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CAPÍTULO 6: O DILEMA DA LEALDADE DIVIDIDA ENTRE NAÇÃO E ESTADO EM PERÍODOS ELEITORAIS. História de hoje: Entre a Lei e a Justiça

Direto de Brasìlia-DF.

Historicamente a argumentação ou apresentação de ideias que comprovam o que se discute é característica rara no ser humano. As pessoas gostam de apresentar suas verdades como se elas fossem as únicas verdades. Na política  e na religião, por exemplo, esse é um denominador comum.

O que acabo de dizer lembra um saudoso professor de Direito Penal que tive. Ele entrava em sala e dizia: “Senhores, jamais esqueçam que na vida, há pelo menos três verdades. A sua verdade, a minha verdade e a Verdade”.

Raramente antes de uma conversa algum dos participantes propõe sejam estabelecidos os fundamentos do tema sobre o qual serão levantadas hipóteses (hipóteses são possibilidades) e conclusões.

Nesses tempos em que as escolas desde o ensino fundamental somente despejam informações na cabeça de alunos, quem tenta justificar os fundamentos de sua opinião corre risco de ser excluído do grupo por “arrogância, pedantismo ou exibicionismo” quando em verdade deveria ser visto como um facilitador do diálogo.

Um verdade irrefutável é que cada pessoa conversa mais consigo mesmo (em seu pensamento) que com qualquer outra e, quando se reúne com outras conversa-se sobre os mais variados temas como amor, ódio, religião, problemas jurídicos, problemas econômicos, futebol, etc.

Nas semanas que antecedem as eleições as argumentações pela TV, Rádio, rua e mídias sociais tem como fundamento comum a política. Candidatos e cabos eleitorais desenterram os mesmos defuntos das eleições passadas e assumem a paternidade de ideias que dizem ser capazes de resolver os seculares problemas brasileiros, tais como educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados e meio ambiente.

Alguns candidatos sem humildade alguma, outros sem conhecimento sobre o tema sobre o qual quer convencer o eleitor e outros com conhecimento, mas todos com um traço comum: todos fazem do discurso vazio sua plataforma para se lançar perante o eleitor como a pessoa que possui a solução para o caos Ético e Econômico do Brasil.

O Nobel de literatura, filósofo e matemático Bertrand Russel, diz que seria bom um pouco de humildade àqueles que tendem a deificar os discursos correntes ou que os julgam atuais, porque tais discursos são um cemitério de restos de especulação filosófica do passado. Agora digo eu, não Russel. Os discursos de cada período eleitoral são desenterrados do mesmo túmulo e do mesmo cemitério das eleições anteriores. Rui Barbosa, um dos mais ilustres brasileiros de todos os tempos, quando disputava a Presidência da República em 1910 proferiu em um de seus discursos as seguintes palavras:

“Creio na liberdade onipotente, criadora das nações robustas; creio na lei, a primeira das suas necessidades (…) creio que a República decai, porque se deixou estragar, confiando-se às usurpações da força; creio que a federação perecerá, se continuar a não acatar a justiça; creio no governo do povo pelo povo; creio, porém, que o governo popular tem a base da sua legitimidade na cultura da inteligência nacional pelo DESENVOLVIMENTO NACIONAL DO ENSINO, para o qual as maiores liberdades do erário constituirão sempre o mais reprodutivo emprego da riqueza comum (…) Rejeito as doutrinas do arbítrio. Abomino as ditaduras de todo gênero, militares ou científicas, coroadas ou populares… Oponho-me aos governos de seita, aos governos de facção, aos governos de ignorância…”

Percebe, que ainda hoje os candidatos repetem o que foi dito no passado? O que há de original nos discursos na TV, Rádio e outras mídias sociais? Talvez somente a percepção de que a ignorância aumentou entre os candidatos, o que sem dúvida é um reflexo da atrofia e raquitismo dos investimentos na EDUCAÇÃO do povo brasileiro.

Desde a antiguidade grega (ainda antes da clássica), em que democracia e tirania se tornaram objeto de estudo, o dilema da lealdade dividida ocupa a ordem dos dias em discussões políticas e na vida dos Estados. É comum ficarmos sem saber a quem ou a quê sermos leais, dar nosso voto, emprestar nossa confiança, quando o nosso derredor é de excessiva quantidade de opções. No caso do Brasil, a decisão é ainda mais difícil porque em todas as eleições os argumentos entre sábios e ignorantes, ricos e pobres é que o voto será dado ao “menos pior” dentre os candidatos.

Rui Barbosa disse que a primeira necessidade que uma Nação tem para ser forte, robusta é que tenha Leis. Certamente ele quis se referir a boas leis, a leis que as pessoas obedeçam, já que a Lei existe para manter a Ordem e a Paz social. Mas, o que dizer quando um Estado tem mais lei que cupim em madeira seca? E o que dizer se essas leis são injustas e desonestas. Uma das máximas do Direito que gosto muito é que “nem tudo que é legal é honesto”.

Por exemplo, entre a lei e a justiça, a qual das duas devemos obediência? Pitágoras, o pai da matemática, já discutia sobre essa questão a que o filósofo Sócrates e seus seguidores também abraçaram, e que parece um pêndulo no “relógio da história”. Ora vai, ora vem. Parecido com o desenvolvimento do Brasil e dos países da América Latina em geral. Quando o badalo do relógio tá lá em cima agente já sabe que daqui a segundos históricos ele estará cá embaixo. É um jogo de avança e retrocede, de marcha e contra marcha impulsionado pela ganância e incompetência administrativa de nossas classes políticas.

Afinal, obedeceremos à lei para não fazer ruir o império do Estado/República ou obedeceremos à justiça como nos pede a Nação e a Ética?

Esse problema da lealdade dividida atingiu Sócrates. Perseguido pela classe política ateniense que o julgou e condenou à morte por ensinar os gregos à refletir sobre a essência das coisas, da política e da vida, passou um mês na prisão sem querer que seus amigos pagassem sua fiança. Por fim tomou cicuta, em obediência à lei ateniense. Até hoje Sócrates é julgado como legalista por uma parte da humanidade e como um dos maiores exemplos de devoção à ética. Escolha seu lado.

Diante da conduta de Sócrates indago: quem desprezou mais à Justiça? Os juízes corruptos que o julgaram em nome da manutenção do status quo democrático institucionalizado pela classe dominante na Cidade-estado de Atenas ou o próprio Sócrates que, para preservar o império da lei resolveu se submeter, mesmo sabendo ser tal Lei injusta?

Após a morte do amigo Sócrates, Platão carregou uma convicção que jamais dele se apartou, a de que “ninguém conseguiria manter por muito tempo sua independência e integridade na estrutura político-partidária”. Isto ele afirma em seu livro “República”.

Aliás, é essa convicção que afastará Platão para sempre da política. Não sei se ele se desencantou com a Lei, com a Justiça, com as duas ou com a incapacidade de seus contemporâneos de compreenderem que a democracia é, apenas, dos males o menor, e que por isto não deve ser deificada como a solução final.

A democracia para seguir sendo útil deve se mostrar aberta a mudanças constantes em sua forma, a fim de migrar do discurso abstrato para decisões substanciais que modifiquem o dia a dia do cidadão. A democracia útil é aquela que se substancializa ou se materializa em dignidade material para quem nela crê, professa seu credo. Do contrário a democracia é e seguirá sendo apenas discurso vazio.

Durante a segunda guerra mundial a estrutura Nacional Socialista de Hitler optou por manter o império da Lei, colocando em xeque a Justiça, quando resolveram em nome dos Decretos do Terceiro Reich dizimar milhões de pessoas em seus campos de concentração e extermínio. Quando estive na Polônia fui à Cracóvia visitar a Fábrica de Schincder e os campos de extermínio de Auschwitz I e Auschwitz II(também conhecido como Birkenau). Saquei fotos de dados e imagens sobre o extermínio de judeus, homossexuais, ciganos e outras pessoas que Hitler e seus fanáticos seguidores mataram, guiados pela ideia de criar na Terra sua tal “raça pura”. O tirano e seus seguidores fizeram tudo em nome da Lei, acredite!

Para um povo que não exige do Estado que invista na Educação ou para um povo que não se deixa libertar pela eucação, Justiça e Lei como apregoadas pelas classes políticas, na verdade não passam de falsos argumentos ou falácias que terminam por se confundir com uma só coisa. O fim disto é que tanto a falsa Justiça quanto o falso Direito estatal terminam por ser instrumentos úteis à justificar a perpetuação da miséria que se renova a cada ciclo eleitoral.

É nesse cenário que o Estado apresenta a figura do voto como o “poder transformador”, indutor da grande mudança que no Brasil há 219 anos se espera e não acontece! O voto, diz a mentira recorrente no cenário político, é o poder que o cidadão tem para transformar a democracia formal (aquela do discurso vazio) em democracia substancial (a que realiza e implanta a dignidade social).

Com o pluripartidarismo brasileiro, por exemplo, cada um dos Partidos apresenta sua verdade como se fosse a única verdade democrática. O caos ético, econômico e jurídico é apresentado sempre como a herança do governo passado ou do que está para findar. Mas, afinal, quem é o governo passado?

O governo passado não é, apenas, o ser humano que ocupou o cargo, que corrompeu e se deixou corromper. O governo passado é, sobretudo, a ideia de continuação que todos chancelamos e abraçamos a cada período eleitoral.

Somos nós, a Nação/Povo que perpetuamos essa ideia de que basta o candidato ter um bom discurso para “brigarmos” por ele ou basta que ele seja um “ladrão honrado” do tipo rouba, mas faz e, assim, seguimos amantes das siglas dos mais variados partidos, que partem o Brasil em inúmeros pedaços com a ideia preconcebida de dividir para conquistar e governar.

O dilema da lealdade dividida discutido lá na Grécia antiga continua vivo na realidade brasileira de hoje. Para aqueles que ainda não sabem, somos um país de boas leis. O que falta a nossa classe de governantes é boa índole!

Sobre o autor

Formado em Direito, Pós-graduado em Política e Estratégia pela Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG) e pela Universidade de Brasília (UnB). Concluiu Doutorado em Ciências Jurídicas e Sociais na Universidad Del Museu Social Argentino, Buenos Aires-AR, em 2012 e Pós-Doutorado em Tradição Civilística e Direito Comparado pela Universidade de Roma Tor Vergata. Professor de Hermenêutica Jurídica e Direito Penal nas Faculdades Integradas do Planalto Central e de Direito Penal, Processo Penal e Administrativo em cursos preparatórios para concursos, por 19 anos, em Brasília, Goiânia, Belo Horizonte e Porto Alegre. É Palestrante. Já proferiu palestras na Universidade de Vigo-Espanha e Universidade do Minho, Braga-Portugal, sobre seu livro e, Ciências Sociais "A mulher e sua luta épica contra o machismo". Proferiu palestra na University of Columbia em NYC-US, sobre sua Enciclopédia Corruption in the World, traduzida ao inglês e lançada pela editora AUTHORHOUSE em novembro/2018 nos EUA. É Escritor com mais de 15 livros jurídicos, sociais e literários. Está publicado em 4 idiomas: português, espanhol, inglês e francês. Premiado pelo The International Latino Book Awars-ILBA em 2013 pelo romance de ficção e espionagem “O gestor, o político e o ladrão” e em 2018 mais dois livros: A novela satírica, Sivirino com “I” e o Deus da Pedra do Navio e o livro de autodesenvolvimento “Obstinação – O lema dos que vencem”, com premiação em Los Angeles/EUA. Seu livro de poemas “Rasgos no véu da solidão”, em tradução bilíngue português/francês foi lançado em junho/2018 na França. Eleito em 17/11/2018 para o triênio 2019/2021, Diretor Jurídico do SINDESCRITORES (Sindicato dos Escritores do Distrito Federal), o primeiro e mais antigo Sindicato de Escritores do Brasil.

Judivan J. Vieira
Procurador Federal/Fiscal Federal/Federal Attorney
Escritor/Writer - Awarded/Premiado by ILBA
Palestrante/Speaker/Conferenciante

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