Antes da interrupção do julgamento, já havia três votos a favor de que todos os partidos e seus candidatos participem da distribuição das sobras, independentemente de alcançar a exigência dos 80% e 20% do quociente eleitoral.
Ministro André Mendonça, do STF, pediu vista e interrompeu o julgamento virtual de três ações que questionam a terceira fase de distribuição das vagas das sobras eleitorais. Os partidos que acionaram a Suprema Corte pretendem que sejam incluídas todas as legendas que participaram das eleições, independentemente do quociente eleitoral alcançado.
Antes da interrupção do julgamento, já havia três votos a favor de que todos os partidos e seus candidatos participem da distribuição das sobras, independentemente de alcançar a exigência dos 80% e 20% do quociente eleitoral.
O caso
O objeto das ações é o inciso III do artigo 109 do Código Eleitoral, alterado pela lei 14.211/21, e a resolução 23.677/21 do TSE. A norma diz que o partido, para ter direito a participar da distribuição das sobras das cadeiras destinadas ao cargo de deputado Federal, deve alcançar pelo menos 80% do quociente eleitoral, com um candidato que tenha, no mínimo, 20% da votação nominal.
Não sendo cumpridas as duas exigências, cumulativamente, as cadeiras restantes são distribuídas aos partidos que apresentarem as maiores médias, mas o TSE restringiu que a maior média somente deve ser calculada entre os partidos que tenham obtido pelo menos 80% do quociente eleitoral.
Como é?
A lei 12.211/21 alterou diversos dispositivos do Código Eleitoral e da lei das eleições para ajustar a sua redação à vedação constitucional de coligações nas eleições proporcionais e para fixar critérios para a participação dos partidos e dos candidatos na distribuição das vagas.
De acordo com esta lei, a distribuição das vagas das “sobras” segue três etapas.
Na 1ª fase de distribuição das vagas, são necessários dois requisitos: que o partido tenha obtido votação igual ou superior ao quociente eleitoral e que o partido tenha candidato com votação igual ou superior a 10% do quociente eleitoral. O art. 106 do Código Eleitoral prevê para a realização do cálculo do QE a seguinte fórmula: Quociente eleitoral (QE) = número de votos válidos / número de vagas.
Na 2ª fase de distribuição das vagas, quando não houver mais partidos que tenham alcançado os dois requisitos da fase anterior, os lugares são preenchidos seguindo, cumulativamente, duas exigências: o partido deve ter obtido pelo menos 80% do quociente eleitoral e deve ter candidato com votação igual ou superior a 20% do quociente eleitoral.
Na 3ª fase de distribuição das vagas, quando não houver mais partidos que tenham alcançado os dois requisitos da fase anterior, as cadeiras serão distribuídas aos partidos que apresentarem as maiores médias. A obtenção da média se apresenta a partir da divisão do número de votos válidos atribuídos a cada partido pelo número de lugares por ele obtido, mais um. Esse processo se repete até se preencher todas as vagas restantes.
A novel lei previu, então, duas cláusulas de exclusão para esta fase dos incisos I e II do art. 109. Se o partido não atender, cumulativamente, às duas cláusulas, não pode, em tese, participar da distribuição das sobras.
No entanto, e aqui está o ponto controverso, segundo resolução TSE 23.677/21, a maior média somente deve ser calculada entre os partidos que tenham obtido o primeiro requisito da fase anterior, ou seja, pelo menos 80% do quociente eleitoral.
É esta última restrição que está sendo questionada no STF.
Ações
Na ADIn 7.228, o partido Rede Sustentabilidade alega que, a seu ver, as alterações instituíram uma espécie de cláusula de barreira para a disputa das sobras eleitorais.
O partido sustenta que, em 2022, ocorreram as primeiras eleições com barreira e sem coligações, o que pode significar o “início do fim”, por vias inconstitucionais, do “sistema eleitoral proporcional, com reais e efetivas disfunções de inúmeras ordens”.
As mudanças, para a Rede, parecem conduzir a uma espécie de “distritão à força”, pois o sistema só poderia ser implementado por meio de emenda à Constituição e, em 2021, foi rejeitado pela Câmara dos Deputados.
Os partidos Podemos e PSB ajuizaram a ADIn 7.263 alegando erro na forma de cálculo adotada pela Justiça Eleitoral e sustentam que isso pode levar a distorções do sistema proporcional, como, por exemplo, um partido ficar com todas as vagas da Câmara, caso seja o único a alcançar o quociente eleitoral.
Ao apresentarem números totais sobre a votação para deputado Federal nas eleições deste ano, apontam que apenas 28 dos 513 deputados se elegeram com seus próprios votos ou atingiram o quociente eleitoral. Os 485 restantes se beneficiaram dos votos dos puxadores de seus partidos ou de suas federações.
Entre outros argumentos, Podemos e PSB dizem que a medida fere princípios constitucionais como o pluralismo político, o Estado Democrático de Direito, a igualdade de chances, a soberania popular e o sistema proporcional. A seu ver, ainda, a resolução do TSE não deveria valer para este ano, por ter sido editada a menos de um ano das eleições.
Na ADIn 7.325, o Partido Progressista alega que as balizas “contribuem para uma sobrerrepresentação de partidos que já gozam de uma maior representatividade e que se estruturam em torno de candidatos com maior projeção pessoal, em detrimento de agremiações que possuem uma maior dispersão de votos”.
Para o partido, a criação de critério diferenciado de exigência de votação mínima ofende a isonomia, a proporcionalidade e atenta contra o pluralismo político e alógica do sistema representativo.
Restringe a pluralidade
Ao analisar o caso, o relator Ricardo Lewandowski ressaltou que toda e qualquer norma que tenha por escopo restringir a pluralidade dos partidos políticos, limitando a eleição de seus representantes, notadamente no sistema proporcional, viola os fundamentos de nosso Estado Democrático de Direito.
O ministro ainda acrescentou que a norma pode excluir do Legislativo cidadãos com “altíssima densidade eleitoral em detrimento de candidatos com baixa representatividade”.
Para ilustrar essa afirmação, o ministro criou a seguinte situação hipotética:
“Digamos que em determinada eleição para a Câmara Federal o QE seja de 100 mil votos. Após todas as fases de ocupação de cadeiras, inclusive a do 80/20, sobre uma vaga de deputado federal. Pela atual legislação, com a interpretação dada pelo TSE, a vaga remanescente poderia, em tese, ser ocupada por parlamentar que conquistou apenas mil votos, em detrimento de candidato que, a par de ter obtido 75 mil votos, concorreu por uma grei que não alcançou 80 mil votos.”
Para Lewandowski, é inaceitável que o STF chancele interpretação da norma que permita “tamanho desprezo ao voto”, mormente em favor de candidato com baixíssima representatividade e, conforme os critérios empregados na segunda fase, pertence à agremiação já favorecida pela atual forma de cálculo.
“Por essas razões impõe-se que, após a aplicação da cláusula dupla de desempenho 80/20 na segunda fase do escrutínio eleitoral, as cadeiras que eventualmente sigam desocupadas sejam distribuídas entre todos os partidos que obtiveram votos no pleito, mediante uma interpretação conforme à Constituição do § 2° do artigo 109 do CE e da regra de distribuição abrigada no inciso III do artigo 109 do CE (distribuição remanescente).”
O ministro ainda analisou que no caso de nenhum partido obter o quociente eleitoral, a distribuição das cadeiras ocorra, primeiramente com a aplicação da cláusula de barreira 80/20 e, quando não houver mais partidos e candidatos que atendam tal condição, as cadeiras restantes sejam distribuídas por média, mas sem a exigência dessa cláusula de desempenho partidário.
Só em 2024
Assim, o ministro julgou procedente a ação para dar interpretação conforme à Constituição ao § 2° do art. 109 do Código Eleitoral de modo a permitir que todas as legendas e seus candidatos participem da distribuição das cadeiras remanescentes (3ª fase), independentemente de terem alcançado a exigência dos 80% e 20% do quociente eleitoral, respectivamente.
O ministro votou, ainda, para declarar a inconstitucionalidade do artigo 111 do Código Eleitoral, aplicando os parâmetros da 2ª e 3ª fases quando nenhum agremiação/federação atingir o quociente eleitoral.
A decisão, no entanto, não teria efeito imediato caso fosse esse o posicionamento maioritário do plenário.
Isto porque, Lewandowski ressaltou que a Constituição prescreve que a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra em até um ano da data de sua vigência (princípio da anualidade da lei eleitoral).
Interpretando o dispositivo constitucional, o STF, em sede de repercussão geral, já firmou tese no sentido de que “as decisões do Tribunal Superior Eleitoral que, no curso do pleito eleitoral ou logo após o seu encerramento, impliquem mudança de jurisprudência, não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior” (Tema 564).
Diante disso, Lewandowski votou para atribuir o efeito ex nunc à decisão, de modo que surta efeitos a partir do pleito de 2024.
Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes acompanharam o relator, mas divergiram no que diz respeito à modulação dos efeitos da decisão. Para eles, a aplicação do entendimento já valeria nas eleições de 2022.
Veja a íntegra do voto.
Processos: ADIn 7.228, ADIn 7.263 e ADIn 7.325
#FOCONAFONTE :https://www.migalhas.com.br/quentes/392505/andre-mendonca-pede-vista-em-acoes-que-analisam-sobras-eleitorais