Segunda causa de morte no mundo e considerada epidemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a obesidade cresceu nos últimos anos no Brasil e exige uma série de mudanças no comportamento da população. Os últimos dados do sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), do Ministério da Saúde, divulgados no ano passado, mostrou que um em cada cinco brasileiros está obeso. A prevalência da obesidade passou de 11,8% em 2006 para 18,9% em 2016. Mais da metade da população tem sobrepeso.
Neste Dia Mundial da Obesidade, celebrado internacionalmente hoje para servir de alerta em relação ao problema, a diretora da regional pernambucana da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM-PE), Maria Amazonas, alerta para a importância da manutenção de uma vida saudável, principalmente em relação aos hábitos alimentares e à prática de exercícios.
A médica ressalta que o aumento na incidência da doença também pode ter contribuído para o crescimento dos casos de diabetes e hipertensão no país. O diagnóstico médico de diabetes passou de 5,5%, em 2006, para 8,9%, em 2016. O de hipertensão, no mesmo período, saiu de 22,5% para 25,7%. Em ambos os casos, o diagnóstico é mais prevalente em mulheres.
A especialista lembra ainda que o problema não afeta apenas os adultos. “A obesidade infantil cresce a cada ano e preocupa países de todo o mundo”, disse, em entrevista ao Diario. De acordo com um estudo de 2017 do Imperial College London e da OMS, o número de crianças e adolescentes obesos em todo o mundo aumentou dez vezes nas últimas quatro décadas. Se as tendências atuais continuarem, haverá mais crianças e adolescentes com obesidade do que com desnutrição moderada e grave até 2022.
As taxas de obesidade em crianças e adolescentes em todo o mundo aumentaram de menos de 1% (equivalente a cinco milhões de meninas e seis milhões de meninos) em 1975 para quase 6% em meninas (50 milhões) e quase 8% em meninos (74 milhões) em 2016. Combinado, o número de obesos com idade entre cinco e 19 anos cresceu mais de dez vezes, de 11 milhões em 1975 para 124 milhões em 2016. Outros 213 milhões estavam com sobrepeso em 2016, mas o número caiu abaixo do limiar para a obesidade.
“A tendência prevê uma geração de crianças e adolescentes que crescem obesos e com maior risco de doenças como o diabetes. Precisamos de maneiras para tornar o alimento saudável e nutritivo mais disponível em casa e na escola”, afirmou o autor do estudo, o professor Majid Ezzati.
O excesso de peso é a segunda causa de morte no mundo, perdendo somente para as doenças associadas ao tabagismo. De que forma a obesidade está relacionada à mortalidade?
A obesidade está diretamente ligada a doenças com altas taxas de mortalidade, como doenças cardiovasculares; diversos tipos de câncer e até com doenças osteoarticulares, como artrose e artrite.
Mesmo questões que as pessoas não costumam relacionar com a obesidade podem ser causadas ou intensificadas por ela, como refluxo e asma. Assim, estimular a mudança no estilo de vida é a principal forma de combater a obesidade. Isso significa promover mudanças na alimentação e praticar exercícios. De maneira geral e em todo o mundo, as pessoas têm se alimentado muito mal.
O primeiro fator para isso é a oferta, pois encontram-se alimentos de má qualidade em vários lugares, como supermercados, lanchonetes e cantinas. O aumento do poder aquisitivo dos brasileiros foi algo muito bom por um lado porque reduziu a desnutrição e a fome, mas, por outro lado, trouxe aumento da obesidade.
Esse fenômeno tem sido percebido apenas no Brasil ou em outros países também?
Isso em todo o mundo. Cada lugar com suas características próprias, mas é uma preocupação mundial. O sobrepeso já é identificado em mais de 50% da população norte-americana. A taxa é semelhante à registrada no Brasil. Os Estados Unidos, por exemplo, tomaram medidas de controle em relação aos alimentos, impondo a redução de açúcares nos alimentos e a diminuição no tamanho de pacotes e latas por causa da cultura da comida rápida (de acordo com a Euromonitor, empresa de inteligência para negócios, as vendas de fast food nos EUA aumentaram em 22,7% entre 2012 e 2017. Além disso, as vendas de alimentos embalados aumentaram 8,8% no mesmo período). Até a Europa, que era modelo internacional em relação a essa questão, viu a obesidade aumentar muito nos últimos três anos. Até hoje, não existe um país que tenha solucionado esse problema.
A OMS alertou que até 2022 haverá mais crianças e adolescentes obesos do que com desnutrição. Quais são os fatores que têm levado a essa estimativa?
Entre as crianças, houve aumento bastante preocupante, levando, inclusive, ao surgimento de doenças que não se manifestavam na infância, como a diabetes tipo 2, que era conhecida como uma doença que só aparecia a partir dos 40 anos. Os próprios ambientes onde as crianças estão inseridas são fatores que aumentam a chance de obesidade nas crianças. As cantinas escolares foram obrigadas a oferecer, além das comidas de baixa qualidade nutricional, opções mais saudáveis. No entanto, é muito difícil fazer uma criança, principalmente quando ela está longe dos pais, optar pelo menos calórico. Dificilmente ela terá autocontrole e escolherá a maçã quando pode comprar um brigadeiro. As escolas alegam que a responsabilidade deve ser dos pais, que devem orientar os filhos nesse sentido, mas outros aspectos devem ser considerados além da educação doméstica. Outro fator é o tempo que as crianças passam em atividades de lazer sedentárias e baseadas em telas. Poucas crianças têm a oportunidade de fazer uma atividade física, pois têm pouco espaço e segurança para brincar fora de casa. A TV e os aparelhos eletrônicos acabam sendo questões que também colaboram para a obesidade infantil.
É crescente o número de pessoas deprimidas que também apresentam problemas metabólicos, como diabetes tipo 2 ou excesso de peso, e vice-versa. Como a obesidade e a saúde mental estão relacionadas?
Alguns dos principais fatores que levam à obesidade são a ansiedade e a depressão. Essa relação é comprovada por estudos (uma pesquisa publicada em 2017 na revista JAMA Psychiatry mostrou que 18% dos pacientes com transtorno depressivo maior – TDM – participantes do estudo enfrentavam problemas relacionados ao peso e eram geneticamente predispostos a ter um Índice de Massa Corporal – IMC – elevado). Assim como o cigarro é para alguns, a comida é válvula de escape para outros. É comum precisar usar, no tratamento da obesidade, medicamentos que ajudem na depressão e ansiedade. Por outro lado, algumas drogas usadas para tratar a depressão engordam. Eles geram maior apetite, maior vontade de comer doce, que estimula a produção do hormônio do prazer e gera tranquilidade. Diante de casos como esses, a prioridade é a saúde mental do paciente.
Com o aumento no número de pessoas com sobrepeso, cresce também a quantidade de pessoas procurando dietas “milagrosas”. Como enfrentar essa questão?
O paciente obeso não pode criar ilusões, ou seja, fazer exercícios de qualquer jeito, sem a orientação de um profissional; ingerir chá emagrecedor; tomar remédios “milagrosos”. O que emagrece, na verdade, é a redução de calorias. Além disso, é preciso combater o sedentarismo. Exercícios físicos têm ação antidepressiva, ajudam a se manter na dieta. Embora a atividade física seja importante, ela não deve ser a única aliada do paciente. É necessário ter uma alimentação saudável. Para isso, deve buscar uma dieta orientada por um profissional, que vai ajudá-lo a encontrar a mais adequada para ele. A população precisa ter cuidado para não tomar medidas desesperadas, fazendo a dieta que o vizinho fez, tomando anabolizantes para ganhar massa muscular. Uma questão é tratar a obesidade, outra é a estética.
Muitas pessoas acreditam que obesidade se refere apenas a más escolhas alimentares, “fraqueza” que pode ser resolvida “fechando a boca”. O preconceito é outro desafio enfrentado por esses pacientes?
Muito e principalmente na infância. O bullying torna as crianças, quando elas crescem, em pessoas mais propensas a desenvolver distúrbios alimentares. No futuro, elas passam a ter uma relação anormal com a comida, seja para mais ou para menos. É um critério também para taxas maiores de desemprego. Estudos mostram que entre os obesos os índices de desemprego são maiores. Uma questão que as pesquisas ainda não apontam é se isso é motivado pelo preconceito de quem seleciona os candidatos ou se a obesidade pode atrapalhar no trabalho. Isso porque pessoas obesas têm mais apneia do sono e, por isso, no dia seguinte, podem estar mais cansados, rendendo menos para determinadas atividades.
Fonte: Diário de Pernambuco
Foto: Arquivo/DP