhas e podem contar com o nosso governo.
JV: Em meu livro “A MULHER E SUA LUTA ÉPICA CONTRA O MACHISMO” assinalo que o Setor Público, por meio do concurso público conseguiu eliminar o machismo como forma de desigualdade salarial neste segmento do mercado de trabalho, já que homens e mulheres que exercem cargos, empregos ou funções têm sua remuneração fixada em relação às atribuições de forma igualitária. Em seu entender, porque o Setor Privado segue tão machista, na medida em que paga de 17 a 25% a menos para mulheres que desempenham as mesmas funções que homens?
Vice-governadora do DF, Celina Leão: No setor público conseguimos ter esse “controle” e colocar em prática a implementação de igualdade. Já no setor privado não conseguimos ter essa fiscalização da mesma forma. Por isso é tão importante as políticas públicas promovidas pelo governo, para que possamos de alguma forma levar o debate ao setor privado e que elas consigam implementar essa cultura de igualdade.
JV: Se o Estado tem o PODER DE IMPÉRIO para exigir tributos e criar leis que implicam tanto em penas quanto em penalidades administrativas, a senhora pensa que o Estado deve legislar para punir empresários e empresas que praticam o machismo como forma de desigualdade salarial no mercado de trabalho, inclusive
considerando que na legislação moderna as pessoas jurídicas são sujeitos ativos de crime e faltas administrativas, como ocorre nas infrações ambientais?
Vice-governadora do DF, Celina Leão: Enquanto eu estava como Coordenadora da bancada feminina levamos o projeto de Lei nº 14.611, para o plenário da Câmara Federal, que foi aprovado. Conhecida como a Lei da Igualdade Salarial entre homens e mulheres, para a diminuição das desigualdades existentes nas remunerações no ambiente corporativo. Após muitas discussões, em 23 de novembro de 2023, foi publicado o Decreto 11.795 para regulamentar a referida lei, bem como foi publicada em 27 de novembro de 2023 a Portaria do Ministério do Trabalho nº 3.714 para regulamentar o decreto.
JV: O escritor David S. Landes em seu livro “A riqueza e a pobreza das Nações” sustenta que ao impedir o acesso das mulheres ao mercado de trabalho, o machismo estrutural contribui com a falta de progresso e até com atraso no desenvolvimento dos países. Quanto de verdade a senhora pensa haver nesta afirmativa? Se concorda com ela, que programas e ações pensa caber ao Estado para minimizar esse erro histórico?
Vice-governadora do DF, Celina Leão: Eu concordo com esse pensamento de que, quantos menos mulheres inseridas no mercado de trabalho lutando pelos nossos direitos, salários, conquistas e nosso espaço, cresce mais o machismo. Precisamos das mulheres para lutar contra isso e não deixar o machismo se fortificar.
Creio que atrasa um país como um todo. Precisamos que o coletivo cresça e se desenvolva, tanto homens como mulheres, com mesmos direitos e deveres.
JV: Hoje comemoramos o DIA INTERNACIONAL DA MULHER. Considerando sua condição de mulher que desbravou o mercado de trabalho, pode oferecer uma espécie de CHECK LIST do que as mulheres devem fazer para vencerem o machismo como fator de desigualdade salarial no mercado de trabalho.
Vice-governadora do DF, Celina Leão: Quero primeiramente parabenizar a todas as mulheres, não só hoje, mas todos os dias. Por sermos fortes, guerreiras e conseguirmos dar conta do recado. É complicado dar um checklist, porque não é como uma receita de bolo que você segue ali direitinho, cada mulher tem uma vivência e uma realidade. Mas acho que colocaria a capacitação no topo. Perseverança, proatividade e determinação.