Direto de Montreal, Canadá.
A viagem para Montreal, no Canadá, estava programada desde abril e quando entrou novembro a urgência bateu na porta. Era hora de enfrentar a “via crucis” de comprar passagens, hospedagens, providenciar passaporte vacinal, e fazer o “check-list” de itens que não podem faltar em uma viagem segura de turismo.
Acordei naquela manhã de 16 de novembro com uma ressaca republicana de 132 anos. Explico: O Brasil monárquico, aquele cheio de reis e rainhas não deu certo. Então, os militares resolveram se unir com alguns civis para derrubar a Coroa Portuguesa, que era velha e não fazia “comida boa” para o povo brasileiro.
Assim, instauraram a tal da República pensando que mudar o nome de quem governa, de instituições e a posição dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, era como o girar da vara da fada, que num “pimba”, transforma o sapo em príncipe. Foi assim que criaram o ilusório e vigente “modus republicanus” de ser que está aí até hoje prometendo mundos em cada ciclo eleitoral.
Seremos um novo país, um novo povo, uma nova terra, uma nova política, um novo dinheiro, um novo tudo. O problema é que somando os 389 anos da Monarquia mais os 132 da tal República já se foram 521 anos e tudo segue “como dantes no quartel de Abrantes”. Sabe aquele ditado popular que nasceu da mesmice imposta na cidade portuguesa de Abrantes, invadida por Jean Androche Junot, um dos generais de Napoleão Bonaparte? Sabe não? Vai ter que pesquisar muito? Era assim que estava minha cabeça ao pensar em tudo que tinha de preparar para viajar ao exterior em plena pandemia.
Mas, na manhã do dia 16 de novembro a dor de cabeça era saber como contornar o desvalor do real, a moeda brasileira, em relação ao dólar canadense, com uma diferença de quase cinco por um, ou seja eu trabalhara quase cinco vezes mais em real para numa lapada só, valer cinco vezes menos.
Claro que se estivesse indo para os EUA eu valeria quase seis vezes menos, se fosse para a Europa valeria quase sete vezes menos e se fosse para Grã-Bretanha valeria quase oito reais a menos, tendo que “morrer nos braços da Libra Esterlina”.
Que miséria de moeda é essa, a brasileira, que nunca prestou frente às moedas fortes do mundo, pensei na fila do banco…
Será que a moeda de um país representa o custo daquele país, ou seja, está relacionado ao “conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas, e econômicas que encarecem o investimento no Brasil, dificultando o desenvolvimento nacional, aumentando o desemprego, o trabalho informal, a sonegação de impostos e a evasão de divisas. Por isso, é apontado como um conjunto de fatores que comprometem a competitividade e a eficiência da indústria nacional”?
Por que o Brasil custa tão caro, pensei eu, perdido em pensamentos de desvalor dos frutos de seus trabalhadores? Uma das soluções que pensei era não viajar mais para fora do país. Mas, lembrei que se viajo para o Sul ou Nordeste do Brasil, aonde a água do mar é mais quentinha, gasto quase o mesmo valor que viajando para o exterior. Mas, que diabo de Real sem valor é este que não vale dentro nem fora?!?
Aí, ali mesmo, naquela demora infernal da fila do banco lembrei que lá na Biosphera de Montreal, no Canadá, na sala reservada à reflexão sobre a vida no Planeta Terra, está escrita a frase do filósofo canadense Herbert Marshal McLuhan, que diz “Não há passageiros na Espaçonave Terra. Todos somos tripulantes”. Sendo assim, vou seguir encarando o verbo “viajar” como um infinitivo, como uma ordem para mim.
Depois da longa espera na fila daqueles bancos que se notabilizam por fazer propaganda insistindo ser o teu banco, que te pertence e te ama, mas, que te trata como uma miserável madrasta ruim, o caixa olhou para mim e disse: – Quanto o senhor vai querer em dólar e diga se em notas grandes ou pequenas?
A “dor do parto” seria grande de qualquer jeito porque partir suas economias em Real para conseguir converter em dólar, mesmo o canadense, é um rombo nas finanças. Assim sendo respondi rápido: – Quero 3 mil dólares em notas pequenas porque quando a nota passa de 20, todo mundo passa a caneta, o telescópio, pega ela da mão da gente e olha para o sol para ver se você é ladrão ou falsificador!
Ele sorriu de canto de boca e me disse: – Sim, senhor. Vai dar um total de mais de 17 mil reais de débito em sua conta, autoriza?!?
Eu congelei por um momento e pensei na relação em que um dos lados vale quase cinco vezes menos, deixei MaLuhan um pouco de escanteio e lembrei do ZÉ, um daqueles roceiros que acabou vindo morar na cidade grande e há 19 anos e vinte nove dias segue sem entender a complexidade do Brasil urbano. ZÉ me disse que pensa que essas desproporções estão totalmente ligadas a fatores como:
I – Corrupção política e administrativa;
II – Deficit público elevado. O país gasta muito e gasta mal;
III – Burocracia excessiva que trava a criatividade do povo. Quer ver? Crie algo e tente registrar sua ideia no Instituto Nacional de Propriedade industrial. Se criar um empreendimento no Brasil é difícil, registrar sua ideia para proteger os direitos autorais e patentes é um parto.
IV – Manutenção de taxas de juros reais tão elevadas, que quem pega empréstimo fica escravo do emprestador;
V – Lucro bancário (também chamado de Spred, ou margem de lucro) alto demais. O banco ganha demais enquanto o tomador do empréstimo paga o capital emprestado várias vezes;
VI – Burocracia excessiva que dificulta tudo: importação, exportação, produção de bens, transporte por rodovias cheias de buraco;
VII – Inexistência de transporte ferroviário no país;
VIII – Carga tributária estratosférica;
IX – Altos custos trabalhistas para o empregador e alta inflação para o trabalhador, numa relação em que o dinheiro ganho quase nada vale na compra dos itens básicos de sobrevivência nos supermercados gananciosos da vida.
Fiquei pensando de onde ZÉ tirou tanta “sabiduria”. Ele até listou tudo em algarismo romano…
Voltei de meus pensamentos e passei a me preocupar com os ladrões que sempre ficam dentro e fora dos bancos espreitando quem já tem pouco. Na saída da agência evitei colocar o dinheiro na cueca ou na meia, para em nada parecer com políticos e servidores públicos corruptos.
Caminhei para casa com aquele “tantico” de dólar, deixando em troca uma “arroba” de Real, em nome da esperança de assimilar um pouco mais de outra cultura alienígena e prosseguir no trilho em que anda a locomotiva da minha vida, a de viver em quanto dá tempo e conhecer, conhecer, conhecer, porque ao final sabe-se pouco de tudo que se sabe…