Direto de Brasília-DF.
Profa. Dra. Paula Meyer Soares (UnB-FGA)
Laura Vieira Maia de Sousa (UnB-FGA)
A pandemia ocasionada pelo Coronavírus não estava prevista por nenhum especialista de mercado. Ninguém jamais imaginaria que a crise sanitária abateria de forma severa as economias ao redor do planeta.
No Brasil, o número de óbitos já ultrapassa os 153 mil e as perspectivas futuras são de que estejamos adentrando numa trajetória descendente de número de vítimas e infectados.
Apesar de as previsões serem otimistas comparado com o pico da mortandade alcançada meses atrás, o Brasil não é referência no que tange a adoção de medidas de combate e de isolamento social requerido para debelar o alastramento do COVID-19.
A Europa convive com a segunda onda e novamente os toques de recolher e as medidas de isolamento social fazem parte do cotidiano de vários centros urbanos onde os indicadores de infectados e mortes vem aumentando, como é o caso da França e Reino Unido.
Diante o exposto, algumas alterações regulatórias necessárias que já vinham sendo discutidas tomaram um impulso pós-pandemia.
A MP 998, conhecida como a MP de modernização do setor elétrico, traz alguns pontos que ficaram mais evidentes em serem resolvidos e discutidos com a sociedade e os agentes econômicos envolvidos no que tange a remunerações de alguns serviços, concessão de subsídios às fontes incentivadas, revisão e flexibilização de contratos de compra e de venda de energia, etc.
O afinamento regulatório é necessário. A MP 998/2020 recebeu mais de 200 propostas de emenda por parte de deputados e senadores.
Podemos destacar alguns pontos que trarão benefícios aos consumidores e agentes produtivos envolvidos no processo de geração, transmissão e distribuição de energia:
1 – Remanejamento para a conta de desenvolvimento energético (CDE) dos recursos de investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e em eficiência energética pelas empresas concessionárias, permissionárias e autorizadas do setor de energia elétrica de modo que esses recursos sejam utilizados em favor da modicidade tarifária;
2 – O fim gradual de descontos dos componentes tarifários de distribuição e transmissão de eletricidade (TUST/TUSD) para fontes incentivadas (eólica, solar, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas);
3 – Regras para descontratação e redução de contratos de compra de eletricidade entre usinas e distribuidoras (os “CCEARs”);
4 – Mecanismo para contratação de energia e capacidade e contratação de energia nuclear;
5 – Realocação dos recursos da CDE, pagas pelos agentes que comercializem energia com consumidor final, pagamentos anuais realizados a título de uso de bem público, multas aplicadas pela ANEEL e determinados créditos da União.
A racionalidade econômica constitui a característica marcante da MP 998/2020 ao trazer à tona a necessidade de ajustamentos que resultem em aumento da eficiência e da competitividade nos segmentos que compõem o setor elétrico. Ademais, traz também a possibilidade de realocação dos recursos oriundos de recolhimento de encargos setoriais.
O uso dos recursos financeiros da conta de desenvolvimento energético (CDE) para conferir modicidade tarifária é importante, pois em tempos de redução de consumo de carga de energia, o segmento de distribuição precisa ter um respaldo financeiro que cubra eventuais sobrecontratações de contratos de compra e de venda de energia. Por outro lado, é importante dar a oportunidade de flexibilização desses contratos.
A matriz energética brasileira é eminentemente assentada em recursos energéticos expostos à vulnerabilidade da natureza. Cerca de 70% da nossa geração de eletricidade é originaria de fontes renováveis de energia (hídrica, solar e eólica) e, portanto, as intempéries da natureza e os riscos hidrológicos, ou de outra natureza, precisam ser precificados e previstos nestes contratos.
Um outro aspecto importante é a retirada de alguns incentivos como a redução de 50 a 100% no valor da Tarifa de Sistema de Transmissão (TUST) e da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) de fontes incentivadas, eólica, solar, PCHs. Esse incentivo foi dado nos anos 2000 objetivando impulsionar o uso dessas fontes na geração elétrica. De lá para cá, tais fontes ganharam espaço no mercado de leilões de energia e, portanto, totalmente capazes de se inserirem em ambientes mais competitivos.
Em um ambiente de redução de demanda por carga é crucial a criação de um marco regulatório que introduza uma nova forma de valoração da quantidade correspondente de energia elétrica pelo custo médio da potência e energia comercializadas no Ambiente de Contratação Regulada (ACR) do Sistema Integrado Nacional (SIN). Essa valoração permitirá conjuntamente com a flexibilização dos contratos de compra e de venda de energia a constituição de uma tarifa mais próxima aos custos de operação e de manutenção.
Em tempos de oscilação de demanda por carga é crucial que possamos prever o uso da energia nuclear oriunda de Angra 3 e se a mesma deva ou não compor o lastro para o sistema a fim de evitar sobreoferta desnecessária e diminuir o sobrecusto para os consumidores. Incluir a contratação dessa energia num prazo menor para 50 anos, e não mais de 70 anos.
Em suma, observar alguns aspectos antigos junto aos segmentos que compõem o setor elétrico e instituições regulatórias é importante para a continuidade da prestação dos serviços. É necessário para que haja, num horizonte de médio e de longo prazo, a atratividade de novos investimentos. É necessário para que as rigidezes regulatórias possam ser eliminadas de vez, trazendo a competitividade para um setor essencial à nossa sociedade.
Se paramos para pensar, a pandemia foi o estopim da mudança e da reflexão que faltava. E como diz o velho ditado, ‘há males que vêm para o bem’.