O Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990) traz a visão de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e atribui ao Estado, a família e a sociedade papeis importantes de cuidado em relação a eles. Alguns desses papeis são: direito a vida, ao lazer, ao respeito, além de deixá-los a salvo de qualquer tipo de negligência e opressão.
Apenas pessoas de 12 a 18 anos são passíveis de cometer ato infracional, entendido como transgressão e não como crime. Assim, as consequências são medidas socioeducativas e não a ordem de prisão porque o objetivo é a reinserção social e o fortalecimento das relações e não a punição (FRANCISCHINI & CAMPOS, 2005). Porém, quando falamos de reinserção, questionamos: reinserção para quem? Para o indivíduo que vivia em meio a violência e vai voltar para lá?
Assim, questionamos também o papel dos governos nessa questão. Por que a infância é tão marcada por incompetência na esfera pública? (BASÍLIO, 2003). Quando vemos um adolescente em conflito com a lei, vemos uma medida socioeducativa sendo aplicada, mas vemos no final, uma grande margem de jovens reincidindo (FRANCISCHINI &CAMPOS, 2005).
Dessa forma, o comportamento infracional é pensado a partir de duas linhas de estudo: a que acredita que o ato delituoso é sintoma de um fenômeno maior e a que acredita que esses atos são uma forma de se comportar, mudando o foco para o indivíduo e não para a consequência, como é na primeira teoria.
A parte positiva da primeira teoria é que estudando os fenômenos ao redor do indivíduo, conseguimos ter um entendimento maior sobre sua vida. Porém, o lado negativo, é partir de um pressuposto generalizado, acreditando que todo indivíduo com as mesmas condições terá os mesmos comportamentos como consequência da sua história de vida.
Já na segunda teoria, o indivíduo é o foco e, portanto, aquele que é responsável inteiramente pelo seu comportamento. A diferença das duas teorias é que a primeira responsabiliza, mas leva em consideração os aspectos biopsicossociais, já a segunda foca no indivíduo como sujeito único e detentor de suas escolhas.
A parte positiva da segunda teoria é a subjetividade como foco e, portanto, fator primordial para essa análise. Porém, a parte negativa é encarar o sujeito como único, mas se esquecer que ele vive em sociedade e também é moldado por outros fatores.
Um exemplo prático dessas teorias é na série da Netflix chamada “Girls Incarcerated” (2018). É mostrado meninas que estão reclusas em uma unidade socioeducativa e cada uma tem uma história de vida diferente. Porém, a maioria delas apresenta questões de abandono e de violência. Assim, é possível analisar o conteúdo da série a partir de uma perspectiva que considera o ato infracional como um sintoma de algo maior, como na primeira teoria, ou de uma forma comportamental e se voltar para o sujeito que comete o ato, como na segunda teoria.
É importante destacar que na série, as instalações em que as meninas cumprem a reclusão têm condições necessárias de oferecer qualidade de vida dentro da unidade. Porém, no Brasil, muitas vezes é diferente.
Muitas dessas instalações em que os jovens ficam reclusos não apresentam condições estruturais necessárias para aprimorar a educação. Sendo que a educação e a sociedade têm uma ligação importante a nível de dinâmica e expectativa para o futuro (FRANCISCHINI &CAMPOS, 2005). A escola é um lugar de responsabilidade social, de transformação, de aprendizado e de convívio social, pois o adolescente de hoje é o adulto de amanhã (LOPES & COITINHO, 2016).
A ideia é ter ações que mobilizem os jovens nessa reinserção social, colocando-os na escola e os preparando para exercer uma profissão, tendo um efeito significativo e transformador ao invés de reafirmarem a sua marginalidade (CONSTANTINO, 2000).
REFERÊNCIAS:
BAZÍLIO, L. C.; KRAMER, S. Infância, educação e direitos humanos. São Paulo: Cortez, 2003.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Brasília.
CONSTANTINO, E. P. Meninos institucionalizados: a construção de um caminho. São Paulo: Arte & Ciência, 2000.
FRANCISCHINI, R.; CAMPOS, R. C. Adolescente em conflito com a lei e medidas socioeducativas: Limites e (im)possibilidades. Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). PSICO. v. 36, n. 3, pp. 267-273, set./dez. 2005.
GIRLS INCARCERATED. RIGGS, N. et al. Estados Unidos: Netflix, 2018. 2 temporadas (16 episódios com cerca de 45min cada). Disponível em: <https://www.netflix.com/search?q=girls%20incar&jbv=80185178>. Acesso em 07 de janeiro de 2022.
LOPES, F. R.; COITINHO V. T. D. A mediação como método educativo para os conflitos escolares envolvendo crianças e adolescentes. XIII Seminário Internacional – Demandas sociais e políticas públicas na sociedade contemporânea. 2016.
AUTORA:
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