Hoje pela manhã ao caminhar na direção do mercado assisti a uma cena que me cortou o coração. Vi um grupo de pessoas separando para consumo próprio mantimentos e alimentos vencidos de uma rede de supermercado conhecida nacionalmente. Essa cena não me sai da cabeça.
As mazelas do sistema capitalista são conhecidas desde a sua fundação no século passado. A formação das cidades e a expansão da indústria e do comércio na Europa no século XVIII lançaram as primeiras sementes para a sua consolidação. De lá para cá, a humanidade vivenciou inúmeras crises e solavancos das forças de mercado que impulsionaram a produção e o consumo.
Compreender a dinâmica dessas forças requer conhecimento e maestria para identificar nos seus esconderijos mais profundos as razões e justificativas para a ocorrência de cenas como as que eu vi de perto no início dessa semana.
A economia é uma ciência social que se ampara em modelos matemáticos e econométricos para explicar a realidade econômica e a dinâmica do pensamento e das ações dos indivíduos de uma maneira geral.
A elaboração das ações desses depende do modo pelo qual eles enxergam a realidade. A observação da realidade a sua volta e os efeitos dos movimentos do mercado, ou seja, da circulação de mercadorias, das trocas físicas e monetárias, da taxa de juros, balizarão as tomadas de decisões e consequentemente seus efeitos no curto e no longo prazos.
Dado que a economia é resultado de decisões tomadas pelos agentes ex-ante, porque deparamos ainda com cenas como essa de indivíduos passando fome? Será que o Estado é míope e não enxerga situações extremas como essas?
A triste cena vista essa semana nos remete a questionar sobre a eficácia do capitalismo em prover e promover o bem-estar de sua sociedade bem como o papel do Estado em uma situação tão desumana e triste como essa.
O papel do Estado e sua importância foi aventado após a eclosão da crise econômica que solapou Estados Unidos e Europa em 1929, conhecida como a Grande Depressão. De lá para cá, as vicissitudes e intempéries do sistema capitalista deveriam ser controlados pelo Estado que munido do poder em realizar as políticas fiscal e monetária teria plenas condições em suavizar também os efeitos maléficos do sistema.
Em pleno século XXI presenciamos as tais mazelas, o Estado atuando como um paquiderme sem grandes forças de atuação para eliminar tais situações abre caminho para acreditar que a solução é o Estado mínimo.
Por outro lado, seriam as forças de mercado suficientemente hábeis para alocar de forma eficiente os recursos?
A evolução do sistema capitalista nos mostra que não existe o lado certo e nem o errado para tal análise. Cada país, cada sociedade conforme a eficácia e o poder de suas instituições determinarão a capacidade do coletivo materializar ações que promovam o aumento da produtividade e a distribuição desse resultado entre os indivíduos.
Em uma sociedade onde as leis e as instituições estão do lado de determinados grupos, a equidade da distribuição dos frutos é questionável. E do mesmo modo que a cena me impressionou, ao deixar o mercado voltei com essas questões em minha cabeça: a eficácia do Estado na solução de vários problemas da sociedade e que afligem ainda nos dias de hoje como a insegurança alimentar, falta de moradia, falta de atendimento à saúde e as mazelas do sistema capitalista.
Não obtive uma resposta em torno da minha reflexão, só sei que enquanto o mundo for formado por um mosaico de desigualdade social e econômica o alcance do interesse comum ficará cada vez mais longe dos nossos olhos e maiores serão as dificuldades dos policymakers em alcançar os objetivos das políticas públicas que trariam alento a população mais carente e vulnerável.