NOME COMPLETO: Leonardo Alexandre de Luna – Bacharel em Direito pela UNICAP – Universidade Católica de Pernambuco – Especialista em Direito Tributário e Processo Tributário pela UNIPE – Centro Universitário de João Pessoa – Especialista em Direito Constitucional e Processo Constitucional pela UNIPÊ – Centro Universitário de João Pessoa – Gestor de Previdência de Servidores Públicos (RPPS) – Advogado Atuante em Direito Tributário, Direito de Previdência dos Servidores Públicos (RPPS), Direito Administrativo e Direito Civil.
COLUNA DIREITOS E CORRELATOS
Do final de 2016 para o início de 2017, a Suprema Corte Britânica decidiu que a saída do Reino Unido da União Européia (Brexit) só poderia ocorrer por concordância do parlamento. Consequentemente, a decisão judicial retirou da primeira-ministra Theresa May a autoridade sobre assuntos econômicos e políticos. A fundamentação da Suprema Corte Britânica foi essencialmente jurídica, no sentido de que o rompimento de um acordo autorizado pelo legislativo é inconstitucional sem a sua anuência. Nunca a Suprema Corte Britânica tinha entrado em assunto de tamanha relevância política e também econômica, mesmo diante de flagrante inconstitucionalidade.
Na Alemanha, a chanceler Angela Merkel foi contestada por usar a poupança alemã na política de empréstimos aos países europeus em dificuldades financeiras. E a questão foi decidida pelo o Tribunal Constitucional Federal.
Nos Estados Unidos, a Suprema Corte definiu a vitória de George W. Bush sobre Al Gore no ano de 2000. Entre 2010 e 2012, a justiça norte-americana decidiu pela constitucionalidade da ampliação ao acesso dos cidadãos americanos à cobertura de saúde promovido por Barack Obama (Obamacare), contrariando os interesses econômicos das grandes seguradoras. Neste ano de 2018, juízes norte-americanos proibiram a separação e a deportação de famílias estrangeiras, em resposta à tolerância zero do presidente Donald Trump quanto aos imigrantes.
Na medida em que a sociedade reclama das crescentes divergências que acometem o mundo, sem que haja resposta uníssona dos representantes legitimados pela vontade popular, há a necessidade de um único órgão tomar as rédeas e controlar a situação.
Já que a dimensão das incertezas aumenta na mesma escala que as possibilidades, causando inclusive distúrbios comportamentais entre os representantes do povo, cabe a um único órgão concentrado em critérios humanísticos resolver as questões mais pesadas.
Na proporção em que as relações sociais se compõem por elementos complexos no plano econômico e no plano político, um único órgão constitucionalmente autorizado deve tomar a frente e decidir por parâmetros seguros que afetem até mesmo os poderes constituídos.
E esses parâmetros seguros para a resolução de questões pesadas constam no sistema jurídico, que é interpretado por Cortes Constitucionais.
Como é evidentemente, daqui para frente o mundo não verá situações realmente importantes que não sejam muito complexas. Assim, a intervenção judicial em temas que antes não eram juridicamente discutidos passou a ser atividade corriqueira.
Essa tendência tem sido implantada inclusive no Brasil, especialmente pelo STF. Aqui, no Brasil, não é à toa que chegamos perto de 2019 falando sobre a justiça brasileira e mais especificamente sobre o Supremo Tribunal Federal. Afinal de contas, o STF exerceu um papel político e jurídico preponderante no curso desta década.
Por exemplo, no ano de 2016 o STF determinou o ritmo do julgamento do impeachment de Dilma Rousseff. É verdade que a decisão do então Ministro Presidente do STF Ricardo Lewandowski é vista como inusitada e juridicamente esdrúxula, por ter fatiado o julgamento em uma fase de impedimento e em outra fase de inelegibilidade, com a nítida vontade de livrar a impichada da impossibilidade de novamente concorrer a um pleito eleitoral. Mas é verdade também que no caso de Dilma Rousseff o STF manifestou-se por tons políticos, embora tenha usado métodos jurídicos.
No mesmo ano de 2016, o deputado federal Eduardo Cunha virou réu e foi destituído de sua atividade legiferante por decisão unânime do STF enquanto ocupava a cadeira de Presidente da Câmara. Isso jamais foi visto no Brasil. Em seguida, amargou condenação e até hoje está atrás das grades por corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
No final do ano de 2016, o senador Renan Calheiros foi afastado liminarmente da presidência do Senado, vez que nessa qualidade encontrava-se na linha sucessória da Presidência da República e ao mesmo tempo era réu por desvio de dinheiro público. A esquiva à intimação judicial e a sua manutenção na presidência por decisão de seus pares trouxe dúvida sobre a efetividade de uma determinação judicial. Mas, no fim, prevaleceu a decisão de mérito do STF e Renan Calheiros foi realmente retirado da presidência do Senado, apesar de não ter perdido o cargo de Senador da República.
Apesar de tantos acontecimentos aqui mencionados, ainda não foram citadas as inúmeras condenações e prisões realizadas principalmente por Sérgio Moro, um juiz federal de primeira instância alçado à categoria de herói nacional simplesmente por ter cumprido a sua obrigação. Inúmeras dessas condenações e prisões molestaram políticos e empresários até então vistos como pessoas intocáveis no nosso cenário democrático.
Pelas mãos de Marcelo Bretas, outro magistrado federal de primeira instância, o ex-governador do Rio de janeiro Sérgio Cabral e a sua esposa Adriana Anselmo foram condenados e presos por corrupção e lavagem de dinheiro nos finais de 2016. Junto com eles, políticos e empresários influentes também amargaram dias de cárcere. A acusação aponta para centenas de milhões de reais desviados dos cofres públicos.
Em julho de 2017, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado por Sérgio Moro a nove anos e seis meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Em abril deste ano de 2018, o órgão colegiado de segunda instância não apenas manteve a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como também aumentou a sua pena para doze anos e um mês de prisão. Hoje, em plena campanha eleitoral à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva encontra-se preso e inelegível por medidas adotadas também pelo Tribunal Superior Eleitoral e pelo Supremo Tribunal Federal.
Agora, em setembro de 2018, o ex-governador do Paraná e candidato ao Senado Federal Beto Richa, juntamente com a sua mulher Fernanda Richa e ex-secretários de governo, foram presos para apuração de crimes por corrupção. No final da semana passada foram soltos por decisão singular de Gilmar Mendes, ministro do STF.
A atuação da justiça brasileira nesses últimos anos é contemplada não apenas pelo ponto de vista jurídico, mas, também, principalmente, pela interferência em temas econômicos e assuntos restritos ao mundo político. É, sem dúvida, algo enorme, vez que tais circunstâncias sempre estiveram sob o domínio do Poder Executivo e do Poder Legislativo.
Conforme se viu, a interferência econômica e esse alcance político não são fenômenos exclusivos da justiça brasileira. Eles se sucedem universalmente, por todo o mundo civilizado. Todas as nações democráticas têm visto as suas Cortes Constitucionais como personagens relevantes na condução de seus países. São elas que estabelecem a forma pela qual e porque o sistema jurídico deve ser aplicado em ambientes inequivocamente propensos a causar prejuízos à sociedade.
Mas, o perigo que segue esse ativismo judicial nas esferas econômicas e políticas reside na fragilização da representatividade popular. A soberania do povo também fica em risco e prejudica a plena democracia. Realmente, se o órgão parlamentar e o órgão executivo dos sistemas democráticos são configurados pela representatividade popular, essa legitimidade é reduzida e fragmentada na medida em que um terceiro órgão avoca para si as atribuições que o povo outorgou ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo.
É exatamente aí onde começa o problema. As decisões judiciais são baseadas na coerção, na autoridade, na eficácia e na independência de um Poder da República. As ordens emanadas de um juiz de direito não têm como causa eficiente a legitimidade da representatividade popular, exercida por meio do voto, para o povo.
Atualmente não se consegue imaginar o STF avesso a questões econômicas e políticas. Não é possível compreendê-lo apenas como uma peça atenta a fatos simples, submetidos apenas às regras e a princípios legais e constitucionais. Mesmo porque as Cortes Constitucionais de todo o mundo, conforme foi dito, existem para reparar os equívocos das manifestações sociais, econômicas e políticas (desde que sejam questões fundamentais), com o fim de manter hígido o sistema constitucional.
Mas a pergunta correta é a seguinte: como o Supremo Tribunal Federal vai manter hígido o sistema constitucional, se nem ele mesmo se encontra?
No caso do senador Renan Calheiros, por exemplo, o STF interferiu decisivamente em assuntos políticos do Senado Federal pela decisão liminar do ministro Marco Aurélio. Esse único ministro ordenou o afastamento do senador sem a participação do plenário da Corte Suprema. Repita-se que apenas um ministro representou todo o STF em um assunto tão relevante, sem a participação dos outros componentes. E isso não é um fato isolado. É corriqueiro. Aí, denota-se um evidente desvio, porque cada ministro decide por ele mesmo. E cada decisão muda em algumas horas. Nessas condições, causam conflito entre si, impondo instabilidade e insegurança à sociedade.
No julgamento do senador Renan Calheiros houve inclusive um fato indecoroso praticado por um dos ministros do STF. Enquanto o julgamento do afastamento ocorria no plenário da Corte Suprema, o ministro Gilmar Mendes ausentara-se de sua cadeira enquanto defendia os interesses do acusado no Congresso Nacional. É lógico que tal situação reforça o entendimento de que o STF não tem independência e inexiste a harmonia entre os poderes. Contrariamente, deixa clara a fragmentação e a perda de unicidade. O descontrole que hoje lhe afeta, somente o Supremo Tribunal Federal pode resolver, como imprescindível à democracia.
Essa dependência, essa fragmentação, essa falta de unicidade, esse descontrole, são próprios da Corte Constitucional brasileira. Com efeito, aqui, no nosso país, não se pode falar em um órgão judicial guardião da Constituição da República. Sabe por quê? Porque temos onze órgãos defensores da Constituição da República. Como são onze e são conflitantes sobre o mesmo assunto, não temos nenhum.
Nisso tudo há uma boa-nova. Descobrimos que justiça é um produto de primeira necessidade, tal como a educação, a saúde e a segurança. O ativismo judicial, no campo econômico e político, amplamente difundido, ao vivo e em cadeia nacional, por rádio, televisão aberta e internet, trouxe uma novidade excelente à civilização e à democracia. A novidade é que agora o povo conhece o funcionamento do Poder Judiciário, quem são os seus caciques, a forma “meritória” com que chegam ao poder, quais são as suas regalias e até mesmo como são tão bem remunerados. É por intermédio dessas observações que a sociedade pode exigir um postulado caro e necessário para uma vida melhor, que é a igualdade para todos.
Enfim, é o início da democratização do Poder Judiciário, para a qual ele deve reagir urgentemente. Todavia, até agora nada fez. Nada fez, mesmo sabendo que a sociedade espera que o Poder Judiciário vá à frente para protegê-la. O Poder Judiciário até aqui não compreendeu que a sociedade não é necessariamente contrária às decisões judiciais. Na verdade, a sociedade é contra as regalias de uma casta de servidores públicos. A sociedade é contrária sim à antiga cultura de nulidades pela qual se colhe impunidades. A sociedade manifesta-se contra esse sistema de infindáveis recursos que impedem as instâncias inferiores de resolverem peremptoriamente um caso. A sociedade é contra essa forma secreta, demorada e de influências para tomada de decisões.
Aí é onde o STF deveria entrar para proteger o próprio Poder judiciário e a sociedade. Mas não consegue porque perde o tempo protegendo a si mesmo, em face da falta de controle, diante da fragmentação e por causa da falta de unicidade.