Direto de Brasília-DF.
Profa. Dra. Paula Meyer Soares (UnB-FGA)
Laura Vieira Maia de Sousa (UnB-FGA)
Os impactos ocasionados pela pandemia decorrente da crise sanitária provocada pelo alastramento do vírus do COVID-19 são inúmeros e diferenciados dependendo da estrutura de mercado na qual se insere o setor em questão. No caso do setor elétrico, composto por uma cadeia complexa produtiva formada pelos segmentos de geração, transmissão e distribuição é notório que os efeitos foram diferenciados.
Afim de que possamos compreender esses impactos, é importante citar os efeitos primários repercutidos imediatamente sobre o setor. Primeiramente, não podemos ignorar o aumento dos níveis de inadimplência e sua repercussão no equilíbrio econômico-financeiro dos segmentos do setor elétrico. Outros efeitos decorrentes da pandemia repercutiram no ambiente de comercialização de energia e nas negociações futuras de energia representadas pelos leilões de energia.
O reconhecimento da gravidade sanitária decorrente do contágio do COVID-19 culminou em ações que assegurassem a sobrevivência da população. O isolamento social foi adotado imediatamente para amenizar os efeitos desse contagio em ambientes externos. Tal iniciativa gerou uma queda da atividade econômica em diversos setores da economia. A demanda de carga diminuiu fruto do arrefecimento da atividade econômica. Entre os setores que apresentaram as maiores quedas de demanda de carga comparado com o mesmo período em 2019 foram: indústria automobilistica (-54%), indústria têxtil (-44%), serviços (-29%), transporte (-25%). Alguns setores apresentaram uma elevação da demanda por carga, são eles: alimentício (+6%), comércio (+2%) e saneamento (+10%).
A redução da demanda causou desequilíbrios econômico-financeiros para toda a cadeia produtiva do setor elétrico, especialmente para o segmento de distribuição de energia elétrica. Esse segmento fatura por ano R$ 250 bilhões por ano e parte dessa receita é compartilhada pelos outros segmentos – a geração e transmissão.
Em ano de pandemia, a queda do faturamento decorrente da diminuição de demanda por carga promove um desequilíbrio no compartilhamento da receita para custear o uso do fio, o recolhimento de encargos setoriais, impostos. E uma vez que a receita diminui o desequilíbrio econômico-financeiro é distribuído por toda a cadeia do setor elétrico.
A perda de arrecadação por parte das distribuidoras, ocasionada pela redução do mercado ou pelo aumento da inadimplência, pode afetar a capacidade de pagamento de
todos os itens de custo cobertos pelo faturamento da distribuição que, se não reduzidos, tendem a recair integralmente sobre a parcela destinada aos custos do serviço de distribuição de energia elétrica.
A taxa de inadimplência em algumas classes de consumo aumentou comparada com o ano anterior. A classe de consumo residencial sem baixa renda (+10,8%), comercial (+8,8%), industrial (+9,4%), poder público (+16,3%), iluminação pública (+10,1%), rural (+8,4%) e serviço público (+14,8%). (Fonte : ANEEL (2020)
O aumento da inadimplência em alguns setores da economia é justificado pela perda de renda caracterizada pelo desemprego, pela redução da atividade econômica em alguns segmentos devido às medidas de isolamento social e principalmente pela queda de arrecadação de tributos.
A recuperação da demanda de energia está diretamente associada à recuperação da economia. Apesar dos inúmeros estudos realizados por especialistas em epidemias, não se sabe ao certo quando e em qual velocidade a economia brasileira recuperará o fôlego de modo que a capacidade instalada de energia possa ser utilizada plenamente.
O setor elétrico é constituído por segmentos que requerem investimentos robustos e antecipados de modo a permitir a produção de energia. A inserção de um setor complexo como esse em um cenário de incerteza torna difícil antever a recuperação do mesmo.
Em 2020, a projeção estimada de demanda de carga era de 70.825 MWmédios. Com a revisão extraordinária, essa cifra ficou em 65.866 MWmédios, ou seja, uma redução de 7,5 p.p. Essa revisão extraordinária significa dizer que existe uma previsão futura menor de consumo de energia para 2020 e também para os anos subsequentes. As implicações de uma queda no consumo de energia são várias: as distribuidoras trabalham em cima de contratos subcontratados, o preço no mercado livre tende a cair. As “sobras” de energia não faturadas nos contratos vigentes migrarão para o ACL a preços módicos. As distribuidoras terão dificuldades no curto prazo de se reestruturarem rapidamente haja visto que os custos fixos, operacionais e de manutenção são previstos dentro de um contexto de demanda de carga esperada. Esse cenário culminará na subutilização de uma estrutura produtiva cara e que certamente refletirá em uma tarifa de energia mais elevada ao consumidor de energia, a partir de 2021.
Considerando um cenário de baixa demanda por energia, os leilões de energia foram postergados em 2020 em conformidade com a Portaria MME n. 134/2020. Trata-se de uma postergação diante da previsão de excedentes de energia já faturadas em leilões anteriores. Tal medida visa garantir que a energia contratada para 2020 seja efetivamente demandada de modo a garantir o cumprimento dos contratos de compra e de venda de energia acordados por distribuidoras e geradoras bem antes de estarmos enfrentando um cotidiano dessa magnitude em que toda a sociedade seria colocada à prova, revendo seus valores e o que realmente importa nesse momento.
Assim como a sociedade entendeu que seria necessário reinventar e repensar novas estratégias de sobrevivência, o setor elétrico brasileiro mais uma vez mostra-se disposto a adotar ações que busquem a segurança da prestação de serviços com segurança para seus usuários garantindo a chegada de energia em todas as localidades do país.
Continua…