Por: Luciana Leão
Na sexta-feira (28) celebra-se o Dia Nacional da Caatinga, um bioma exclusivamente brasileiro, que percorre 844 Km do semiárido nordestino, um tesouro ainda a ser estudado com mais altivez e profundidade por parte dos entes federativos. Para registrar a data, conversamos com o coordenador do Atlas das Caatingas, pesquisador Neison Freire, uma realização da Fundaj em parceria com a Universidade de Campina Grande (UFCG).
Embora tenha sido publicado em 2018, com recorte temporal (2000-2016) por meio de estudos em campo e análises de imagens de satélite nas 16 unidades de conservação do bioma, sob a responsabilidade do Governo Federal, o Atlas é a única publicação que trata todas as temáticas atuais que cercam o meio ambiente. “É um estudo atemporal, que os temas que ele aborda estão presentes no nosso tempo, na nossa sociedade”, diz Freire, que atua hoje como titular do IBGE em Alagoas e chefe da Disseminação de Informações do IBGE.
Sob o olhar da sustentabilidade nessas áreas, o Atlas das Caatingas traz regiões degradadas, áreas regeneradas, as mudanças de caatinga arbórea para a caatinga arbustiva, indicadores de degradação ambiental, com base em técnicas verificadas em campo.
Alerta
“Nos preocupa porque houve uma degradação de 2.800 km² nas 14 unidades de conservação, embora tenha havido regeneração, porém a degradação ocorreu em regiões mais fechadas, mais protegidas de conservação pelo SNUC, do Ministério do Meio Ambiente, onde isso não deveria ocorrer”, reforça o pesquisador. O SNUC é o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e corresponde ao conjunto de Unidades de Conservação (UCs) federais, estaduais e municipais. Foi criado pela Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000.
Vulnerabilidade social
O Atlas das Caatingas, que deve receber uma nova edição com dados atualizados pelo censo demográfico 2022, também investigou a vulnerabilidade social presente nas populações que habitam os entornos dessas unidades de conservação.
“Estamos falando de verdadeiros tesouros do nosso bioma, porque são lugares muito especiais, cada um com suas particularidades, com riqueza paisagística, geomorfológica, além da grande diversidade da fauna e da flora, representativas do nosso bioma, que sofrem contínuos processos de desmatamento, caça ilegal, corte seletivo de árvores, conflitos socioambientais, os mais diversos com populações tradicionais que habitam essas áreas dentro das unidades de conservação que não é permitido por lei, mas que eles estão ali há muito séculos, caso dos povos indígenas e dos quilombolas. Em algumas unidades a gente vê isso. Em Pernambuco, particularmente no Catimbau, onde tem presença de fazendeiros junto com remanescentes de tribos indígenas, populações indígenas que se recusam a deixar o território deles, pela sua ancestralidade, no caso dos indígenas e dos fazendeiros, pela especulação da terra. Então são questões que detalhamos em cada capítulo que aborda uma unidade de conservação”.
Contradição
No aspecto da vulnerabilidade social, o estudo mostrou que, no geral, nessas unidades moram populações muito pobres, carentes em todas as áreas, desde a escolaridade, do saneamento básico e de renda. “É uma grande contradição você ter um grande potencial, nessas áreas, por exemplo, para o ecoturismo, para pesquisa e, ao mesmo tempo falta não só a formulação, mas uma integração de políticas públicas que promovam essa interseção entre essas populações e esses ambientes, por meio da educação ambiental”, reflete Neison Freire.
O Atlas das Caatingas também registrou que são poucas as unidades de conservação integradas com as escolas públicas da região, levando as crianças, por exemplo, para terem aula de educação ambiental, um bioma que é muito esquecido na grade curricular, observa Freire.
“É mais fácil um aluno conhecer a fauna das savanas africanas do que a fauna do bioma caatinga. Que ele conhece tatu bola, está no dia a dia dele. Então eu acho que existem essas lacunas que precisam ser preenchidas”.
Mudanças Climáticas
Outra característica importante nesse debate sobre as mudanças climáticas diz respeito, na opinião do coordenador do Atlas das Caatingas, a contribuição do bioma no sequestro de carbono.
“Foi uma outra pesquisa que a gente avançou também nessas áreas mostrando por exemplo que na região geográfica de Petrolina-Juazeiro houve uma grande transformação nos últimos 30 anos. Verificamos que a conversão de áreas da caatinga em áreas de cultivo irrigado, com a mesma cultura, a mesma espécie distribuída ao longo de vastas áreas de fato tem contribuído para o aquecimento global nesta região. Embora esse processo tenha gerado muita riqueza, é preciso discutir se essa riqueza foi distribuída ou se ela é uma riqueza concentrada. Então esse é um outro aspecto a ser estudado mais profundamente”.
Sertão Heterogêneo
Há de se lembrar e perceber que não existem mais Caatingas homogêneas, pobres e miseráveis, tão retratadas na literatura, no cinema, em novelas, relata Freire. “Percebemos por meio do mapeamento socioeconômico no Atlas devido a variadas políticas públicas que foram induzidas que a Caatinga é um espaço heterogêneo, onde áreas de agricultura tradicional , de subsistência, convivem com regiões muito dinâmicas, conectadas com mercados globais como é o caso de Petrolina-Juazeiro, Barreiros e Luís Eduardo Magalhães, a primeira em Pernambuco, e a segunda, na Bahia, no oeste baiano”.
Novas alianças de poder
Para o coordenador do Atlas das Caatingas, existe um mosaico de situações que vão trazer o esgarçamento da coesão territorial, o que antes era algo homogêneo, com uma estrutura fundiária e uma estrutura de poder muito bem definida, “esses espaços se modificaram criando novas alianças de poder”, que vão permitir, reforça ele, a exploração do bioma, atrativas para a globalização, mas convivendo ainda com bolsões de pobreza. “Precisamos encontrar uma equação que permita uma conciliação entre a exploração sustentável e reciclável e a conservação da natureza, uma vez que é um bioma de lenta recuperação e com muita fragilidade e único exclusivamente brasileiro”, finaliza.