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O que a neurociência tem a dizer sobre o procedimento do reconhecimento por fotografia

Ilustração: Junião.ponte.org

“Se está na tela, é porque foi ele”

Por mais debatido que seja, todos os dias episódios semelhantes ao que vamos expor acontecem, parecendo notícias repetidas. O que a ciência traz como aceitável e adequado é que o suspeito seja apresentado ao lado de pessoas parecidas, que não sejam suspeitas (dublês ou fillers).

O Innocence Project, o “Prova sob suspeitas”, são exemplos de projetos e grupos de estudos em que essa matéria é tratada com seriedade e prioritária. O primeiro trata-se de um projeto de que luta para recorrer de condenados já sentenciados e que estão cumprindo sua pena, mesmo sendo inocentes, porém, diante de uma política punitivista foram julgados e condenados culpados muitas vezes com elementos de prova apenas baseada em reconhecimento por fotografias, o que seria insuficiente sem outros elementos probatórios que possa corroborar com certeza da acusação.

O CPP no art. 226 – Reconhecimento de pessoas e coisas, visa buscar a verdade real durante a investigação ou instrução processual penal, no sentido de reconhecer os elementos, possíveis autores e partícipes do delito.  Diferente do que somos acostumados a ver nos filmes de ficção policiais, onde os suspeitos com características parecidas, logo após o crime, são postos em filas, em grupos de cinco ou seis, todos segurando seus respectivos números através de placas, em sua frente apenas um vidro em configuração de espelho e que na outra face está a vítima para o reconhecimento com plena visão a sua frente.

Na real e atual situação chega muito longe que aconteça desta maneira, visto que na maioria das vezes utiliza-se as mesmas formas operacionais nos atendimentos por reconhecimentos de pessoas suspeitas, que é a utilização de um álbum de retrato pré-selecionado desses sujeitos como sugestão, essa que é a palavra. Sendo que esses critérios ou métodos para a inserção de uma foto julgada como suspeita são desconhecidos. Alguns mitos circundam as esferas judiciais, em que existe uma rainha das provas, e que a prova do reconhecimento, seria a mais confiável, no entanto é uma falácia, um puro Sofisma, vejamos o que a ciência, mais precisamente a neurociência tem a nos mostrar sobre este tema de extrema importância.

Nosso sistema cognitivo é controlado funcionalmente pelo nosso cérebro, ele interpreta as ações e informações através do córtex que neste contexto, na literatura técnica encontramos dois tipos de memórias: As de curto prazo e as de longo prazo basicamente, se atermos as memórias de longo prazo iremos encontrar duas ramificações, são elas as memórias declarativas (ou explícitas) de longo prazo e as memória implícitas de também longo prazo, sendo que se nos aprofundarmos à enxergar mais a memória implícita veremos outras memórias como: memórias de procedimentos, memórias priming, memória associativa, etc.

O problema é conseguir entender que esses tipos de memórias atuam de formas distintas no encéfalo, isso faz com que procedimentos policiais como exemplo o reconhecimento por fotografias absurdamente crie erros grotescos e de certa forma na maioria das vezes irreparáveis para a sociedade, visto que, a memória declarativa se vale permitir gravar nomes, datas, situações, conceitos, locais, do que propriamente a memória implícita. A memória procedural por exemplo, nos permite fazer as coisas de formas mais intuitivas, sem muito esforço para lembrar, ou seja, conceitos já enraizados e consolidados de longas datas em nossa memória através de diversas repetições.

O fato de um policial tido sendo como vítima, ou servir de testemunha a ponto de fazer um reconhecimento por fotografia, simplesmente pela sua condição na atividade policial, ou seja que a sociedade e a instituição considera que habilitou o seu profissional para determinadas competências, é de grande ilusão, pois o que realmente são desenvolvidas pelas instituições policiais brasileiras, apesar dos esforços são minimamente as etapas declarativas daqueles conteúdos abordados nos treinamentos. Para tanto o que queremos dizer é – os treinamentos são baseados em memórias declarativas, ou seja passíveis de falhas pois ela não estão enraizadas e podem ser confundidas ou esquecidas temporariamente ou por tempo mais longo, mas geralmente de maneira distorcidas, correndo o risco de falar de maneira incompleta. Neste contexto entendemos que só pelo fato de ser um profissional atuante na área policial, isto por si só não o habilita para estas situações complexas e inesperadas que cada ocorrência possa apresentar.

Existem estudos neurocientíficos que revelam que durante qualquer conflito, seja ele com lâmina (faca), ou principalmente com armas de fogo, o cenário muda completamente, ou seja, no momento da ação a partir do aparecimento desses elementos na cena, o contexto passa a ser alterado e a arma passa a assumir o papel principal, sendo toda a atenção cognitiva voltada para ela. Cria-se então uma visão de túnel, o cérebro trabalha de forma a economizar energias para uma explosão durante uma possível fuga numa janela temporal minimamente aberta no conflito.

Por outro lado existem nas unidades de policiamentos os denominados álbuns de suspeitos, pessoas que já tiveram algum tipo de passagem pela polícia, seja por roubos, drogas, pequenos furtos ou até estupros, a polícia realiza durante as investigações extração de fotos dos perfis nas redes sociais que mais se aproxima da característica dos suspeitos, o que de maneira alguma significa que  foram eles os autores daquele delito em questão, mas que em algum momento já cometeram crimes e alguns nunca tiveram problemas com a polícia.

Recentemente tivemos a polêmica do ator do filme Pantera Negra, Michael B. Jordan, sendo exibida em um desses álbuns como sendo um dos suspeitos de participar da chacina da Sapiranga no Ceará no dia 25/12/2021, isso nos remete a falta de filtros e caminhos tortuosos tomado pelas investigações policiais e como principal fator desses equívocos podemos citar: a deficiência ou até mesmo a (in)existência de inteligência policial.

De posse dessa informação formulamos a seguinte pergunta: Como poderá haver um reconhecimento assertivo e eficiente, através de fotografias, sendo estas já previamente selecionada pela polícia através de um álbum de suspeitos e apresentadas as vítimas, inclusive que essas vítimas também sejam  elas policiais ou não contrariando assim os estudos da neurociência das reações cognitivas?

No dia 15 de março de 2022 a Sexta Turma do STJ, julgou no HC 712.781/RJ, através do Relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, pela absolvição de réu preso por cometer o crime apenas por reconhecimento por fotografias, cujo além da própria vítima, não existiam testemunhas ou outros meios de provas que pudessem consubstanciar a acusação tornando assim inválido o processo e anulando a sentença condenatória. Estamos caminhando juntos com diversas entidades não governamentais e sem fins lucrativos para dar vozes a essas pessoas que de alguma forma são condenadas através de meios de provas duvidosos, escusos e desonestos. A justiça pode e deverá ser feita pautada em verdade real para que não haja sentenças injustas, pois afinal “Mas vale arriscar-me a salvar um culpado, do que condenar um inocente” –  VOLTAIRE.

 

Autor: Admir dos Santos Pereira.

Bacharelado em Engenharia Civil, pela Escola Politécnica de Pernambuco – POLI/UPE; Pós graduado/Especialização em Ciências criminalística – Unyleya; Medicina e Segurança do trabalho, Pós Graduando em Neurociência do Desenvolvimento Cognitivo, Membro Titular da ABCCRIM-PE, Associado como Pesquisador / Perito no Instituto Brasileiro de Ciências Criminais; Professor especialista na disciplina de ciências dos materiais – Grau Técnico Brasil; Perito em Balística, Incêndios, Documentoscopia e Grafotécnica; Especialista em investigações de casos de Homicídios; Consultor e Parecerista em Perícias Forenses e engenharia de Incêndios; Pesquisador na Área Medicina legal; Professor do primeiro curso Auxiliar de Necropsia de Pernambuco, nas disciplinas de Medicina legal, Anatomia, Ética, Bioética, biossegurança, anatomia e fisiologia humana, tanatologia, traumatologia forense e técnica de necropsia, atualmente Perito Judicial TJPE.

 

Editor responsável:
Renato Guedes, Presidente da Comissão de Perícias Forenses da ABCCrim
renato.gsantos@gmail.com

Sobre o autor

A oposição é necessária para avaliar a gestão, mas é importante distinguir entre oposição legítima e politicagem, que busca causar problemas e confundir a população. É preciso ficar atento para não cair nesse jogo manipulador.

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